Mhario Lincoln
Quando conheci Esmeralda Costa a primeira impressão ligou-a diretamente ao "Cordel" e ao "Soneto". Mas, algo me levou a estudá-la de uma forma diferenciada. Ela parecia estar em um momento poético mais abrangente, experimentando novos caminhos líricos tão importantes quanto a Literatura de Cordel, dificílima de construir em sua forma original, fato que ela faz tão bem, buscando a alma orientadora do nosso amigo comum, o Pedro Sampaio, em seu estilo e suas ideias. Aliás, eles foram parceiros no primeiro grande trabalho da confreira Esmeralda.
O importante é que eu descobri algo novo ao ler, sentir e interpretar o poema "Carpe Diem", intrinsicamente inverso ao seu papel cordelista, intuindo em algo, possivelmente, de expressão evolutiva, isto é, ampliando os horizontes da construção poética pessoal, fato direcionador na aplicabilidade mais madura e consciente dos cordéis regionais que ela faz.
Assim, trazer o poeta latino Horácio para o contexto, é também fascinante, da mesma forma em que traz Luiz Gonzaga, ou mesmo Arievaldo Viana, patrono da Academia Cearense de Literatura de Cordel e tantos outros que fazem do Nordeste, um celeiro de produções internacionais, seivas brasileiras desse gênero de literatura.
Aliás, Horácio, em suas "Odes" (Livro I, Ode 11), escreveu: "Carpe diem, quam mínimo credula postero", que se traduz como "aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã". É bom relembrar: tecnicamente, Horácio, influenciado pelo epicurismo, propôs uma reflexão sobre a efemeridade da existência e a importância de desfrutar dos prazeres presentes. Desta forma, a busca pelo prazer moderado e pela ausência de sofrimento eram caminhos para a felicidade.
Todavia, no poema de Esmeralda Costa, o "Carpe Diem", essa máxima é reinterpretada de forma brilhante e ganha novos contornos, enfatizando valores como amor, paciência e espiritualidade. Muito além da visão de Horácio. Basta um pouco mais de atenção para embebedar-se com os versos da confreira APB-CE, através de conceitos filosóficos, sociológicos e poéticos, destacando, destarte, como a autora ressignifica o clássico "Carpe Diem", para um contexto contemporâneo, moderno, enigmático.
E vou mais longe convidando para sentar-se em minha mesa, Michel de Montaigne. Em seus "Ensaios", ele também refletiu sobre a condição humana e a necessidade de viver plenamente. "A vantagem do viver é não pensar na morte" ("Ensaios", Livro I). Montaigne enfatizava a importância de uma vida vívida com melhorias e consciência do presente, sem a angústia constante pelo futuro incerto.
Assim, Esmeralda Costa, nesse seu poema específico, (veja que beleza) desloca o foco do "Carpe Diem" da busca individual pelo prazer, para uma perspectiva altruísta e espiritual.
"Carpe Diem para amar mais / Carpe Diem para não ferir jamais". Aqui, a autora transforma o imperativo clássico em um apelo ético ao amor ao próximo e à não-violência. No trecho "Carpe Diem para ser mais humano / Carpe Diem para evitar o profano", ela sugere uma evolução moral e espiritual do indivíduo. A expressão "evitar o profano" indica um afastamento de atitudes negativas ou superficiais, promovendo uma conexão mais profunda com valores elevados, na verdade, refletindo a função da religião e da espiritualidade como instrumentos de coesão social e orientação ética.
Ao declarar “Carpe Diem, porque Deus é o Autor da criação”, a poeta incorpora uma dimensão teológica ao conceito. Diferentemente de Horácio, cuja abordagem era mais secular, Esmeralda Costa enraíza o "Carpe Diem" na fé e em um criador divino, atribuindo a Deus a motivação suprema para agir com firmeza e propósito. Isso se alinha com visões filosóficas que veem a vida como um dom divino a ser honrado através de ações virtuosas.
Estou realmente maravilhado com a virada de interpretações dada pela autora nascida Ceará e residindo em Campos Sales/CE. Vejam que extraordinário: o uso repetido da anáfora "Carpe Diem" no início de cada verso serve para enfatizar a urgência e a importância das ações propostas. Em um segundo momento, mais atento, eu notei a razão dessa estrutura, ou seja, para criar um ritmo cadenciado, a fim de reforçar a mensagem central do poema. Além disso, as rimas e a simplicidade da linguagem tornam o poema acessível, amplificando seu apelo emocional e moral.
Eu até poderia chamar esse trabalho dela de releitura, ressignificação. Todavia, é mais que isso. É transformador ver a ideia original de Horácio ser, nestas linhas, um chamado moderno, contemporâneo de ação positiva, com direcionamento espiritual.
É claro que enquanto Horácio e Montaigne enfatizam a necessidade de aproveitar o presente devido à incerteza do futuro, Esmeralda direciona essa urgência para a construção de um mundo melhor, fundamentado no amor, na alegria e na fé.
Nada mais justo do que chamá-la à mesma mesa e dizer: parabéns Esmeralda Costa. Só os bons conseguem ler, entender e ressignificar um marco histórico da filosofia histórica. Assim, cara confreira, "carpe diem", com fé, esperança e amor.
Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
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Carpe Diem
Carpe Diem para amar mais
Carpe Diem para não ferir jamais
Carpe Diem para fazer o bem
Carpe Diem porque você pode ir além.
Carpe Diem para espalhar alegria
Carpe Diem para que seja o melhor dia
Carpe Diem para ser o melhor aprendiz
Carpe Diem, porque você merece ser feliz.
Carpe Diem para fazer amizade
Carpe Diem para espalhar felicidade
Carpe Diem para espalhar emoção
Carpe Diem, porque o amor vem do coração.
Carpe Diem para ser mais humano
Carpe Diem para evitar o profano
Carpe Diem para elevar a melhor oração
Carpe Diem, porque Deus é o Autor da criação.
Carpe Diem para louvar as obras de Suas Santas Mãos
Carpe Diem para tratar bem os irmãos
Carpe Diem para superar a dor
Carpe Diem para espalhar paz e amor
(Esmeralda Costa)
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