@Editoria de Arte e Cultura do Facetubes, com supervisão de Mhario Lincoln.
O mar, desde tempos imemoriais, exerce fascínio sobre poetas de diferentes línguas e culturas. Em cada época, ele adquire significados simbólicos que se sobrepõem e se renovam, transformando-se em cenários de aventura, palco de reflexões existenciais ou fonte de metáforas para a condição humana.
Essa influência se faz notar em autores clássicos como Homero, cuja “Odisseia” não narra apenas as viagens de Ulisses, mas associa o mar às provas e ao desejo de regresso, e atravessa séculos até chegar a nomes da língua portuguesa como Luís de Camões, Castro Alves, Raul Pompéia, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, estes, aqui destacados.
Camões, em “Os Lusíadas”, construiu uma epopeia em que o oceano é o espaço da conquista e da incerteza, refletindo o ímpeto expansionista de Portugal no século XVI.
Especialistas veem nesse retrato o apogeu de uma tradição marítima que já era usada na poesia trovadoresca. O professor e crítico literário Helder Macedo, em entrevista publicada no jornal português “Público - (05/03/2008)”, relatou que “o mar em Camões encarna, ao mesmo tempo, a conquista gloriosa e a tragédia causada, pois nele estão contidas as forças que desbravam o mundo e as que o afundam no esquecimento”. Esse duplo aspecto do oceano projeta-se em toda a poética lusíada, ao mesmo tempo canto heroico e lamento.
No século XIX, Castro Alves, conhecido como “o poeta dos escravos”, também encontrou na imensidão marítima um símbolo de utopia e liberdade. Seu célebre poema “O Navio Negreiro” denuncia as atrocidades do tráfico de escravos a bordo, mas transforma a vastidão do Atlântico em metáfora de esperança e luta.
De acordo com a estudiosa Eliane Vasconcellos, em artigo divulgado no portal de jornais da Universidade Federal da Bahia (Revista Contracampo, 2010), “a poética de Castro Alves está ancorada em imagens do mar como instrumento de contestação, pois a vastidão das águas contrasta com as correntes que aprisionam os negros”.
Ainda no Brasil do século XIX, Raul Pompéia produziu textos em prosa em que o mar atua como elemento de introspecção ou como força desestabilizadora. Seu romance “O Ateneu” é mais frequentemente lembrado pela atmosfera claustrofóbica do colégio, mas passagens em que o narrador reflete sobre a possibilidade de evasão evocar o mar como um horizonte de fuga possível.
Recentemente, o pesquisador Alcir Pécora, em palestra ministrada pela TV Unicamp (2019), revelou que “o mar surge no imaginário de Pompéia como fronteira ambígua: seja uma promessa de vida livre, seja uma extensão perigosa onde a alma também se perde”.
Já Vinicius de Moraes, embora notoriamente associado à bossa nova e aos temas urbanos, tinha no mar, uma espécie de confiança poética. Em vários de seus sonetos, o mar aparece como reflexo de paixões, contradições e saudade — sentimentos amplificados pela cadência musical de seus versos.
O ensaísta José Castello, em texto publicado no site do Instituto Moreira Salles (Blog IMS, 23/06/2012), escreveu que “Vinicius, ao mirar a orla carioca, fundia o real e o imaginário; o vaivém das ondas era como a pulsação de um coração ferido, compondo sua visão de amor e de melancolia”.
Carlos Drummond de Andrade também passou pela influência marinha. Em crônicas e poemas, ele retratou o litoral brasileiro, ora com a ironia tipicamente mineira, ora com o assombro de quem enxerga o infinito no horizonte.
Segundo a professora e crítica literária Walnice Nogueira Galvão, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” (13/10/2005), "Drummond se mudou do mar com distanciamento certo, como quem o contempla de fora. Ainda assim, encontrou ali um espelho para as incertezas, os medos e as alegrias coletivas de um país que se acostumou a ver na costa tanto a chegada do novo quanto a partida de um velho passado".
Os ecos da influência marítima remontam, por fim, à própria fundação da poesia ocidental com Homero, pois é na “Odisseia” que a condição humana se confunde com a imprevisibilidade das águas. Da Grécia Antiga ao Renascimento de Camões, e deste ao Brasil moderno de Vinicius ou Drummond, o mar permanece como entidade viva, metáfora de aventuras coletivas ou dramas íntimos.
Essa permanência — e o modo como cada poeta a reelabora — confirma que o oceano literário não se esgota: suas ondas continuam a se renovar, levando e trazendo símbolos que falam à humanidade através dos séculos.
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