Por Mhario Lincoln
Foto: O título desse livro vem de um poema até então inédito de Salgado Maranhão. O título e o poema não poderiam ser mais representativos dessa trajetótia, desde “Ebulição da Escravatura”, de 1978, até “Pedra de Cantaria”, de 2021. Livros representativos da trajetória premiada desse poeta nascido no Maranhão.. O livro, por sua vez, contém um pressuposto fundamental da lírica salgadiana: o da dimensão da corporeidade que assume a voz poética de sua obra.
Salgado Maranhão é um poeta que desafia as fronteiras entre o 'eu poético' e o 'eu ímpar', criando uma poesia que confronta a liberdade poética com um profundo silogismo, presente em cada verso. Sua obra é como uma proteção à força da dor, amargura, solidão e introspecção que residem em seu âmago. O mestre Maranhão revela um mistério intrigante que permeia as galerias de sua própria alma, como se um segredo ancestral florescesse nas alturas do Morro do Alecrim, lá pelas bandas de uma cidade de Caxias, manjedoura primeira, para ressurgir no cenário literário como um 'Rei Sebastião Encantado', liderando um séquito de milhares de admiradores de seu trabalho lírico e peremptório.
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Nas obras de Salgado Maranhão que li, encontrei uma voz poética que transcende a mera expressão pessoal, arando um território onde o sofrimento e a reflexão se transformam em arte. Seus versos são como lâminas afiadas cortando camadas de sua própria experiência, expondo verdades universais e humanas. Ele não teme explorar as profundezas mais obscuras da alma, e essa coragem se reflete em sua poesia visceral, como um "jack", difícil de ser capturado nas primeiras incursões orbitais.
No entanto, há uma dualidade intrigante em sua obra, pois, apesar da dor e da amargura que permeiam seus versos, o poeta Maranhão também revela um 'eu ímpar' diferente do 'eu poético'. Esse paradoxo torna sua poesia ainda mais fascinante, pois sugere que por trás da máscara do poeta atormentado existe um ser humano real, com suas próprias complexidades e mistérios, que ama e ensina a amar. Isso é o agregador na obra dele. Aliás, é incrível como, num passe de mágica, esse poeta maranhense consegue fazer do vulcão interno, a sua franqueza, inoculando potencial empírico aos poemas construídos com a pena de Salomão. Mesmo se, às vezes, esse processo seja debulhado por catarse emocional.
Isso me lembra, por exemplo, o inglês William Wordsworth, que fez parte do movimento romântico do século XIX. Wordsworth explorou profundamente as emoções humanas (e as próprias) em sua poesia. Por isso, em muitas de suas obras há reflexões sobre a redenção, através de uma elipse bem costurada, obrigando o leitor a zeugmar para descobrir a beleza maior da leitura. Assim como na poesia salgadiana.
Na verdade, ser poeta é algo que transcende. Não há muita lógica - aparentemente! Mas há - em pessoas como eu - uma imensa vontade de descobrir filigranas, aqueles pequenos detalhes delicados e intrincados que compõem a estrutura e o conteúdo de um poema e que, ao fim, acabam por escancarar a digitas do autor.
Destarte, quando leio a notícia de que o poeta Salgado Maranhão vai lançar mais uma obra, como esta, em foto anexa, meus olhos brilham. Com poetas assim eu aprendo, eu discuto, eu vivencio, eu discordo, eu desando e até mesmo acabo indo dormir com alguma coisa que precisa ser esclarecida, algo que precisa ser fechado alí, explicado acolá. Há em mim uma necessidade abissal de entender como se deu aquele momento exato em que a caneta ou o lápis desenhou o primeiro verso. Então, que "A Voz que vem dos Poros" essa coletânea saborosa de letras e anseios, ratifique a marca desse território buliçoso, como bem escreveu o grande e saudoso poeta maranhense Marconi Caldas in "Território":
"Pisa leve, (...)
Esta é a pátria da serenidade,
Meu território poético.
Não há dragões com chibatas de fogo
Só carícias de mãos brancas".
Pois é! Que "A Voz que vem dos Poros" seja uma reunião de poemas feitos com os pingos de uma chuva interior, que vira prata, larva ou chão. Bem-vindo meu poeta querido. Afoito pra ler!
Mhario Lincoln, Presidente da Academia Poética Brasileira
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