MATÉRIA INÉDITA:
REDAÇÃO DO FACETUBES — Às vésperas das festividades de fim de ano, nossa reportagem, através de um sopro de nostalgia e fascínio decidiu celebrar a memória de homens e mulheres que viveram à beira do abismo — poetas, pensadores, artistas e líderes - que, entre dores e conquistas, iluminaram o curso da história.
Então a redação decidiu descobrir, hipoteticamente, quais presentes de Natal essas pessoas poderiam receber, numa ideia mais que original. Então, que presente de Natal seria capaz de atender aos anseios eternos de criaturas tão singulares? De Baudelaire a Clarice Lispector, de Cleópatra a Elvis Presley, esse costurado de personalidades convidando – em cada contexto pessoal, a refletir sobre as pulsões humanas: a fé, a dúvida, o amor e suas formas mais contraditórias.
Nesta matéria riquíssima em detalhes — fruto de uma apurada curadoria do editor sênior desta Plataforma, jornalista Mhario Lincoln — a equipe de redatores cruzou as fronteiras entre a filosofia, a psicologia e, por vezes, uma crítica literária deliciosamente insana.
Assim, quando foram estudadas as biografias de Florbela Espanca, Mata Hari, São Tomás de Aquino ou de Gabriel García Márquez, entre outras, por exemplo, houve um insight quase invisível que acabou por unir a glória, o tormento e a ânsia de perpetuidade.
Cada presente descrito nestas páginas não passa de um reflexo do mundo interior de gênios e governantes, celebridades e almas reclusas, provando que o Natal é, em sua essência, o mais universal dos rituais: o da retomada da esperança e do renascimento de ideias.
Que tal, juntos, nós da redação e você, leitor, refletirmos sobre esses presentes que esses ilustres nomes da história poderiam receber?
1. Charles Baudelaire
Poeta dos abismos da alma, Baudelaire cravou na literatura sua marca inquieta e sombria. Autor de “As Flores do Mal”, seu gênio par entre a beleza decadente e a transcendência da dor.
Presente: Um frasco de perfume que, ao ser aberto, exale o aroma das tardes outonais de Paris e do absinto etéreo, capaz de aquecer a melancolia. Mas, por quê? O perfume ressignifica a busca por prazeres fugazes, a beleza no macabro e as fragrâncias da criação artística que tanto embalava o poeta em suas divagações e que, por contraste, ameniza sua eterna sensação de náusea diante do mundo.
2. Florbela Espanca
Poetisa da paixão e da dor, Florbela Espanca sabia como ninguém veste a alma feminina com versos que transitam da exaltação do amor às profundezas da mágoa.
Um presente fictício para Florbela Espanca seria uma espécie de ‘espelho poético’. E por quê? Porque ao se contemplar, ela veria refletida não apenas a própria beleza frágil, mas todas as formas de amor que lhe foram negadas, transfiguradas em afeição rigorosa. Nesse espelho, estariam gravadas palavras que jamais se perderam e que, em sua verdade delicada, a envolveriam em amparo e esperança. Afinal, ali, a dor seria transformada em epifanias, e cada traço de sofrimento encontraria a cura naquilo que ela mais venerava: a arte de poetar e a intensidade de sentir.
3. São Tomás de Aquino
Teólogo e filósofo medieval, São Tomás de Aquino dedica-se ao esforço de conciliar fé e razão, elaborando uma das mais vastas e influentes sínteses teológicas.
Seu presente fictício poderia ser uma última edição de sua própria “Suma Teológica”, marginalmente anotada pelos grandes pensadores que o sucederam. E por quê? Ora, a centralidade de São Tomás na história do pensamento ocidental merece ser celebrada pelo diálogo contínuo. Nada seria mais grandioso para o Aquinate (pertencente ao Condado de Aquino), do que constatar, pelas anotações dos séculos, que sua busca de harmonia entre mente e espírito continua viva, iluminando a humanidade.
4. Manuel Maria Barbosa du Bocage
Espírito irreverente, Bocage uniu comicidade, sátira, mas também expressou dolorosa sensibilidade em seus sonetos confessionais.
Se presente de Natal poderia ser, por exemplo, um estojo de canetas e tinteiros de várias cores, cada cor representando um instante de sua vida tumultuada emocional. Mas, por quê? O simbolismo das cores refletiria as diversas nuances de sua personalidade, além do arrebatamento cômico, o sarcasmo ou o lirismo mais profundo. Assim, as canetas não apenas permitiriam que Bocage continuasse a escrever, mas também refletiriam a multiplicidade de humores que habitaram seu peito.
5. Augusto dos Anjos
Poeta que desafiava as convenções líricas com sua linguagem visceral e imagens corpóreas, Augusto dos Anjos escancarou o desconforto existencial. Com base nisso, qual seria o presente de Natal que mais se aproxima do contexto? Poderia ser uma ampulheta invertida, na qual a areia, ao descer, produz um som semelhante a batidas de coração. E por quê? Porque, para dos Anjos, a passagem do tempo e a obsessão com a finitude do corpo eram temas centrais. A ampulheta invertida, metáfora de reverter a fatalidade, encontra eco em seu anseio de eternizar a matéria — ainda que morta — por meio da poesia, enquanto o pulsar, refere-se à vida que, a despeito de tudo, insiste em existir.
6. Gonçalves Dias
Poeta romântico brasileiro, Gonçalves Dias é símbolo do nacionalismo e do indianismo, imortalizado pela “Canção do Exílio”. Com base nisso, nossa equipe decidiu dar de presente de Natal, uma semente da palmeira “onde canta o sabiá”, cultivada em solo estrangeiro, adubada com lágrimas de saudade do poeta. Bem singular essa ideia. Mas por quê? Ora, para aquele que eternizou a saudade da pátria em versos, a semente, crescendo longe do território natal, simbolizaria o renascimento eterno das raízes e o retorno ao “canto do sabiá” que marcou a alma romântica de Gonçalves Dias.
7. Clarice Lispector
Enigmática e introspectiva, Clarice Lispector sondou, em sua prosa, o cotidiano e a alma humana com rara delicadeza filosófica. Desta forma, o presente ideal para ela pode ser até mesmo a poesia do nosso editor Mhario Lincoln, escrita em um guardanapo de papel:
Ah! Clarice. Tem tempo...
*Mhario Lincoln
Clarice, toma aqui,
o teu presente de Natal:
uma caixa de silêncios,
feita de um material indefinível,
translúcido, onde você vai guardar
todas as respostas,
que só podem ser ouvidas
na quietude interior.
Mas não abra agora:
não se deixe ser Pandora.
E quando, por anseio, abri-la, Clarice,
encontrarás nuances do não-dito,
ecos que reverberam a existência e,
se desfazem num espaço indistinto,
entre as palavras e o silêncio.
E num amanhã bem distante,
o cotidiano se desdobrará
num olhar transformador,
como se cada segredo do mundo
estivesse relacionado ali,
pronto para ser desvelado
pela tua dolorida escrita.
Evoé, Clarice!
8. Cleópatra
Faraó do Egito, Cleópatra governou com força política e sedução estratégica, influenciando rumores da história de Roma e do Mediterrâneo. Difícil escolher um presente de Natal pra ela, que não, maiores porções de terra para incluí-la em seu reino. Mas, Mutatis Mutandi, poderia ser um diadema adornado com pedras da lua, que mudam de cor ao contato com diferentes emoções, porque a capacidade da rainha de encantar e ter ótimas relações articulares diplomáticas combinava com a sua própria frieza governamental e com o ardor de suas paixões. As pedras da lua, ao refletirem sua instabilidade emocional ou astúcia política, perpetuariam o fascínio que Cleópatra exerceu nos poderosos de sua época.
9. Mata Hari
Espiã, dançarina e figura icônica do exotismo, Mata Hari viveu entre o glamour e o perigo, emaranhada na espionagem da Primeira Guerra Mundial. E como encontrar um presente para ela, nessa situação? Poderia ser algo bem simples que não a tirasse de seu disfarce de espiã, como um véu bordado com inscrições secretas, que apenas sob certa luminosidade se tornaria legível. (Ideias de Ian Fleming, o criador de 007). Mas porquê? Ora, a dança e o mistério sempre acompanharam essa personagem. O véu seria a metáfora de seus segredos e do jogo de aparências a que se viu submetida, perpetuando seu legado de fascínio, ainda que envolto em ambiguidades e desencontros.
10. Charles Chaplin
Gênio do cinema mudo, Charles Chaplin criou o inesquecível Carlitos, figura trôpega e ternamente humana. Aparentemente seria um presente mais fácil. Mas não. Talvez, uma câmera vintage que, em vez de filmar, registraria as verdadeiras emoções do personagem Carlitos. Porque Chaplin, além de provocar risos, guardava em sua alma algumas injustiças bárbaras que lhe fizeram. Portanto, a câmera que capta emoções, não imagens, seria o símbolo perfeito de sua arte: a mímica universal da dor.
11. Nero
Imperador romano controverso, Nero é lembrado pelos relatos de tirania, vaidade e pelos rumores de ter ateado fogo a Roma. Poderia ser, então, uma caixa de fósforos moderna pra Nero? Brincadeiras à parte, o presente mais adequado seria mesmo uma pequena lira encantada, cuja melodia só poderia ser ouvida por aqueles que abrigam ódio e maldade nos corações. Na verdade, entre os tantos mitos e fatos sobre Nero, esse instrumento, embevecido de magia, deu a Nero uma mística de encontrar certa ‘paz’, diante das chamas ardentes da sua própria história — algo que suas inclinações tirânicas talvez nunca lhe tenham permitido experimentar na vida.
12. Iemanjá
Entidade das éguas, Iemanjá, na mitologia afro-brasileira, é mãe de todos, protetora e senhora das águas. Nossa equipe decidiu então dar uma concha perolada que, ao ser aberta, emitiria os cantos das marés e o sussurrar dos ventos do Norte. Por quê? Porque Iemanjá simboliza o amparo, a fecundidade e a renovação. A concha perolada, guardiã dos segredos dos oceanos, uniria o poder materno e a voz curada das águas, oferecendo refúgio às dores humanas que ela tanto se propõe a aliviar.
13. Maria Madalena
Figura bíblica ao mesmo tempo venerada e controversa, Maria Madalena representa tristeza, redenção e força transformadora. Seu presente poderia ser um frasco de bálsamo aromático, semelhante ao que ela teria usado nos pés de Jesus, mas agora consagrado às mulheres marginalizadas. Por quê? Porque em sua narrativa, Maria Madalena simboliza a capacidade de amar e se perdoar. O bálsamo aromático, que tantas vezes simbolizou devoção, se torna para ela, o remédio para cicatrizar feridas e ensinar outras pessoas a seguirem o mesmo caminho de redenção.
14. Indira Gandhi
Primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi carregou a responsabilidade de um grande país nos ombros, em meio a conflitos políticos e transformações sociais. Se maior presente de Natal poderia ser? Seria uma “bússola da democracia”, capaz de orientar cada cidadão pelos caminhos mais justos e participativos na condução de seu destino político. Essa bússola, ao invés de apontar para um norte magnético, apontaria para as múltiplas vozes que precisam ser ouvidas, mantendo vivos o diálogo e o respeito à diversidade cultural e religiosa. Nesse presente, Indira encontraria o sonho de que cada indiano tivesse a verdadeira liberdade de opinar, construir políticas públicas e, sobretudo, colher o fruto de uma nação mais inclusiva e unida.
15. Jaqueline Kennedy
Ícone de moda e diplomacia, Jacqueline Kennedy atravessou tragédias pessoais e foi alvo do olhar público incessante. Utopicamente, então, qual seria o melhor presente de Natal? Um diário revestido de seda branca, no qual somente a dona pudesse ler ou escrever, mantendo os segredos longe dos holofotes. Por quê? Porque Jacquie viu sua intimidação exposta em momentos dolorosos da história norte-americana. Um diário impenetrável daria a ela o acolhimento para expressar livremente seu retorno, emoções e angústias, sem a vigilância da multidão.
16. Gabriel García Márquez
Vencedor do Nobel de Literatura, García Márquez desenvolveu o realismo mágico e fez do vilarejo de Macondo o reflexo universal dos mitos latino-americanos. O presente: uma pena dourada que, em vez de tinta, espalhasse partículas de sonhos, recriando cenários fantásticos ao simples toque no papel. Por quê? Porque Gabo foi o poeta das narrativas que bailam entre o ordinário e o sobrenatural. A pena que materializa os sonhos permitiu ao escritor tecer, sem limites, os labirintos oníricos que cativaram gerações, conferindo-lhe uma “magia” literal, principalmente em seu “Cem Anos de Solidão”, uma das obras clássicas, comparáveis a Ulysses ou Shakespeare.
17. Elvis Presley
“Rei do Rock”, Elvis Presley eternizou sua voz em canções apaixonadas, cheias de ritmo, ousadia e carisma. Difícil pensar num grande presente ou não? Tendo em vista a densidade do pedido, só poderia ser uma estrela-guia de ressonâncias cósmicas, cintilando num firmamento pessoal onde cada nota de sua voz reverberasse em dimensões dentro de cada pessoa viva deste Planeta. Dentro dessa estrela, habitariam todos os anseios terrenos do artista, um espaço sagrado onde a solidão dos holofotes pudesse se dissolver em luz serena. A cada canto, a cada acorde, Elvis navegaria por constelações que repercutissem o poder transformador de sua arte, elevando seu legado a um diálogo eterno com o universo. Assim, em vez de apenas brilhar nos palcos, sua alma encontraria na música a porta para uma liberdade transcendente e infinita.
18. Carlos Drummond de Andrade
Poeta mineiro, Drummond expressou a alma brasileira em versos que transitaram do social ao íntimo, do amor ao questionamento existencial. A equipe não hesitou em presenteá-lo com uma pedra translúcida, repleta de veios multicoloridos, para lembrar que as pedras do caminho, quando vistas com atenção, revelam belezas inesperadas. Porque, “no meio do caminho tinha uma pedra”. Dar-lhe uma pedra que, de tão clara, permita enxergar o interior, seria uma forma de contemplar, ao mesmo tempo, a dificuldade e a possibilidade de descoberta diante de cada obstáculo literário ou existencial.
19. Maria Firmina dos Reis
Pioneira da literatura afro-brasileira, Maria Firmina dos Reis denunciou o horror da escravidão e rompeu barreiras ao ser a primeira mulher romancista do Brasil. É inevitável não escolher como presente de Natal, uma “Carta de Alforria Universal” , concebida não apenas como documento jurídico, mas como símbolo vivo de libertação mental e espiritual. Nela, cada palavra seria um sopro de dignidade para aqueles que ainda carregam correntes invisíveis — ideológicas, sociais ou raciais. Ao receber essa carta, Maria Firmina se tornaria a porta-voz de uma esperança universal, fazendo vibrar a certeza de que os grilhões da escravidão, seja física ou simbólica, podem ser rompidos. Assim, sua luta ecoaria por todos os cantos, lançando luz sobre as consciências e mantendo acesa a chama de uma liberdade que há de ser, algum dia, verdadeiramente plena para todos.
20. Ferreira Gullar
Poeta e ensaísta maranhense, Ferreira Gullar foi marcado pela contundência política e pela reinvenção constante de sua própria linguagem poética. O presente de Natal poderia ser um pequeno refúgio com peixes que mudam de cor conforme recitam silenciosamente os versos de “Poema Sujo”. Por quê? Porque a obra de Gullar reflete o atravessamento da realidade brasileira em sua poesia intensa e corpórea. O alívio, como espaço de fluxo vital, evoca sua cidade natal banhada pelo mar, ao passo que a mudança de cor dos peixes traduz a inquietação estética e a ousadia de sua escrita.
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Enfim, seriam esses alguns dos muitos significados pertinentes aos sentimentos pessoais de cada um dos citados, que envolveriam situações Místicas, Psíquicas e Filosóficas dos presentes de Natal? O caro leitor concorda? Se sim ou não, deixa seu comentário. Vale muito a pena lê-los.