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A dura realidade dos “Pasquins”, que faz uma arte de provocar risos, mas, às vezes, é cruel e sangrenta

Do folheto anônimo ao meme viral, a sátira que moldou impérios continua afiada, lembrando que uma frase pode tanto derrubar governos quanto eternizar reputações.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln
30/04/2025 às 12h14 Atualizada em 30/04/2025 às 13h34
A dura realidade dos “Pasquins”, que faz uma arte de provocar risos, mas, às vezes, é cruel e sangrenta
Arte: mhl

Homenagem ao grande amigo Sebastião Barros Jorge, autor de "A Linguagem dos Pasquins" nasceu em 1939 na cidade maranhense de São Bento. Pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), licenciou-se em Geografia (1970), fez pós-graduação latu senso em Teoria e Técnica de Comunicação (1977) e bacharelou-se em Ciências Jurídicas (1979). É professor emérito da UFMA.

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Por Mhario Lincoln, editor sênior da Plataforma Nacional do Facetubes

Quando, nas tardes de quarta-feira, eu garimpava exemplares de pasquins na Biblioteca Pública do Maranhão, enxergava apenas o lado irreverente dessa publicação. Mas, tempos depois, a leitura de A Linguagem dos Pasquins, de meu amigo Sebastião Jorge, virou a chave: por trás do sarcasmo, havia pólvora também. Bastou um folheto anônimo cair do balcão do Teatro Artur Azevedo, em 1870, para que o nosso dramaturgo fosse expurgado do serviço público e fugisse para o Rio. No Maranhão oitocentista, versos ferinos podiam custar empregos — ou até mesmo vidas.

 

Sebastião Jorge demonstra que a praga satírica brotava sempre que o jogo político apertava. Liberais e conservadores maranhenses empunhavam rimas e charadas como 'gritos de protesto': basta ler Guajajara, Cacete, Figa, Vulcão. Nenhum alvo escapava — do governador às viúvas respeitáveis. Quer um exemplo doído? Cândido Mendes foi triturado em praça pública; Vicente “Papagaio” Lavor morreu acusado de publicar folhetos incendiários; e Francisco Cascais perdeu o cargo por quadrinhas: “Costa Barros foi ladrão…”. A lama voava de mão em mão, enquanto tipografias sofriam empastelamentos e eleições se resolviam “debaixo de cacete”.

 

E não era só em terras maranhenses que o "pau cantava" (usando a gíria dessa época). Fora do nosso circuito, dois pasquins monopolizaram a cena nacional no século XIX. No Rio, Semana Ilustrada (1860-1876) — a primeira publicação humorística a ter vida regular no Brasil. O outro, Observatório da Imprensa — que misturava caricaturas, pseudônimos mordazes e um elenco que foi de Machado de Assis ao português Bordalo Pinheiro. Já em São Paulo, O Diabo Coxo (1864-1865) — criado por Angelo Agostini e Luís Gama — virou símbolo de sátira ilustrada. Esse semanário marcou a introdução sistemática da caricatura política na província paulista. Ambos funcionavam como válvulas de escape em cidades onde a censura oficial erra ferrenha.

 

Vale lembrar que os pasquins parecem muito com operações moderníssimas que proliferam nas Redes Sociais. Até arrisco dizer que eram os "pasquins", os precursores do atual momento em que passamos (2025). Ou seja, circulação rápida, anonimato e munição moral, intransigente e cruel (muitas das vezes). Concorda?

 

Acho eu (opinião pessoal e intransferível) que mudaram as plataformas, mas não a voltagem — difamação sempre encontra frestas tecnológicas para florescer. O vulcão, diria Sebastião Jorge, permanece latente.

 

MHL

Hoje, o gênero sobrevive mais como objeto de pesquisa do que arma eleitoral. E era o meu maior passatempo às quartas, à tardinha, quando saia da repartição, rumo à Biblioteca Pública do Maranhão. Contudo, cada acesso atual a publicações digitais pode também revelar esse "eco das velhas trincheiras", como os versos de "Carapuças" que ainda soam perigosos; as charges do Diabo Coxo permanecem atuais na crítica aos poderosos. Relê-los é entender que o humor, quando "atravessa a linha do deboche para o linchamento, ganha cheiro de pólvora". Aliás meu inesquecível amigo, desembargador Aluízio Ribeiro da Silva, ao reproduzir essa frase, sempre puxava minha orelha quando lia para ele a minha coluna diária antes de mandar para publicação no Jornal Pequeno, em São Luís-Ma. E isso se dava em imensos telefonemas.

 

Mas, bom recordar, também, que a liberdade de imprensa cobra seu preço — às vezes pago em sangue, às vezes em exílio — mas, sem ela, não haveria memória dos excessos, nem vacina contra novas tiranias.

 

Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.

 

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Judith Bittencourt Há 2 semanas WhatsApp slzSim, lembro do Pasquim, da década de 60, com Ziraldo, Henfil, Millor , Antônio Calado e amigos, que nos faziam refletir sobre esse período com humor.
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