*Mhario Lincoln
Eu e Luciah Lopez nos conhecemos há quase 10 anos. A vi pela primeira vez na inesquecível "Feira do Poeta", no Largo da Ordem, centro de Curitiba. Num primeiro momento, falamos de Leminski, de Helena Kolody, Alice Ruiz e Luci Collin. Falamos de algumas poetas que estavam lá, do nosso lado, integrando aquele círculo saudável de poesia, quando Geraldo Magela coordenava o espaço.
Acompanhei a evolução rápida dessa mulher-poeta, hoje, a meu ver, representante inequívoca da poesia paranaense, fato que foi devidamente registrado no livro "ENTRE VERSOS - A palavra branca é nua" – palavra nua - porém, inevitavelmente vira poesia pelas mãos dela, vira também alma, vira buquê, vira pele, vira gozo, vira tendência, vira mulher, enquanto, "nada se perde, tudo se transforma”, como nas palavras químicas de Lavoisier.
Sempre gostei demais de ler Luciah em toda a sua plenitude. Dentro e fora dos livros, tal qual nesta composição que ora resenho com um prazer imenso, pois são versos graduados que trazem ricas imagens sensoriais e jogos linguísticos que convidam o leitor a uma tradição profunda no universo interior da poetisa.
Através de metáforas complexas, o poema explora temas como a paixão, a memória e a imperfeição, derivadas do processo criativo. Espantei-me com o início abrupto com "Arrê!...”, a meu ver, uma interjeição que desperta a atenção, sinalizando uma transição para um estado contemplativo.
Mais na frente, a "estrela que acende azul" insere-se numa iluminação do arquétipo, acendendo "a vastidão que reside no sopro do vento". em tempo: o vento aqui não é apenas um elemento natural, mas um veículo de movimento e mudança, girando "obediente à rosa dos ventos", que representa direção e destino.
Mas, ode para a figura da "virgem que tece nas rendas", pois evoca que as lembranças são tecidas delicadamente como rendas, frágeis e preciosas. As "vagas lembranças do navio carregado de sonhos e do cheiro das goiabas maduras" (observe essa conotação antológica, mesmo com uma imagética completamente oposta), combinam elementos de viagem, desejo e nostalgia, conectando o leitor a experiências sensoriais e emocionais profundas.
É impossível não relacionar o tema aposto na lírica, como uma certa paixão personificada: "a fantasia", "a diva", "a estrela maior". Vale destacar sua supremacia e influência sobre o 'eu lírico'. No entanto, há uma dualidade presente quando "chega o poeta e atropela as letras", marca factais de ilusões e de inspiração.
Porém, como um livro aberto, Luciah também se autocritica ( e isso é fundamental na liberdade da construção poética) no verso, “se lembra que é medíocre", reconhecendo não a fragilidade, de certa forma, lírica, mas - e com toda a certeza - a falibilidade humana diante de inúmeros casos e ocasos da vida.
Já em os "erros [em pernas de saci] saltam as palavras" é utilizada a figura folclórica do saci, conhecida por sua travessura e imprevisibilidade, para representar os deslizes inevitáveis no ato de escrever. A fragmentação das palavras em "semântica/ticaseman" e "léxico/lé_xi_co" enfatiza a desconstrução da linguagem, refletindo sobre os limites e possibilidades do discurso poético. E isso me surpreendeu bastante pela imersão de Luciah em uma técnica que não é plural nas inúmeras demonstrações da qualidade versílica.
Isso porque - data vênia - a sequência "xicolé/colixé/loxicé - formiga lava-pé" é a experimentação de sons e significados, criando um neologismo quase único e pouquíssimas vezes usados por grandes poetas nacionais. Aqui, 'puxo brasa para minha sardinha' e cito Ferreira Gullar pelo uso experimental da mesma linguagem, que desafia as convenções da língua e enriquecem a poesia brasileira.
Bom, e como sempre analiso criações lírica como algo que pode me levar à prática da filosofia, é pertinente trazer para a mesma mesa Giordano Bruno, inesquecível por defender a infinitude do universo e a existência de múltiplos mundos.
Portanto, a forma como o poema aborda a vastidão, o movimento contínuo e a busca por significado, sob minha mira, ressoa com o pensamento bruniano no que se refere à natureza infinita da existência e a incessante busca humana por compreensão.
Ah! Cara Luciah, senti-me perfeitamente incluído nessa perspicácia incólume da criatividade imersiva de Luciah Lopez, minha amiga e confreira na Academia Poética Brasileira.
Evoé!
*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
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A POESIA
MACABEA
Arrê!...
Essa estrela que acende azul
alumiando a vastidão que reside
no sopro do vento.
Desse vento que roda o mundo,
girando obediente à rosa dos ventos, segue abrindo as bocas entre os rabiscos da virgem que tece nas
rendas - as vagas lembranças do navio
carregado de sonhos e do cheiro das goiabas maduras...
A paixão é a fantasia
é a diva - a estrela maior!
Mas quando chega o poente e atropela
as letras, também se lembra-se que é medíocre
e que erros [ em pernas de saci] saltam as palavras - semântica/ticaseman
léxico/lé_xi_co [xicolé/colixé/loxicé - formiga lava-pé]
A noite já vem desembocar aqui
e o cisco cai do olho mesmo sem ser soprado...
...hoje é a noite da minha noite!
Luciah Lopez
Para ler mais sobre Luciah Lopez: https://www.facetubes.com.br/noticia/5133/carta-a-luciah-lopez-poesia-nao-e-ilusao-se-assim-fosse-seria-magica