ECÓTONO E ENCRAVE
Joema Carvalho
Subíamos de carro o terreno sinuoso onde víamos os presos em regime semiaberto. O presídio situava-se na área de uma instituição de ensino compondo um mosaico de elementos desconectados onde foices e garfos confundiam-se com mochilas, livros e diplomas.
Uma reserva ambiental ocupava o ponto mais alto da região, cujo topo abrigava vegetação baixa, no entorno de capões de florestas. Local histórico – Anita e Garibaldi ali subiam para ter a visão do todo, da baía ao Guaíba e ao continente.
A vegetação, afunilada em ecótonos e encraves, criava uma paisagem movimentada por si própria, como a nos ensinar a técnica de uma pintura: no contraste, a harmonia. A Flores da Atlântica encontrava-se com a Estacional, entremeadas por campo nativo, oriundo de um clima polar de um tempo pretérito do planeta. Tudo isso em função de camadas de deposição de solo e rocha, que nos traz à memória nossa origem geomorfo lógica. O grande mistério escrito por deus através de hieróglifos, em intervalos de tempo marcados por compassos. Síncopes refletindo a construção e a desconstrução, o aquecimento e o resfriamento. Uma composição que nos agrega à matéria, constituída por poucos íons, presentes em todas as nossas células no movimento das mitoses e das meioses.
Grande complexidade de elementos e fatores ambientais formam diversos ambientes, ecossistemas, nichos e interações ecológicas. Para muita gente, tudo é “mato”, assim como eu “mato”. Da mesma forma que se confundem essas duas palavras, igualam-se os biomas à grama crescida dos quintais das casas. Mata-se a biodiversidade como se mata o mato.
Os olhos d´água no meio das florestas alimentam os rios, que por sua vez abastecem as usinas, de onde surge a energia que nos move. Água de que desfrutamos e desperdiçamos. É dos solos e das rochas que vêm os minerais contidos no nosso HD externo, onde se acumulam nossa memória, conteúdos e relações: prata, paládio, platina, alumínio e cobre em um embala do pronto para compra e venda, jogado, após pouco tempo de uso, em aterros, em meio a tantos outros resíduos, aumentando 15 nossa degradação a cada dia. A falta de educação é a constante numa equação cuja variante é a paisagem. Mochilas, livros e diplomas e um presídio escorrem na geografia, afunilados, juntos, em uma zona terminal, que se finda em um mesmo platô cada vez mais baixo.
(Do livro da autora Crônicas de Uma Jornada Florestal, editado em 2024, pela Caravana Grupo Editorial)
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Engenheira florestal e escritora. Autora dos livros: Crônicas de Uma Jornada Florestal (2024) e Luas & Hormônios (2010,2020). Coautora do Livro Entre Botânicas Decoloniais: As frutas silvestres de H. D. Throreau e as frutas brasileiras (2022). Organizadora do eBook Tuíra ed. Amazon (2020,2022). Participou de coletâneas nacionais e internacionais e de projetos literários. Membro da Academia Poética Brasileira – APB, Academia Brasileira de Letras – ABL Paraná e do Grupo de Ecocrítica – GECO/UFPR.