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Mhario Lincoln resenha Carmen Dias: “No embate entre Anjos & Demônios, venceu a Poesia!”

Schiller: “a poesia é o trabalho mais elevado do espírito humano porque reconcilia o sensível e o racional”.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln/Carmen Dias
04/02/2025 às 09h27 Atualizada em 04/02/2025 às 11h08
Mhario Lincoln resenha Carmen Dias: “No embate entre Anjos & Demônios, venceu a Poesia!”
Carmen Regina Dias

 

*Mhario Lincoln

 

Carmen Regina Dias, membro da Academia Poética Brasileira, seccional Paraná (Cascavel), é uma pessoa que eu considero transcendental. Amante da filosofia espírita, poeta das entranhas, guerreira da superação, aproveita todos esses insights para estruturar sua poesia produzidas por fontes internas do pensamento, como o poeta Lúcio Cardoso o fez: "(...). Escrevo e meu coração pulsa... Escrevo apenas porque em mim alguma coisa não quer morrer e grita por sobrevivência". (Diário completo. Rio de Janeiro: José Olímpio / Instituto Nacional do Livro, 1970).

De repente, me deparo com o poema:

 

“ACORDOU*

Nem tanto...

Por enquanto, apenas abriu os olhos

e correu para um canto,

onde só o silêncio saberia

em que esse anjo pensaria.

O que temeria?

Quem balança aquele berço

é ninguém menos que Poesia.

Levanta daí, anjo meu,

e atua!

vista tua invisibilidade e vem,

que essa causa é tua, também!

Não estás aqui pra me cuidar

e me livrar de todo mal,

Amém?

‘To’ te esperando...”.

 

Fica impossível controlar o start para resenhar essa percepção angelical do poema, bem dentro dos assuntos que eu gosto muito de ler e analisar: o transcendental e o filosófica, duas nuances explícitas no diálogo íntimo de Carmen Dias com ela mesma, o que me conduz a uma reflexão entre o ser (transcendente) e a poesia (filigranática), como uma manifestação de significados que estilhaçam o óbvio.

O primeiro impacto vem logo no primeiro verso, onde a autora utiliza versos iniciais que evocam um estado de despertar que não é completo, mas apenas uma abertura à percepção:

“Nem tanto... / Por enquanto, apenas abriu os olhos”.

 

Esse "abrir os olhos" vai além do ato físico. Na verdade, uma bela metáfora para a consciência em transição, no limiar entre o estado de tranquilidade e a plenitude do agir. Impossível não trazer para a mesma mesa, então, a filosofia de Martin Heidegger sobre o "estar no mundo", pois o "acordar" não implica apenas na presença biológica, mas na necessidade de um engajamento ativo com o ser e a poesia, tipo um "berço" metafísico para a existência. Heidegger disse: “O homem é o pastor do ser”, e aqui, com Carmen, a lide poética é quem embala esse ser.

 

A seguir, os versos “onde só o silêncio saberia / em que esse anjo pensaria” conduzem a um entendimento sobre o silêncio como “espaço primordial do pensamento e da criação”. Essa máxima foi muito bem explicada por Jean-Yves Leloup, (gosto muito dele, teólogo francês, escritor, tradutor de textos em língua grega), ao abordar o silêncio. E completa:

 

 “o silêncio não é o espaço onde as palavras se tornam fecundas”.

 

Este silêncio não é vazio, mas pleno de potencialidades, uma matriz onde o “anjo” (uma figura que simboliza inspiração ou transcendência) encontra abrigo para meditar sobre seus próprios temores. A relação entre o medo e o sagrado aqui é rica e intrincada; o que “temeria” esse anjo senão sua própria tarefa sublime? Por isso é importante citar Søren Aabye (Kierkegaard), filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês, (o conheci fazendo esta pesquisa e gostei muito), ao discutir e conceituar a angústia: “(...) a angústia é uma vertigem da liberdade”, e este anjo pode estar confrontando justamente essa liberdade — quem sabe, um chamado existencial?

 

Então, quando a poeta afirma: “Quem balança aquele berço / é ninguém menos que Poesia”, há, de imediato, uma identificação entre a própria essência da vida e a criação poética. Esse verso eleva a poesia ao patamar de criadora e sustentadora do ser. A Poesia, assim, é ao mesmo tempo mãe e guardiã, uma força que sustenta o “anjo” e o convoca à ação. Aí vem o velho Friedrich Schiller, em suas reflexões sobre poesia e estética, e diz: "a poesia é o trabalho mais elevado do espírito humano porque reconcilia o sensível e o racional".

 

Nos versos finais, “Não estás aqui pra me cuidar / e me livrar de todo mal, / Amém?”, acredito eu que o tom de súplica transcende o religioso. O “Amém” é ao mesmo tempo uma acessível e um desafio. Possível ser um reconhecimento de que a função do anjo não é paternalista, mas de coparticipação no mundo. A ideia do anjo é despida de seu caráter protetor convencional, sendo investida de uma nova missão: agir, tornar-se sujeito ativo na transformação. Fica explícito, aqui, a filosofia de Emmanuel Levinas ao conceber a responsabilidade pelo outro como um chamado ético, irrecusável. Assim, o “’to’ te esperando” é o reconhecimento de uma interdependência entre o eu, o outro e a poesia, como forças dinâmicas que convergem para a construção do sentido.

 

A emoção foi grande porque tive que cair nas páginas da internet para descobrir novos autores, como foi o caso feliz de Kierkegaard, Jean-Yves Leloup e Emmanuel Levinas. Por isso, gosto demais de resenhar. Para mim, aprendo e evoluo, graças às poesias maravilhosas dessas mulheres da nova geração lírica do Brasil.

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Fontes:

Heidegger, Martin. Ser e Tempo . Editora Vozes, 2012.

Leloup, Jean-Yves. O Silêncio: Caminho para a Realidade . Vozes, 2001.

 Kierkegaard, Søren. O Conceito de Angústia . Martins Fontes, 2010.

Schiller, Friedrich. Cartas Sobre a Educação Estética do Homem . Iluminuras, 1995.

 Levinas, Emmanuel. Totalidade e Infinito . Edições 70, 1997.

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VÍDEO-BÔNUS

Letra e música composta por Mhario Lincoln em homenagem a Carmen Regina Dias:

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Carmen Regina DiasHá 1 semana CascavelLeio, ouço... e o êxtase da alma é incontrolável... Gratidão, mestre Mhario Lincoln, por esta deferência, Poesia em mim vibra com suas palavras. E que tudo que não serve à alegria do espírito, que passe, de repente, e vá juntar-se às energias cristalinas do Universo e se tornem nutrição. Gratidão.
JAIMEHá 2 semanas BSB/DFParabéns Presidente pelo SHOW acima. Sua diversidade cultural é ímpar.
Yeda CarvalhalHá 2 semanas Cascavel PRImpressionante a beleza da poesia de minha conterrânea Carmem, daqui de Cascavel PR.
Lucas da GaitaHá 2 semanas Pelotas RGSMeu estilo de música, tche. Sou Lucas da Gaita e se quiser posso gravar sua música. É um presente para você. Gostei demais.
Marcia TollerHá 2 semanas Rio de Janeiro RJPerfeito. Você [e o cara multiaplicativos. E você tem 70 anos. É isso? Não acredito.
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