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Curitiba-PR, 29.06.2025
Neste domingo ocorreu o Grande Prêmio de Formula 01, no circuito da Áustria. Um templo do automobilismo mundial, nessa categoria e onde o novo piloto brasileiro Gabriel Bortoleto chegou em 8o. lugar, (eleito piloto do dia, por fãs nesse GP), refazendo a vontade de torcer por corridas de carro, como o brasileiro fazia, quando da vitoriosa carreira de Ayrton Sena. Porém, cabe lembrar de que a Áustria, marcada pela elegância da música clássica e pelos salões intelectuais vienenses, produziu também uma das literaturas mais densas, inquietas e sofisticadas da Europa moderna. Entre os expoentes mais notáveis, quatro autores se destacam não apenas por seu talento estilístico, mas pela forma como suas obras se tornaram espelhos emocionais e filosóficos do século XX e início do XXI.
Stefan Zweig é talvez o mais universal dos autores austríacos, traduzido em dezenas de idiomas e cultuado em diversos continentes. Sua obra mais emblemática, “O Mundo de Ontem”, é um testamento de despedida não só de um tempo, mas de uma civilização inteira. Zweig reconstitui com sensibilidade extraordinária a Viena dourada, o cosmopolitismo humanista da Europa pré-guerra e o horror progressivo que culminou no nazismo. Escrito em exílio, pouco antes de seu suicídio no Brasil, o livro não é apenas uma autobiografia, mas um documento histórico de valor incalculável — ainda mais relevante em tempos de inquietações geopolíticas.
Elfriede Jelinek, por sua vez, rompe com a tradição de ternura nostálgica e mergulha no terreno da crítica social feroz. “A Pianista”, seu best-seller mais perturbador, é um tratado visceral sobre a repressão, a sexualidade feminina e a herança do autoritarismo. A protagonista, Erika Kohut, vive uma existência mutilada pela rigidez da mãe e por uma sociedade moralista. Jelinek, com uma escrita cortante e desconfortável, descortina as fraturas íntimas de um país que, segundo ela, nunca enfrentou de fato seus fantasmas históricos. A obra, adaptada com maestria para o cinema por Michael Haneke, permanece como uma das mais corajosas do cânone literário feminista europeu.
Peter Handke, agraciado com o Nobel de Literatura em 2019, é um autor que transforma a linguagem em arena de reflexão existencial. Em “O Medo do Goleiro Diante do Pênalti”, ele explora a dissolução da identidade e a alienação em uma sociedade cada vez mais fragmentada. O protagonista, um ex-goleiro que se vê à margem da vida e da razão, é um símbolo do indivíduo que perde as referências num mundo onde tudo parece absurdo. A escrita minimalista de Handke, aparentemente simples, esconde um sofisticado jogo filosófico — influenciado por Wittgenstein e pela tradição da fenomenologia austríaca.
Já Thomas Bernhard, o mais iconoclasta dos quatro, oferece com “Extinção” uma obra monumental que pode ser lida como um grito contra a hipocrisia burguesa, o nacionalismo decadente e a rigidez da herança cultural austríaca. Narrado como um fluxo de pensamento ininterrupto, o romance traz o protagonista que retorna à sua terra natal após a morte dos pais e decide rejeitar todo o passado, inclusive a herança que lhe é oferecida. Bernhard denuncia, com sarcasmo e intensidade, os pilares podres sobre os quais se sustenta a sociedade europeia do pós-guerra. Sua literatura é desconfortável e necessária — um espelho partido onde o leitor vê suas próprias contradições.
Desta forma, esses quatro autores austríacos representam, cada um à sua maneira, um esforço intransigente de confrontar o silêncio das instituições, os traumas do tempo e as fissuras da alma humana. São autores que transcendem suas fronteiras e continuam a dialogar, com vigor, com leitores do mundo inteiro. Ler Zweig, Jelinek, Handke e Bernhard é permitir-se entrar em um campo de batalha onde a linguagem é a última arma e a lucidez, a última esperança.
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Referências.
Stefan Zweig – "O Mundo de Ontem"
Fundação Stefan Zweig – Petrópolis, Brasil
https://fundacaostefanzweig.org
Penguin Random House – Edições internacionais
https://www.penguinrandomhouse.com
The Guardian – “Stefan Zweig’s warning from the past”
https://www.theguardian.com/books/2020/feb/08/stefan-zweig-the-world-of-yesterday
Elfriede Jelinek – "A Pianista"
Nobel Prize Organization – Nobel de Literatura 2004
https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2004/jelinek/facts/
Suhrkamp Verlag – Editora original das obras de Jelinek
https://www.suhrkamp.de
IMDb – Adaptação cinematográfica "The Piano Teacher" (2001)
https://www.imdb.com/title/tt0258273/
Peter Handke – "A Angústia do Goleiro Diante do Pênalti"
Nobel Prize Organization – Nobel de Literatura 2019
https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2019/handke/facts/
Rowohlt Verlag – Editora alemã das obras de Handke
https://www.rowohlt.de
The New York Times – “Peter Handke Wins the Nobel Prize in Literature”
https://www.nytimes.com/2019/10/10/books/nobel-literature-handke-tokarczuk.html
Thomas Bernhard – "Extinção"
Suhrkamp Verlag – Publicadora oficial das obras de Bernhard
https://www.suhrkamp.de/person/thomas-bernhard-p-5372
The Guardian – “The essential Thomas Bernhard”
https://www.theguardian.com/books/2013/feb/09/thomas-bernhard-books-review
Literary Hub – “Why Thomas Bernhard Still Terrifies and Inspires”
https://lithub.com/thomas-bernhard-still-terrifies-and-inspires/