*Mhario Lincoln
O primeiro impacto no livro de Maria José Lima foi o poema “Simplesmente, Maria” que dá nome a este belo trabalho. Lembram dos versos de Ana Carolina, em “Rotatória”? "(...) A vida inteira já não basta/Discuto comigo e sempre perco, não tem jeito(...)".
Pois bem! Em minha prosopopeia de tempo e espaço, chego inevitavelmente aos versos de Maria José: “(…) Ela é certeza / Mas já foi dúvida / Ela é calmaria / Mas já foi tempestade(…)”.
Essa é a temática desta obra que ora analiso: “(…) Aprendi a cantar no silêncio/ A me achar no caos / A ser forte na fraqueza/ A voar em vendavais. (…)”. Um existencial de águas claras num cântaro de lágrimas salgadas, como escreveu Oscar Wilde. Mas, aqui, com exuberância, no sentido de uma reafirmação lírica, pungente, criativa, inebriante: “(…) As mais belas canções/ Por mim entoadas/ Foram em momentos de dor (…)”.
Claro que são licenças poéticas, mesmo que embebidas em amarguras inquietas, próprias dos grandes aedos, desde a Grécia antiga. Maria José Lima segue um rastro deixado por saudade, inquietação, amor, às vezes, terna, traduzindo-se em apaixonante leitura: “Vou contar para o meu travesseiro/ Sobre meus sentimentos e anseios/ De viver este amor por inteiro.”
A autora também envereda pelo lado hermenêutico – tão usado pelos filósofos – observando cada movimento, cada sentimento pulsatório, cada grito interno: “(…) Pelas ruas da cidade/ Vejo a vida nua e crua/ Vejo a vida em preto e branco/ Sem frescura e sem moldura (...)”. Ou, ainda, “Hoje tem espetáculo?/ Não tem, não senhor/ As cortinas foram fechadas/ O palhaço triste ficou”.
Mas há uma triste realidade introjetada nas páginas do livro “Simplesmente Maria”. Há uma revolta interna, uma guerra silenciosa de canetas e papéis – e não de bombas nucleares. A guerra de tintas azuis, são mísseis de reflexão onde cada leitor deverá parar e refletir em cima de uma só questão humanitária:
o que estou eu fazendo por nós; não só por mim?
Licença para aplaudir:
Gritos de liberdade!
Ergam vossos olhos
Para a crueldade da escravidão
Em que os homens compravam e aniquilavam
A liberdade do seu irmão.
Câncer da humanidade
Mancha na história do nosso país
Sangue derramado
No solo mãe não gentil!
Gritos de liberdade
Nas matas entranhadas
Como bichos em fuga
Almas desfiguradas.
Olhos esbugalhados
Pelos açoites aterrorizados
Pelo seu algoz perseguidos
Pela morte condenados.
Terror em meio a beleza
Das terras brasileiras
Vidas dilaceradas
"Carne barata é a negra”.
Maria José Lima surpreende nesta obra pelo fato de desprender-se de escolas clássicas para flutuar apenas e somente em sua odisseia pessoal. Observando a roda do Mundo, a flor do vizinho, o barulho da chuva, o cheiro do livro novo: “Ler é um incrível itinerário / Sem ao menos sair do lugar/ Um momento extraordinário/ Para outros mundos/ E vidas esquadrinhar (…)”.
Isso, sem nunca esquecer o lírico florescente escondidinho lá dentro do lado direito de seu coração pueril, mas com pitadas especiais de mulher madura: “(…) Na imensidão do teu olhar/ Me perder nele almejo/ Me afogo como nas águas do mar/ No sabor do teu beijo./ No aconchego do teu abraço/ Me perco e me acho/ Na imensidão do teu espaço/ Deságuo como riacho.(…)”.
E assim, fui-me envolvendo com cada verso e com cada sentido dessa escrita às vezes gritante, outras efervescentes e ainda outras cálidas. Todavia, há na mais perfeita característica íntima desse “eu poético”, algo que vai muito além de versos simples, escritos pela linguagem do coração. Há segredos profundos que vieram à superfície mostrando somente a ponta do iceberg, sem o aprofundamento do subconsciente, onde tudo é guardado, sem por consequência ser visto a olho nu. Porém, a autora nos repassa momentos (inconscientes), onde deixa aflorar (para leitores atentos) um pouco de sua personalidade e consciência.
É para isso que a linguagem do coração – a poética – existe! Seja na música, no quadro, na prosa ou na essência da linguagem do verso. E é assim que Maria José Lima se propôs a construir esta obra para dirimir dúvidas existenciais, reconhecer erros e acessar valores, distribuir carinho escrito para quem convive, reviver momentos, reestruturar observações, liberar endorfinas e tornar-se ela mesma, sem nenhum anseio de atingir a fama de modo fácil: “A fama pode te dar aplausos/ Mas não a sinceridade/ Pode te dar uma noite de prazer/ Mas não um amor verdadeiro (...)”.
Essa é a Maria José Lima que eu conheço e passei a respeitar ainda mais, após conhecer esta obra, mesmo intitulada “Simplesmente, Maria”.
Sucesso!
Mhario Lincoln
Presidente da Academia Poética Brasileira