
*Mhario Lincoln
A impulsividade romântica é uma característica que impressiona, quando integra uma história seja de amor ou ódio. Há muito, essa 'impulsividade' torna-se um tempero para fortificar o sabor de um romance, mesmo que tenha aspectos ficcionais. E fortifica, porque dá à narrativa um toque mágico que se aproxima muito de uma experiência social, vivida por alguém muito próximo de quem o compõe. Ou mesmo por quem o escreve.
Nestas quase 230 páginas de "Clandestino Amor", de Ahtange Ferreira, uma maranhense-mundial, acontece algo muito parecido. Li o livro. Depois reli, haja vista a intensidade da narrativa, incluindo essa "impulsividade romântica".

No enredo, algo simples: um grande empresário se apaixona por uma assessora e viúva de um político influente, assassinado, cuja apuração do crime não chegou a lugar nenhum e, por isso, teve o caso arquivado. A partir daí a pitada de um "thriller" emocionante, construído pelas rédeas de consciência lógica, sem exageros de imagens ou simbologia ratificada, usadas exageradamente em enredos desse gênero literário, ou em roteiros cinematográficos. Nessa parte, Ahtange, voa e deixa para trás a mesmice de romances similares.
Não procurei analisar a história em si, falar do sofrimento de Melissa ou dos desencontros e encontros dos personagens da história. Preferi me prender à construção técnico-ideológica, cujo rumo me leva a admirar ainda mais o trabalho incrível da autora.
Sob meu prisma, o importante no livro é a construção dos personagens, onde os protagonistas são pessoas comuns, vivendo como pessoas comuns, como se estivessem misturadas numa fila do caixa do supermercado.
Mas o grande diferencial está exatamente aí: essa imagem de pseudo igualdade, de aparente similitude, de repente, transforma-se “insigths” dispersos, onde a história ganha a flexibilidade do sistema tentacular de um imenso 'octopus", expandindo-se em várias direções distintas.
Outra coisa que me chamou a atenção foi o cenário impecável, fator primordial para dar sustentabilidade ao enredo. Quando Ahtange se refere (ao final) a imagem de uma linda manhã de outono e fala de renovação, de nova vida, há um simbolismo sensacional que resume quase toda a história e mais: quando ela cita em poucas linhas esse outono estratégico, me relembrou a escritora americana Lisa Kleypas e um de seus romances de sucesso intitulado "Era uma vez no outono".
Pois bem, a partir da cena final, vê-se a exuberância da cultura inestimável de Ahtange que prima indelevelmente por pintar com cores de sua sensibilidade uma grande tela com perfeição emocionante. Os personagens e subpersonagens engrandecem a história, cuja técnica, a coloca entre os grandes escritores maranhenses.
Ah! Um detalhe interessante. Bem no finalzinho (não é spoiler) uma borboleta vem e pousa no ombro da protagonista, uma espécie de alerta para algo que envolve “perdão”. Mas a imagem da borboleta vai mais longe. Isso porque a mensagem a mim passada nessa cena me leva a pensar, também, nas fases da lagarta, onde ela teve que confiar em si mesma e acreditar que, sozinha, poderia aguentar as mudanças impostas pela metamorfose. E isso acontece exatamente na apotesose da história com Melissa. Pelo menos, a mim me foi dado a entender essa sublinha, concebida no contexto.
Aliás, senti como se tivesse passado algumas horas ouvindo Ahtange me contar mais essa história, onde uma inundação lógica e necessária de ideias, passagens, sofrimentos, arrepios, atos sensuais e manejos de personagens, são necessários para mover e encaixar - “perfectam viam” - cada peça do quebra-cabeça no tabuleiro das emoções.
Saiba, cara amiga, estou muito feliz por ter passado esse tempo “ouvindo” você contar mais essa história. Assim me sucedeu: eu, sentado em uma cadeira de embalo, sob a vista do Lago São Bernardo, descortinando o cenário, deixando entrar parcos raios de sol. Você contando a história que virou romance, que virou ternura, que virou sucesso...
Mhario Lincoln
Presidente da Academia Poética Brasileira.
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