*Mhario Lincoln
Gosto muito de ler Maria José Lima. Especialmente quando ela escreve poesias maduras, igual uma catarse, com coragem e isotomia. É o que este poema, a mim me parece. E isso é explícito quando esta produção lírica reflete a tentativa de capturar a identidade em sua forma mais íntima.
A imagem de “um pedaço de mim arrancado” sugere que o eu poético está sempre fragmentado e em constante construção, nunca se apresentando por inteiro. Essa natureza inacabada do sujeito torna a poesia um grito silencioso e, paradoxalmente, um refúgio de tudo o que se esconde no mais profundo do ser.
Por isso, é inevitável não convidar para a mesma mesa, por exemplo, Jean-Paul Sartre, ou seja, a existência precede a essência, indicando que o ser humano se constrói por suas escolhas e vivências, sem uma forma definitiva.
Ainda faço um outro paralelo com Fernando Pessoa. Em sua obra, há uma variedade de fragmentações do eu. No “Livro do Desassossego” há passagens em que Pessoa descreve a alma como um conjunto de sensações e vozes diversas, nunca totalmente aprisionadas em uma só expressão.
Por isso, esse libelo poético (neste caso, a essencial defesa lírica) de Maria José Lima é uma representação emocionante, repito, de uma catarse corajosa e envolvente. Leia o poema completo abaixo:
ESBOÇO
Maria José Lima
A poesia é um pedaço de mim arrancado
Uma fração do que sou
É o que resta
Quando as palavras fogem
É um grito que nunca emiti
É reflexo da luz
De tudo o que guardo
No fundo do meu ser
É memória disforme
É sopro de vida
Que se perde no vento e no tempo
Não é inteira, nem pretende ser
É um esboço mal acabado de quem eu sou
Fragmento que me escapa
Mas nunca deixa de me pertencer.