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Poeta e youtuber mineiro Leonardo de Magalhaens entrevista com exclusividade o poeta Rogério Salgado

"Se de um lado uma revista só fala mal da esquerda, do outro lado outra revista só fala mal da direita. Jornalismo para mim é ser não só partidariamente isento, mas que tenha uma opinião sincera do jornalista que assina a matéria". Rogério salgado.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Leonardo Magalhaens/Rogério Salgado
12/11/2023 às 20h21 Atualizada em 12/11/2023 às 22h32
Poeta e youtuber mineiro Leonardo de Magalhaens entrevista com exclusividade o poeta Rogério Salgado
Entrevistador e Entrevistado.


Saudações! Sejam bem-vindas! Sejam bem-vindos! Hoje vamos ter um dedo de prosa com o poeta e jornalista Rogério Salgado, que nasceu fluminense, mas virou mineiro belorizontino, desde os anos 1980, um verdadeiro arauto militante das letras e da poesia. 

A ENTREVISTA EXCLUSIVA

by LdeM Leonardo de Magalhaens. Literatura Agora! Canal YouTube


1.Saudações, Rogério Salgado! Poeta, parabéns pela carreira frutífera e coerente! E responda nossa inquietante curiosidade: como é viver de poesia?  Como é ser um agitador cultural durante décadas aqui na capital das Minas Gerais? 
RS: Viver de poesia realmente é difícil, mas não impossível. Descobri que quase tudo na vida se vende e se compra, basta achar o cliente certo. Viver de poesia, não é somente de livros, mas de projetos: oficinas, com busca de patrocínios; palestras e apresentações com cachês e tantos trabalhos mais. Mas para se chegar lá, cada dia de luta é uma conquista. Por essa razão, me considero um profissional e evito trabalhos voluntariados, com exceção de algo filantrópico, por exemplo. É muita luta, mas não impossível. Ser um ativista cultural é ser otimista e nunca perder as esperanças no futuro. Na minha história tenho o ativismo desde 1979, ainda em minha terra natal e no começo da década de 80, em Belo Horizonte. Exemplo, a luta pela Lagoa do Nado, que corria riscos de se transformar num conjunto habitacional. Fui um dos responsáveis para que isso não acontecesse. E não aconteceu. Muitos que militavam comigo continuam éticos, outros se venderam ao alpinismo social e financeiro através de partidos políticos. Eu nunca abri mão de fazer algo, sem deixar máculas na minha história. Também, em 2000 fui um dos criadores do primeiro sarau em Centro Cultural da capital mineira: o Sarau da Lagoa do Nado. Hoje, tento ser apenas um poeta e deixar que os mais jovens façam o que eu fiz. Prefiro ficar quieto no meu canto e deixar que os jovens que estão chegando, façam esse ativismo. Afinal, mereço no momento curtir bastante a vida.

 

2. Rogério Salgado, como você hoje vê a sua obra poética? Você que já falou de vários assuntos e de vários estilos, desde a memória afetiva da infância, passando pela geografia sentimental, e em críticas aos dogmas religiosos, até as metalinguagens dos metapoemas, tem a impressão de ainda tem mais temas para abordar? A seara do poeta é constante e a labuta é árdua? 
RS: Não escrevo sobre temas. A poesia vem naturalmente. Livros como “Quermesses (e outros poemas profanos)” e Ainda Menino” são uma dessas raras vezes que fiz isso. Cada livro meu, abordo vários assuntos, como política, amor, memórias, etc.
Tenho certa fobia de deixar esse mundo com poemas engavetados. Por isso, sou capaz de ficar anos sem escrever um poema e não fico incomodado por causa disso.
Mas quando me proponho a publicar um novo livro de poemas, entre três e quatro meses os poemas fluem naturalmente e deixo o livro pronto. Como exemplo, meu novo livro “Antes que a lua enfarte”, a ser lançado em janeiro próximo, comemorando 70 anos de juventude e 49 de poesia. Para esse livro escrevi poemas politizados e não partidários, poemas que falam de lembranças e outros assuntos mais. Gostaria de ressaltar que “Antes que a lua enfarte” vem com projeto gráfico da capa e contracapa da competente artdesigner Gisele Starling, do Selo Editorial Starling e diagramação de outro profissional competente que é o artdesigner Valdinei do Carmo, editor da Orgânica Editorial, selo criado por ele apenas para suas próprias publicações, mas que abriu exceção para esse meu novo livro. O livro tem prefácio do poeta Wagner Torres e texto da contracapa da poeta Biláh Bernardes.


3. Além da sua obra, que é vasta, desde a década de 1980, passando por Quermesses [2005], Trilhas [2007] até Volúvel Fado [2020], Rogério, sabemos que a sua atuação se amplia para a divulgação da obra de outros autores. As antologias e os eventos estão sempre no horizonte cultural da capital mineira. A Antologia Cena Poética e o Belô Poético são efemérides culturais no meio literário. Como é articular a produção própria com a divulgação dos poetas e das poetas? Qual a importância das antologias para as novas gerações de autoras e autores?


RS: Sempre busco apoiar novos poetas porque no inicio de minha carreira, poucos me apoiaram. Abro as portas para todos, porque acredito na evolução poética da maioria dos iniciantes. Por exemplo: meu primeiro livro de poemas “Meu Íntimo”, de 1984, eu escondo para que ninguém o leia, pois a maioria dos seus poemas são imaturos e ingênuos. Mas amo este livro, porque ele é verdadeiro e foi ali que tudo começou. A mestra da poesia Leila Miccolis disse uma vez que não se deve julgar o poeta pelo seu primeiro livro, mas sim pelo segundo. Tenho orgulho de ter aberto as portas para poetas que estavam iniciando e que hoje são respeitados nacionalmente. Para poetas iniciantes, as coletâneas são portas abertas para que sua obra comece a ser divulgada e conhecida, com certeza. Quanto ao Belô Poético, foi um evento nacional que realizávamos anualmente, eu e Virgilene Araújo, sempre na última semana de julho. Fizemos dez edições e chegamos à conclusão que neste mês de férias, vivíamos mais para o evento do que para nós mesmos. E tínhamos projetos pessoais que ficavam engavetados. Começamos em 2005 e em 2014 realizamos o 10º e último Belô Poético e decidimos cuidar do que estávamos deixando para trás. E a vida cultural não parou por causa disso. Tanto é que, poucos anos depois, o poeta e agitador Cultural Aroldo Pereira, que realiza há anos o Psiu Poético em Montes Claros-MG, trouxe para Belo Horizonte o Beagá Psiu Poético, evento que tem dado certo anualmente, sempre no mês de março.

 

4. Poeta, além de homem das Letras, você é um jornalista que atuou desde a época do regime militar, a dita Revolução de 64, como uma voz de resistência contra o arbítrio e sempre apresentando as esperanças da democracia. Atuou em revistas literárias e em jornais de regionais em BH, ou seja, tem vasta experiência no jornalismo, além da poesia. Como você vê o papel da mídia desde os idos de 2013, com as Jornadas de junho, com o impeachment, ou golpe parlamentar, em 2016, e a eleição de 2018, toda polarizada, e a ameaça de um golpe antidemocrático em pleno 2022, 2023...?

Rogério Salgado.

RS: Comecei a atuar politicamente em 1978, aos 19 anos e desde os 15 eu não era alienado. Já lia jornais e conhecia tudo sobre o momento pelo qual o Brasil passava. Criei com outros poetas em 1979, o Grupo Abertura, com uma peça totalmente política que foi “Retorno a 200 metros”. Neste ano, levamos uma outra peça no Teatro de Bolso de Campos dos Goytacazes-RJ, minha terra natal, sem mostrarmos a censura.
Cercaram o teatro no final do espetáculo de estréia, mandaram o público sair e quem estava em cima do palco foi em cana. Em 1979, um grupo de jovens de Convento dos Padres Redentoristas estavam criando uma peça que tinha contornos políticos e me pediram um poema inédito. Escrevi então “Carta a Geraldo Vandré” e quando levaram para a censura, o único texto censurado foi o meu poema. Revoltado, rasguei-o em mil pedacinhos e hoje não lembro mais do que eu tinha escrito naquele poema. Em Belo Horizonte, criei com Virgínia Reis e Ecivaldo John a Revista Arte Quintal em 1983.
Depois tivemos a adesão do poeta e meu irmão Wagner Torres. A revista fechou as portas em 1992, por causa do Plano Collor. No começo dos anos 80, várias capitais estavam articulando o Movimento “Diretas Já” e em Minas Gerais esse Movimento começou dentro da Arte Quintal, comigo, Wagner, Virgínia, Gonzaguinha, Isaías de Maranhão, Jorge Fernando dos Santos, Fernando Brant e outros artistas. Hoje vejo raros órgãos de comunicação isentos de uma posição política, ou seja, verdadeiros.
Se de um lado uma revista só fala mal da esquerda, do outro lado outra revista só fala mal da direita. Jornalismo para mim é ser não só partidariamente isento, mas que tenha uma opinião sincera do jornalista que assina a matéria. Uma vez recebi a incumbência de fazer uma crítica do CD de uma cantora mineira e a melhor música tinha letra de um poeta arrogante e que falava mal de mim pelos quatro cantos do planeta. Mas a melhor música era justamente a que tinha uma letra escrita por ele: então, elogiei. Quanto à tentativa de golpe, acho abominável uma atitude como essa e mais abominável ainda quem apóia atitudes como esta. Sou e sempre serei a favor da democracia. Aproveito o espaço para falar de um assunto delicado nestes últimos anos e que muito me incomoda. Quando escrevi “Quermesses (e outros poemas profanos)” eu estava decepcionado com o capitalismo religioso. Hoje estou decepcionado com a posição política da maioria dos cristãos. Na época em que Jesus foi crucificado, foram os cristãos das sinagogas quem o denunciou para ser morto na cruz e foram esses mesmos cristãos quem o entregaram para a ditadura romana da época. Hoje, vejo diversos evangélicos, católicos e espíritas apoiando um político que é a favor da ditadura, como também das torturas num pau de arara, por exemplo. E esses mesmos políticos pedem que amemos o próximo como a nós mesmos e que façamos a caridade sempre. Isso pra mim é hipocrisia pura.

 

5. Rogério, você é um poeta filho de pianista, convivia com a música. E é da geração abençoada pelo advento da estrondosa música rock, com os ícones The Beatles e Rolling Stones, The Who e Pink Floyd, e com Os Mutantes e 14-Bis... Como você descreve esta época de euforia rock&roll? Foi um consumo para jovens ou uma revolução cultural? Ainda hoje os Beatles ou Roger Waters do Pink Floyd causam polêmicas. O que você acha da posição de militância política do Waters? E a nova e última música dos Beatles? Será que terá a repercussão de uma "Free as a bird"?
RS: Sim vivi a época do rock, drogas e sexo livre e tenho orgulho disso. O Movimento Hippie nos Estados Unidos surgiu em 1967/68 com a Guerra do Vietnã, onde a maioria dos soldados mortos em combate eram jovens de 18 anos. Como os militares se vestiam com fardas engomadas e cortavam os cabelos bem curtos, os jovens então passaram a se vestir justamente ao contrário deles e também deixavam seus cabelos crescerem. No Brasil, esse Movimento surgiu do mesmo modo, porém por causa da ditadura militar. 90% dos jovens que se drogavam, cresceram, ficaram caretas casaram e constituíram família. Naquela época não havia o tráfico de drogas como profissão e fumávamos um baseado de vez em quando, pra discutirmos coisas sérias.
Mas éramos responsáveis. Tanto éramos, que a maioria dos que fumavam um baseado, hoje são caretas, pais de família e trabalhadores. O Movimento Hippie e Woodstock fizeram sim, uma grande Revolução Cultural no mundo. Sou beatlemaníaco porque pesquiso música e realmente os Beatles foram a primeira banda de rock do mundo a ser perfeccionista em todos os aspectos musicais, daí quase todas as suas músicas serem altamente criativas para o seu tempo. O próprio Roger Waters disse numa entrevista anos atrás que tudo que ele e outros faziam de inovação, descobriam depois que os Beatles já haviam feito. Os Mutantes com certeza foram os Beatles brasileiros. Respeito à posição política do Roger Waters e de qualquer um. Sempre respeitei simpatizantes da esquerda e da direita, porque democracia é isso. Cada um tem o direito de gostar de quem quiser e apoiar quem quiser. Não aceito é agressão física e oral e nem incentivo à violência, como também sacanagem para prejudicar politicamente a quem quer que seja. Ah, a nova música dos Beatles como sempre, maravilhosa.

 

6. Para finalizar nossa entrevista com o poeta Rogério Salgado mais uma vez agradecemos ao convite do Facetubes. E, poeta Rogério, qual mensagem você deixaria para os poetas e as poetas? As novas gerações de leitoras e leitores que consomem e escrevem poesia... Como manter acesa a chama da Poesia neste mundo de entretenimento e distrações? Obrigado, poeta Rogério Salgado! Até a próxima! Valeu! Valeu, Facetubes!
RS: Minha mensagem é: leiam muito e não se preocupem em serem grandes poetas, pois essa vaidade artística que também tive um dia, hoje acho uma grande besteira, porque mais importante que tudo isso, é ser um grande ser humano. O que mais existe neste planeta são grandes artistas recebendo troféus, premiações e condecorações, no entanto, grandes seres humanos são, com certeza, uma raça escassa. O mundo precisa mais de grandes pessoas, dessas que se preocupam com seu próximo, que servem de ombro amigo quando precisam deles, que se preocupam em serem amigos dos seus amigos e até de quem não lhes é amigo e por aí afora.
Caso a gente se torne uma grande pessoa, naturalmente seremos grandes poetas, ou grandes médicos, ou grandes qualquer profissão. A vida é feita de grandes qualidades e de grandes defeitos. Quem nunca teve um pouco de vaidade e de orgulho por ser reconhecido pelo seu trabalho, que atire a primeira pedra. O que não se deve é deixar que isso lhe suba à cabeça. Costumo dizer que o artista passa por três fases em sua vida: a primeira, quando inicia sua carreira. Ele é um cara humilde e simples. A segunda, quando se consagra. Ele, na maioria das vezes é um chato arrogante e se acha deus. A terceira é quando ele amadurece. Aí ele volta à primeira fase, tornando-se novamente humilde e simples. Eu, no meu amadurecimento humano, passei por todas essas fases e com elas aprendi muito da vida e uma das lições mais importantes é que somos absolutamente iguais e diferentes, mas simplesmente iguais. Quanto à chama da poesia permanecer acesa, é simples: sempre teve quem se interessasse por poesia e quem não se interessasse por poesia. Os interessados passaram esse gosto para seus filhos e os seus filhos passarão para os filhos dos seus filhos. Ou seja, sempre haverá quem goste de poesia e quem goste de outra coisa. A vida sempre foi e continuará sendo assim.


by LdeM Leonardo de Magalhaens Literatura Agora! Canal YouTube

 

VÍDEO-BÔNUS

À propósito de alguns detalhes no vídeo, a editoria lembra que o "Belô Poético" ainda existe, mas ele encerrou sua dinâmica,  em 2014. Lembra ainda que os poemas "1o de Abril" e "Manhãs encobertas" são parcerias com Virgilene Araújo. 

 


 

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Raimundo FonteneleHá 1 ano Barra do Corda Maranhão Parabéns pela entrevista, e no vídeo uma forte amostra da poesia do poeta Rogério Salgado, a quem não conhecia. Belo e importante trabalho esse teu de conectar os desconectados
Cristina Vieira de SouzaHá 2 anos Belo Horizonte - Minas Gerais Rogério se supera a cada dia. Um grande poeta e um coração maior ainda
Wagner TorresHá 2 anos Belo Horizonte, MGIsso é história. É fato. Um registro da nossa trajetória, irmão!
Eduardo WaackHá 2 anos Matão (SP)Feliz em conhecer e partilhar da amizade do escritor Rogério Salgado, este incansável operário da cultura brasileira. Um grande artista, ser humano sensível e antenado.
Marlene Xavier Há 2 anos Montes Claros MGRatificando meu comentário anterior, conheço Rogério Salgado como um ser humano inigualável, porém essa admiração vem crescendo á medida que vou conhecendo suas obras importantes literárias .
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