Uma Nova Forma de Ver o Natal
por Sharlene Serra, poeta, escritora, professora e membro da Academia Poética Brasileira
Todo natal é assim, mágico. Sinto o cheiro das emoções, a suavidade das intenções, o toque do amigo, a presença silenciosa de Deus, sempre amei o Natal, e nunca me revoltei nem com os natais tristes, pois aprendi que tudo tem um por quê. Natal, por si só, já nos remete a coisa boa. É comum ver famílias se abraçarem e se encontrarem apenas no Natal. Pior se não existisse o Natal, né? Todo ano prometo não criar expectativas, mas não tem jeito, é chegar o Natal e as expectativas chegam junto, só muda a forma. Tadinho do Papai Noel, tantos compromissos e eu ainda aqui com meus 25 anos, desejando que ele realize meu sonho. Ah! Será que ele se lembraria de uma jovem apaixonada por um príncipe virtual? Uma paixão ainda tão recente, mas confesso, sinto que é algo intenso. Dizem que se pensarmos com fé o desejo se realiza, então, vamos lá! Lunna fecha os olhos e diz: – Papai Noel, neste Natal, quero de presente viver este amor. Bem que o senhor poderia dar uma forcinha. De qualquer forma, saiba que este Natal já é diferente, estou apaixonada! E mesmo que o senhor não realize este tão sonhado encontro, apenas o fato de saber da existência dele, já me sinto muito feliz.
– Lunna?
– Oi, tio?
– O que está deixando a minha sobrinha com este sorriso tatuado nos lábios?
– Ah, tio, é o amor!
Lunna é minha sobrinha. Enxergava até os 11 anos. Quando uma troca de tiros mudou sua história. Era fim de tarde e ela havia ido à mercearia comprar alguns ingredientes para sobremesa do Natal; ao sair, percebeu uma aglomeração de pessoas, achava que era normal, devido ser véspera de Natal, mas no meio da multidão, gente correndo por todo lado,inclusive bandidos e polícia. Lunna percebeu que algo estava prestes a acontecer, tentou correr, mas foi atingida por uma bala que acertou a região temporal lateral direita, que ficou alojada em sua cabeça. Lunna caiu, e o sangue denunciava a gravidade.
A multidão cercou a menina. Grito e pânico, mais uma criança para a estatística de bala perdida. Ela ainda esta viva!!! Alguém falou. Lembro-me do desespero para salvar Lunna.
– Não toquem no corpo. Gritavam!!! Depois de certo tempo, a ambulância chega, ela foi levada às pressas para o hospital. Lunna resistia firme, queria viver. Lembro-me deste Natal, impossível esquecê-lo, ficamos no hospital, no meio a dor e sofrimento não apenas da pequena Lunna, mas de todos que estavam lá e que nem lembramos.
E a nossa menina estava lá, os médicos a encaminharam para a cirurgia e exatamente a meia-noite, retornaram para dizer o ocorrido: a bala atingiu e lesionou apenas o nervo óptico; para os médicos, um milagre. Entre choro, a minha irmã, mãe de Lunna, pergunta:
– O que isso quer dizer doutor?
E quem fala é um aluno que estava em seu período de estágio acompanhando seu professor, naquele momento foi iluminado pelo espírito de Natal. Olhou para minha irmã e disse:
– Significa que ela vai viver por muitos e muitos anos, e vai enxergar de forma diferente e ensinar a todos outra forma de ver.
Minha irmã deu um sorriso emocionante, abraçou-o como se agradecesse a resposta e disse:
– Obrigada doutor, melhor notícia do Natal! Feliz Natal para você e sua família.
E ele respondeu: – Feliz Natal! Não se preocupe, estarei com ela todo tempo. Vai dar tudo certo. Assim que ela acordar, chamo vocês.
Seria muito duro, naquele momento, ouvir a palavra que a nossa pequena Lunna estava cega. Não aguentaríamos, confesso. E como presente de Natal, aquele médico soube acalmar nosso coração. Cirurgia finalizada. Remoção da bala com sucesso. Depois do pós-operatório, Lunna acordou. Entramos no quarto.
– Mãe, liga a luz, tá escuro.
– Sim, está.
A voz trêmula da mãe denunciou a tristeza.
– Mãe, por que a senhora está triste? É Natal, e eu estou aqui.
– É filha. Você está aqui. Feliz Natal!
A verdade que Lunna tinha duas escolhas, viver triste pela perda ou se alegrar por estar viva, mediante a gravidade do ocorrido. Ela depois soube da cegueira, e preferiu seguir alegre. Uma menina linda e de uma força de vontade que encantava. Decidida, mesmo que a tristeza a visitasse de vez em quando, era ela quem dava força a todos. Fui interrompido por ela, que falou:
– Oi, tioooo?
– Oi, Lunna!!
– Hum, tá em silêncio, tio, o que estava pensando? Posso saber?
– Pode sim! Estava me lembrando um pouco de um dos nossos natais.
– Tio, todos foram inesquecíveis, cada um com sua emoção, né?
– Verdade...
– Não fique triste, esqueça! Estamos na véspera do Natal, e só temos que agradecer e comemorar.
– Lunna, a cada dia, eu aprendo muito com você.
A verdade é que quando se aproximava o dia, por mais que não quiséssemos lembrar, a lembrança vinha. Mas Lunna acabava com qualquer resíduo de tristeza...
– Tio, a verdade é que naquele Natal que eu perdi a minha visão, confesso que aprendi tanto, que tem hora que nem me lembro do que perdi, pois só lembro de tudo que eu conquistei.
– Verdade, minha princesa!
Lunna conseguiu ultrapassar as barreiras. E foi acumulando vitórias. No começo, muito difícil. Mas aprendeu o braille com uma rapidez impressionante para alguém que não nasceu cega; sem falar da mobilidade que, com o tempo, foi se sentindo mais segura com a bengala. Entrou na faculdade, formou-se, e hoje é uma brilhante advogada, não perde um dia de trabalho, e para estudar seus processos, prefere os áudios que os amigos gravam os conteúdos.
Meus pensamentos foram interrompidos com o celular de Lunna, tocando sem parar.
E o recurso de voz, anuncia: chamada de Ricardo.
Lunna ofegante e diz: – Tio, silenciooooo.
Lunna está apaixonada. Dava para ouvir o som do seu coração, de longe – falava o tio.
Deixei-a sozinha, toquei no seu braço, e disse: – Já estou saindo.
E ela colocou sua mão no celular, e respondeu: – Tá bom, tio.
Lunna se jogou no sofá, repleta de amorosidade.
– Meu amor, saudades, hoje na véspera de Natal, queria você aqui, como presente.
Ricardo, sorriu e disse: – Irei embrulhado.
Devido a correria de Ricardo, eles adiavam este encontro.
Como Lunna é advogada, Ricardo precisou dos serviços do escritório, e entrou em contato. Acabaram fazendo amizade, as conversas eram constantes e a necessidade um do outro também. Até que eles assumiram que estavam envolvidos, e iniciaram um namoro. Lunna nunca havia comentado sobre a cegueira. Ela não sabia se contava ou se deixava para o dia do encontro. Tinha receio.
E aquela tarde de véspera de Natal foi longa. Lunna e Ricardo fizeram juras de amor. O desejo se instalava pelo corpo. Ela sentia uma emoção infinita, vontade de beijá-lo, abraçá-lo, queria-o para sempre. Este seria seu melhor presente de Natal. Despediram-se, desejando Feliz Natal, uma lágrima da incerteza rolou pela face de Lunna. Prometeram se encontrar, em breve. Lunna lembrou-se do Natal que perdeu a visão, e pensou: – Aquele não foi tão dolorido... Este está me corroendo bem mais... Lunna seguiu o ritual do Natal, já sem esperança do presente embrulhado, e exatamente a meia-noite, a campainha da sua casa tocou.
– Lunna, abra a porta, filha! Deve ser tua tia. Ela levanta e segue em direção a porta, nem pergunta quem é, devido a movimentação da casa, entre crianças e parentes. Abre a porta. E ouve:
– Feliz Natal!!!
Lunna sente o cheiro de rosas nas mãos.
Ele pergunta: É aqui a casa da Lunna?
Ela reconhece a voz...
– Meu amor, você veio! E antes que ela falasse mais, Ricardo diz tudo, através de um beijo.
Lunna lembra da frase: as melhores coisas, fazemos com os olhos fechados...
Todos da casa assistiram a esta cena romântica, e após o beijo, uma salva de palmas com abraços de feliz Natal, se espalha pela casa.
A mãe vem correndo da cozinha, e ao olhar para Ricardo disse:
– Então é você quem deixa a minha filha sonhando acordada, que a faz flutuar pelos cantos?
– Sim! Ela é o amor da minha vida! – Disse Ricardo.
– Morei aqui há muito tempo, uns 14 anos atrás. E ainda como estudante fui estagiário em um hospital e assim que me formei, segui para São Paulo para fazer residência.
– Mãe! Ricardo é oftalmologista.
A mãe pensativa, olhou para ele:
– Oftalmologista? Nesta época que morou por aqui, você fez algum estágio no Hospital Geral?
– Sim! Fiz! Fiquei pouco tempo lá ainda como aluno.
Então era você o jovem médico que esteve ao lado da minha Lunna, quando ela perdeu a visão?
- Ricardo não te contei algo. Disse Lunna.
– Você perdeu a visão ao ser atingida por uma bala perdida? – Perguntou Ricardo.
– Sim! Foi assim que aconteceu!
– Minha filha, o seu amor, Dr. Ricardo, foi o médico que esteve todo o tempo com você, naquele Natal que você perdeu a visão, a mãe insistia assustada e feliz.
– Meu Deus! Como é a vida. Vejo um filme na minha mente. Lembro-me daquela menina, que lutava para viver e que chegou ao hospital desmaiada, com uma bala alojada na cabeça e após a cirurgia... Ele abraçou Lunna e completou: – Meu amor, que maravilha reencontrá-la agora.
– Não falei da minha deficiência, pois queria que você me conhecesse além dela. Passei minha vida seguindo o conselho de um médico que disse que eu iria aprender uma nova forma de ver o mundo. E eu aprendi. A cegueira me fez enxergar além. E fez com que eu encontrasse o amor da minha vida.
– Foi por você que hoje sou este médico, e escolhi esta área.
– E foi você quem me fez enxergar novas possibilidades. Disse Lunna.
– Aceita se casar comigo? – E Ricardo retira do bolso as alianças; e exatamente no Natal, eles selaram um amor que não aconteceu a primeira vista, mas que revelou-se através das infinitas visões.