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Mhario Lincoln. (ANELY GUIMARÃES: a essência da poesia na vida)

Mhario Lincoln resenha a poesia “A Poesia Pode”, da poeta e membro da APB, Anely Guimarães.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln/Anely Guimarães
14/01/2025 às 07h22 Atualizada em 14/01/2025 às 23h21
Mhario Lincoln. (ANELY GUIMARÃES: a essência da poesia na vida)
Anely Guimarães

 

*Mhario Lincoln

 

Somos primos por parte familiar de minha mãe. Só alguns anos depois, no entretanto, pude conhecer Anely mais amiúde, pelas redes sociais. Eu morando em Curitiba; ela, também fora de São Luís. Mas, vez por outra, lá estamos nós nos abraçando na Associação Maranhense de Escritores Independentes (AMEI), lugar comum para nós dois.

Por isso, fiz questão de ter neste livro, um trabalho de Anely. Venho acompanhando a trajetória dela ao longo dos tempos e descoberto maravilhas em sua linguagem lírica, como mostro nessa bela poesia, que ora resenho. Na verdade, Anely, pedagogicamente, acabou por contar a história poética através de sua facilidade de escrever versos.

Então, ao ler esse trabalho, comecei a viajar pelo mundo encantado dos aedos, onde o próprio ato poético, sempre esteve associado à dimensão épica da humanidade. Não por acaso, a forma mais antiga de poesia que se conhece vem de relatos orais que, posteriormente, foram transcritos em tabuletas de argila ou pergaminhos, a exemplo da “Epopeia de Gilgamesh”, (que Anely cita com propriedade em sua obra), considerada por muitos estudiosos como a mais antiga obra literária da humanidade.

E nossa poeta da Academia Poética Brasileira aproveita o insight e faz uma anamnese da poesia épica que se eternizou com Homero - “Ilíada” e a “Odisseia” - abrindo caminho para a tradição literária ocidental. Assim, fatalmente, não há como deixar de citar, também, Virgílio e sua “Eneida”, exaltando a fundação mítica de Roma. E, obviamente, impossível, igualmente, não ir ao encontro da “Ramayana”, ode oriental, atribuído a Valmiki, que possui forte cunho épico e espiritual.

Anely Guimarães esbanja conhecimento (leitura, vontade de saber mais e pesquisa abundante, além de seu talento e dom poético) nesta performance literária, que ora analiso. Tão inteligente sua forma de escrever que me obrigou aprofundar (mais) no tema e ir buscar novas ideias de ‘psicolírica’, onde o poder da poesia é tão forte, que influencia, de forma direta, no desenvolver do mundo interno do sujeito, seja pela musicalidade dos versos, seja pela força das imagens que evocam.

Confesso: eu viajo, repito, literalmente ao ler Anely. E com prazer, porque nesse contato íntimo com a poética dela, me vêm algo sensorial, isto é, a ratificação explícita de que a poesia mexe com a alma. A poesia dialoga com nossas emoções mais primitivas. Por exemplo, a poesia já transformou, em mim, o que poderia ser ‘apenas dor, amor ou saudade’, em algo que transcendeu minha linguagem cotidiana.

E isso é resultado claríssimo de que a poesia (bem estudada e construída) pode ser, sim, irmã gêmea da filosofia. Se não, pelo menos, ambas sempre mantiveram uma relação intensa. Platão, no diálogo Íon, menciona que “o poeta é feito por uma espécie de ‘ente divino’, que o faz criar além da razão. O poeta não cria pela razão, mas por uma inspiração quase divina”. Interessante! Antes, o mesmo Platão tenha criticado os poetas em outros textos, como na República. Lembra?

Neste contexto, a mais bonita das definições em minha opinião, por outro lado, vem de Aristóteles, em Poética: “a poesia é algo mais filosófico e elevado do que a história; pois a poesia expressa o universal, enquanto a história expressa o particular”.

Uma grande verdade se chamarmos para a mesma mesa a experiência de Sigmund Freud e sua A Interpretação dos Sonhos. Nesse escrito, ele reconhece que os poetas, muitas vezes, “anteciparam insights que a psicanálise só depois alcançaria. (...). Onde quer que eu vá, encontro um poeta que esteve lá antes de mim”.

Ora, tudo isso está sintetizado na bela poesia de Anely Guimarães. Se não, há explícita, repito, dimensão épica, psicolírica, filosófica e psicanalítica na poesia de minha confreira de APB, especificamente nos versos de “A POESIA PODE”, sem dúvida, um anacronismo curioso, talvez proposital, onde ela consegue diminuir uma temporalidade, citando apenas um registro, além do nosso presente.

Logo no início, a autora realça o caráter amplo e universal da poesia:

“A poesia pode
porque é uma
das sete artes tradicionais
transmite todos os sentimentos
desenha todos os amores e dores.”

 

É notável o tom assertivo de “A poesia pode”. Ela construiu, desde o primeiro verso, a ideia de potência da palavra poética. Assim, quer ver algo interessante e fora do comum lírico? A ideia de ‘potência poética’, acaba criando um efeito cumulativo: a poesia “pode” ser tudo, porque nasce da arte; e a arte abrange o sensível, o estético e o emocional. E isso não sou eu quem falou primeiro. Fernando Pessoa já havia dito isso. Hipoteticamente, isto é, a poesia “traduz em linguagem lírica aquilo que a vida comum muitas vezes não consegue expressar”. Incrível, não é mesmo?

Em seguida, surge a dimensão histórica:

“É antiga
resplandeceu antes da escrita
tem presença
nas montanhas
na lua
nas estrelas
no sol
nas florestas...
pousa no coração.”

É simplesmente emocionante entender essa conexão da confreira da APB entre cosmos e a natureza, enfatizando sua origem pré-escrita (evocando a oralidade). Lembra o berço mítico da arte poética. É como se a autora, por meio de uma enumeração poética (montanhas, lua, estrelas, sol, florestas), reiterasse o caráter arquetípico da poesia. Ah, Nely, aí não tem como não convidar para a mesma mesa, William Blake. Da mesma forma, Blake encontrava nas forças da natureza e da imaginação, a verdade última da arte.

E mais adiante, leia que beleza, que show de conhecimento e leitura:

“Está nos mais poemas antigos
como
‘Epopeia Gilgamesh’
‘Ilíada e Odisseia’
‘Eneida’
‘Ramayana’...”

 

Realmente aqui, fiz uma pausa para respirar porque é nesses versos, que Anely estabelece um elo direto com a tradição literária universal e mostra que sua poesia também se insere na longa linhagem das epopeias, reforçando a tese de que o fazer poético é, por si só, uma aventura heroica no interior da alma humana. Esse recurso intertextual me levou a entender como as raízes históricas e sua experiência poética, influenciaram na feitura deste poema.

 

Aí, chego, então a:

“A poética
define como poesias
mas na verdade
é difícil defini-las
porque elas são
o 'Espelho de uma Alma'

que do Inconsciente
faz surgir os versos.”

 

Triste e saudoso, (sim, queria ler muito mais), chego a esses versos finais, onde nossa poeta aprofunda o sentido psicológico da poesia, revelando sua ligação íntima com o inconsciente. Ora, quer prova maior? Está explícito: “a poética define as poesias”, mas ao mesmo tempo “é difícil defini-las”, pois é o reflexo de uma interioridade que se manifesta em forma de verso. Seria uma possível (e necessária) alusão às reflexões de Jacques Lacan, no sentido de que o inconsciente se estruturaria como linguagem poética?

Sugiro que os leitores refletissem sobre esse ponto.

Mas, no meu entender, fica aqui a prova inconteste de que a poesia pode, sim, me devolver à ancestralidade, pode revelar recantos ocultos da mente e do coração. Como disse Cecília Meireles: “Liberdade — essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”

Assim também é a poesia: todos a sentem, ainda que seja impossível defini-la apropriadamente. Destarte, faço um apelo: que permaneça, pois, a arte poética como fundamento atemporal da condição humana, ressoando nas montanhas, na lua, nas estrelas, no sol, nas florestas e, sobretudo, pulsando no coração.

 

A POESIA PODE 

 Anely Guimarães

A poesia pode

      porque é uma 

                   das sete artes tradicionais 

     transmite todos os sentimentos 

     desenha todos os amores e dores.

 

É antiga

      resplandeceu antes da escrita

      tem presença 

                       nas montanhas

                       na lua

                       nas estrelas 

                       no sol

                       nas florestas...

                   pousa no coração.

 

Está nos mais antigos poemas

          como

                 “Epopeia Gilgamesh”

                 “Ilíada e Odisseia”

                 “Eneida”

                 “Ramayana”...

 

A poética 

       define as poesias 

            mas na verdade 

                 é difícil defini-las 

                     porque elas são 

                        o “Espelho de uma Alma”

                               que do Inconsciente 

                                      faz surgir os versos.

 

 

Mhario Lincoln
Jornalista e poeta, Editor-Sênior da Plataforma do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira.

 

.....................

Referências Principais (Fontes Reais)

  • Epopeia de Gilgamesh: Trad. Andrew George. The Epic of Gilgamesh: A New Translation . Londres: Penguin Classics, 2003.
  • Homero: Ilíada e Odisseia . Trad. Haroldo de Campos (para trechos selecionados). São Paulo: Editora Mandarim, 2002.
  • Virgílio: Eneida . Trad. Pérsio Arida (trechos selecionados). São Paulo: Penguin Companhia, 2012.
  • Freud, S. (1900). A Interpretação dos Sonhos . Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1972.
  • Lacan, J. (1966). Escritos . Paris: Seuil.
  • Platão: Íon e República . Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
  • Aristóteles: Poética . Trad. Eudoro de Souza. Brasília: Editora da UnB, 1990.
  • "A Poesia Pode": Anely Guimarães. Professora, escritora, poeta e cronista. Obras publicadas: Bailando nos Sonhos,Tecendo Poesias, Espelho de uma Alma, Ecos do Silêncio e Voz do Inconsciente, Participou em mais de 50 antologias, coletâneas e revistas no Brasil, Portugal, Alemanha e Suíça.
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JaimeHá 1 dia Brasília/DFMais um show de publicação.
Romualdo Há 1 semana Curitiba Talvez ainda nesta existência, eu consiga, algum dia, libertar meu espírito do peso da matéria e deixar as asas da inspiração alçar meu voo poético.
ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA Há 1 semana São LuísAnely Guimarães, uma escritora/poeta única, suas poesias ou poemas, sempre recheados de vida e tranquilidade. Suas construções reina paz.
Liz CantoHá 1 semana São Luís MaIsso é o que chamo de Epopeia, querido Mhario. aprendi muito.
Marcelo Cantanhede, BrasíliaHá 1 semana Distrito FederalUm texto simplesmente MARAVILHOSO Mhario Lincoln. Uma aula.
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