Editoria do Facetubes
A minissérie “Adolescência” vem despertando fortes reações do público e de especialistas ao retratar, de forma densa e realista, a dinâmica de famílias que enfrentam a difícil tarefa de educar na era das telas e da hiperconexão. O enredo, centrado no jovem Jamie Miller, de 13 anos, choca ao mostrar a escalada de um comportamento violento que, à primeira vista, surpreende quem observa apenas a superfície, mas revela camadas profundas de solidão, falta de limites, uso indiscriminado da tecnologia e ausência de escuta em casa e na escola. Tudo isso reflete inquietações urgentes de nossa sociedade, em que as redes sociais podem atuar como refúgio perigoso para quem não encontra amparo emocional no mundo real.
Para a psicóloga britânica Emma Kenny, consultora de saúde mental e colunista do ITV (fonte: itv.com, 2021), essas produções como “Adolescência” tornam-se valiosas porque não apenas retratam dramas familiares, mas também despertam debates fundamentais sobre a educação emocional de crianças e jovens. Kenny considera que mostrar essa face mais sombria da vida, ajuda pais, responsáveis e educadores a refletirem sobre como a indisponibilidade emocional pode ter consequências graves.
Ela ressalta que a minissérie, ao evidenciar o papel crucial da comunicação não-verbal — como gestos, silêncios, portas que se fecham, publicações confusas nas redes sociais —, oferece um alerta para o risco de desconhecermos o que se passa no universo íntimo de nossos filhos e alunos. É, portanto, uma maneira de promover a empatia e a escuta ativa, enfatizando que problemas emocionais e psicológicos podem eclodir quando não há acolhimento adequado em casa ou na escola.
Por outro lado, a socióloga e crítica cultural Camille Paglia (fonte: entrevista ao RBC, 2022) adota uma postura mais cética em relação à forma como histórias trágicas são dramatizadas nas plataformas de streaming. Para ela, abordar temáticas tão complexas em um formato de minissérie pode acabar banalizando ou mesmo espetacularizando uma questão de saúde pública, que envolve desde a falta de apoio socioemocional até a responsabilidade dos adultos na mediação do uso das telas.
Segundo Paglia, a exposição excessiva de cenas de violência em obras de ficção pode, por vezes, alimentar um certo fascínio pelo ato brutal e provocar respostas emocionais fugazes, sem que, na prática, haja uma verdadeira transformação de comportamentos. Ela afirma que “Adolescência”, ao mesmo tempo em que serve de espelho para uma parte significativa da juventude, pode se tornar apenas mais um produto consumido rapidamente, sem tempo para a reflexão consistente que o tema exige.
Fato é que a minissérie toca em pontos sensíveis e discute a influência das redes sociais como extensões emocionais dos jovens, permitindo que postagens ou a falta delas se tornem indícios de isolamento e sofrimento. Isso é reforçado por diversas cenas em que os personagens deixam de lado o contato presencial para mergulhar em ambientes virtuais, muitas vezes hostis e repletos de discursos de ódio.
A ausência de uma escuta cuidadosa, tanto na família quanto na escola, surge como fator determinante para que Jamie encontre na brutalidade uma forma de expressar a dor contida. Ainda que a obra mostre uma família aparentemente estruturada, a falta de limites claros e de vínculos afetivos verdadeiramente próximos escancara a necessidade de se estabelecer uma autoridade amorosa e participativa, onde pais e responsáveis não terceirizem para a tecnologia a missão de suprir afeto e companhia.
A mesma crítica vale para o ambiente escolar, que muitas vezes se vê obrigado a lidar com questões emocionais que nascem em outro contexto, mas explodem nas salas de aula. Muitas vezes são iniciativas de instituições que promovem projetos de educação emocional e de apoio às famílias, revelando que a escola pode — e deve — ir além do conteúdo pedagógico. São exemplos de como o diálogo e a aproximação afetiva podem prevenir comportamentos extremos, gerando um espaço seguro para que adolescentes se sintam acolhidos e compreendidos. Por isso, a série também evidencia o papel-chave de profissionais de saúde mental, como a psicóloga retratada na trama, que oferece acolhimento e sensibilidade para decifrar o que fica oculto nas palavras não ditas.
“Adolescência” se converte, assim, em um aceno para a importância de uma escuta ativa, em que não só o que é falado importa, mas também a linguagem corporal, o olhar ou mesmo o fechamento de uma porta. A narrativa deixa claro que conversas profundas e honestas precisam acontecer desde cedo, para que crianças e jovens não se afoguem num mar de informações digitais sem estrutura emocional para processá-las.
Há um consenso, mesmo entre os que divergem sobre o potencial impacto da minissérie, de que o alerta foi disparado: é urgente olhar para a juventude com mais presença, atenção e empatia. Se, para Emma Kenny, a obra se revela um importante instrumento de conscientização, Camille Paglia lembra que a discussão não pode parar ao final dos episódios. Nesse sentido, a força de “Adolescência” reside em colocar luz sobre o abismo que existe entre pais e filhos na era digital, convidando cada um a refletir sobre a própria responsabilidade na construção de vínculos afetivos, no estabelecimento de limites e, sobretudo, no desenvolvimento de uma cultura de cuidado mútuo, que ampare nossas crianças e adolescentes além das telas.