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A morte é um dia que vale a pena viver. Essa frase, que à primeira vista soa como provocação filosófica, é na verdade a espinha dorsal de uma das obras mais impactantes da medicina paliativa contemporânea. Escrito pela médica e escritora Ana Claudia Quintana Arantes, o livro homônimo é um convite à coragem — não apenas para encarar a finitude, mas, sobretudo, para olhar com honestidade para a maneira como estamos vivendo. Longe de qualquer morbidez, a obra é uma ode à vida em sua essência mais pura.
Com linguagem acessível, sem recorrer ao academicismo ou ao sentimentalismo fácil, Ana Claudia narra experiências colhidas ao longo de sua trajetória com pacientes em fase terminal. São relatos comoventes que, antes de falarem sobre a morte, gritam sobre o valor do tempo, da escuta, do afeto e da dignidade. A autora quebra o tabu com delicadeza e firmeza, mostrando que a morte, quando acolhida com empatia, pode ser mais pacificadora do que o sofrimento de uma vida não vivida plenamente.
Nas entrelinhas, há uma crítica ao modo como a sociedade ocidental — e, em especial, o sistema de saúde — trata a morte como fracasso e os moribundos como invisíveis. A autora faz do leito terminal um território de aprendizado, onde os últimos suspiros revelam verdades que muitos evitam a vida inteira. “Zumbis existenciais”, como ela define, são aqueles que vivem no piloto automático, respirando, mas sem se permitir sentir. O livro então se transforma em um espelho: quem o lê dificilmente escapa da pergunta central — estou, de fato, vivendo?
Inspirada também nos cinco principais arrependimentos dos que estão morrendo, identificados pela enfermeira australiana Bronnie Ware, Ana Claudia reconstrói a urgência de viver com autenticidade, de dizer o que sentimos, de amar com liberdade, de estar presente com o outro — e consigo. Sem frases de efeito, mas com humanidade e clareza, ela afirma que não é a morte o que nos apavora, e sim o arrependimento de não termos vivido como gostaríamos.
A autora também toca num ponto crucial: os cuidados paliativos. Longe de significarem desistência, são um gesto radical de respeito à vida que resta. A medicina paliativa, segundo Ana Claudia, não é sobre curar, mas sobre cuidar. É sobre estar ao lado, ouvir, aliviar a dor — física e emocional — e garantir que o paciente continue sendo sujeito da própria história, até o fim.
O livro é mais do que literatura médica ou autobiografia profissional: é uma intervenção social e emocional sobre a forma como enxergamos a passagem do tempo. E talvez sua maior lição seja esta: viver bem não é fugir da morte, mas fazer da vida um ato contínuo de presença e significado. Porque, como nos lembra a autora, se vivermos com plenitude, a morte não será o inimigo. Será apenas o desfecho inevitável de uma história bem contada.
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