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Coluna do Cordel Brasileiro: “A verdadeira identidade da Literatura de Cordel”

Por ESMERALDA COSTA ilustre membro da Academia Poética Brasileira e uma das mais respeitadas cordelistas e escritoras sobre o tema, dentro da literatura brasileira.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: ESMERALDA COSTA
10/05/2025 às 18h32 Atualizada em 10/05/2025 às 19h04
Coluna do Cordel Brasileiro: “A verdadeira identidade da Literatura de Cordel”
Esmeralda Costa e as obras clássicas do Cordel Brasileiro. (Foto original do Texto).

Esmeralda Costa

 

Antes de tudo, vale ver e ouvir uma grande história sobre o Cordel Brasileiro: "Literatura de Cordel. Vídeo original do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN)"

"CORDEL É UMA PRÁTICA CULTURAL, NÃO SÓ FOLHETOS ESCRITOS..."

 

Esmeralda Costa: agora vamos a nossa história.

A Literatura de Cordel é uma das expressões mais ricas da cultura popular brasileira. Nascida do povo e para o povo, ela encanta gerações através da força das palavras rimadas, da cadência da métrica e da simplicidade da oração bem construída. Essas três características: métrica, rima e oração,  não são meros detalhes técnicos; são a alma do cordel, a base que sustenta sua beleza e singularidade.


Em outros tempos, é verdade, o cordel surgia de maneira mais espontânea, sem uma estrutura constituída. Era a voz do povo, registrando histórias, causos, sonhos e lutas de forma poética. Porém, com o passar do tempo, os próprios cordelistas, em seu esforço de aperfeiçoamento artístico, foram moldando e fortalecendo essa arte, estabelecendo os três pilares que até hoje diferenciam o cordel dos poemas livres e dos versos brancos.


Retirar a métrica, a rima e a oração de um cordel é descaracterizá-lo completamente. Sem essas marcas, o texto deixa de ser cordel e passa a ser poema ou causo livre, algo que já tem seu espaço na literatura, mas que não se confunde com o cordel. Respeitar a estrutura do cordel, não é prender a liberdade criativa; é reconhecer e valorizar a identidade construída com tanto esforço por gerações de artistas populares.


Pode-se até argumentar que a liberdade de criação é necessária, e de fato é. Mas "liberdade", no cordel, não significa romper com sua essência. Significa ampliar temas, ousar na abordagem deles, explorar novas mídias: vídeos, podcasts, cordel em quadrinhos e etc. Significa inovar nos formatos de apresentação, mas sempre mantendo a métrica, a rima e a oração, que são a alma dessa arte. Romper essas bases, alegando liberdade, não seria criatividade, mas sim libertinagem literária, o que levaria à descaracterização do cordel, transformando-o em algo indistinto dos causos e dos poemas livres.


No passado, cordelistas como Leandro Gomes de Barros,  João Martins de Athayde, Silvino Paraná e outros mestres não contavam com os recursos que temos hoje para a ampliação do conhecimento e aprofundamento sobre o cordel, não haviam tantas oportunidades de estudo, o mundo globalizado, e o aparecimento das mídias e das tecnologias de informação e comunicação, aproximam as pessoas, através de grupos de estudo e debate da literatura de cordel.

Surgiram as Academias, os encontros regulares para troca de experiências. Mesmo sem tantos recursos como os que temos hoje, eles lançaram as sementes dessa tradição. E, depois deles, vieram muitos outros  nomes, Arievaldo Viana, Carlisson Galdino, Antonio Barreto, Massilon Silva,  Pedro Ernesto Filho,  Marco Haurélio, Zeca Pereira, João Rodrigues, Luiz Gonzaga Maia, Nezite Alencar, Josenir Lacerda, Rosário Lustosa e muitos outros, que continuaram e continuam aprimorando a Literatura de Cordel sem jamais romper com sua essência.


Hoje, vemos a evolução dessa arte também no cuidado gráfico: muitos cordelistas buscam rimas que sejam perceptíveis tanto no som quanto na escrita, pois sabem que o cordel é lido e ouvido com a mesma intensidade. Isso é evolução: é inovar sem destruir. Mas é preciso reforçar que a rima é um recurso sonoro.


Aceitar qualquer produção sem métrica, rima e oração como cordel seria abrir mão de todo esse esforço coletivo, seria permitir um retrocesso e diluir a identidade dessa arte popular tão preciosa. 

 

Falar da imprescindível importância dessa tríade estrutural, não significa de forma alguma negar a grandeza de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Minelvino Francisco Silva, Patativa do Assaré (poeta da roça, assim chamado por trazer em seus versos a linguagem simples do homem do campo, do povo humilde) e tantos outros nomes que marcaram de forma peculiar a nossa literatura e cultura popular. Eles são e sempre serão gigantes da nossa poesia popular. Mas é preciso reconhecer que, depois deles, a Literatura de Cordel passou por um processo de aprimoramento que não pode ser ignorado. Evoluir não é abandonar os alicerces, é construir sobre eles.


Assim, não se pode romper o que cordelistas e instituições dedicadas à promoção do cordel, construíram ao longo da história do cordel no Brasil. Ao invés de alguns poetas continuarem insistindo em querer romper a estrutura do cordel para adaptá-la a sua falta de conhecimento sobre métrica e rima, poderiam dedicar-se a estudar para desenvolver essas habilidades, métrica, rima e oração, pois elas constituem a espinha dorsal da Literatura de Cordel. É preciso ver essa estrutura não como uma prisão, ou um empecilho, mas como a arquitetura que distingue o cordel na imensa paisagem da literatura popular.


Existem muitos gêneros que fazem parte dela: contos, lendas, mitos, parlendas, canções, cordéis, etc. Cada um tem suas características e estruturas, tudo que não possui  uma estrutura é chamado de livre e até onde sabemos, não existe cordel livre, se não obedece os três pilares básicos desta literatura, não pode ser chamado cordel.

 

"Cordel Supermhario", de esmeralda Costa.

Quem são os cordelistas?

Cordelistas são os poetas que escrevem respeitando as características básicas da literatura de cordel, rima, métrica e oração. Portanto, nem todo poeta é cordelista, mas todo cordelista é poeta.
Se faltar essas três características deixa de ser cordel e passa a ser um causo ou poema livre.

 

Nem Sempre o Folheto é Cordel

Cordel não é o folheto em si, cordel é o gênero poético que contém rima, métrica e oração, é um gênero textual que como os demais tem uma estrutura própria e se não seguir essa estrutura fica descaracterizado. Todo cordel pode ser impresso em folheto, mas nem todo folheto impresso pode ser chamado de cordel.


Publicar um livreto não é suficiente para que um texto seja considerado cordel: é preciso respeitar os critérios que fazem do cordel uma literatura única. Infelizmente, hoje encontramos muitos textos livres, sendo publicados em livretos, como se fossem cordel, mas o pior é quando o autor além de publicar um texto sem essa estrutura, ainda chama de cordel, o que acaba distorcendo o conceito, desvalorizando a tradição e confundindo a cabeça de muitas pessoas que acabam achando que todo livreto é cordel. 

 

Estrutura Básica da Literatura de Cordel

Métrica:

A métrica é a medida dos versos, ou seja, o número de sílabas poéticas em cada linha do poema. Na literatura de cordel, a forma mais tradicional é a redondilha maior, com sete sílabas poéticas por verso, mas também existem as estrofes com versos de dez  sílabas (decassílabos), esses porém, requerem tonicidade na terceira, sexta e décima sílabas de cada verso. Então,  a forma mais usada pelos cordelista  é o verso de sete sílabas,  onde a tônica é a sétima sílaba e depois dela só podem aparecer sílabas átonas, que não entram na contagem. A métrica confere musicalidade e ritmo ao cordel, facilitando sua recitação e memorização.

Rima:

A rima é a repetição sonora no final dos versos. No cordel, ela segue esquemas bem definidos, como XAXAXA onde X tem valor variável e representa os versos ímpares de uma sextilha, os quais não precisam rimar. Já A, são os versos pares da estrofe de seis versos que exigem rima obrigatória. Para facilitar essa compreensão, pode também ser definida da seguinte forma essa sequência: ABCBDB. Dessa forma fica compreensível que nas sextilhas a rima se faz necessária apenas nos versos pares.  Na setilha, estrofe de sete versos, a sequência de rimas é: XAXABBA ou ABCBDDB. Dessa forma, compreende-se claramente que há rimas nos versos onde as letras são repetidas. É importante reforçar que o valor de  X é variável e dessa forma, nas representações XAXAXA e XAXABBA, ele representa os versos que variam, ou seja, não precisam rimar.


Além da sextilha e setilha, outro formato também usado é a composição em décima, com várias sequências de rimas que podem ser pesquisadas e encontradas em obras, sendo, ABBAACCDDC (chamada espinela ou espanhola),  a mais utilizada. 
A rima, além de embelezar o texto, ajuda a manter o fluxo cadenciado da leitura ou declamação e é um dos elementos que encantam o público.

Oração:

A oração, nesse contexto, refere-se à construção gramatical do verso. Cada linha deve ser uma frase ou parte de uma frase com sentido completo ou coerente, obedecendo à norma da linguagem e facilitando a clareza da mensagem. A boa oração garante que o conteúdo seja compreensível, mesmo dentro das exigências da métrica e da rima.
Esses três elementos formam o tripé que sustenta a identidade da Literatura de Cordel. 

 

Essa estrutura é o diferencial que mantém viva a tradição do cordel, fortalecendo suas raízes e iluminando seu caminho para o futuro.

Algumas obras que podem ajudar você a conhecer melhor o cordel:

Literatura de Cordel - Do sertão à sala de aula (Marco Haurélio) Paulus Editora.

ABC do Cordel  - Além da Rima, Métrica e Oração (Zeca Pereira), Nordestina Editora.

Acorda Cordel na Sala de Aula -  A literatura popular como ferramenta auxiliar na educação (Arievaldo Viana)

Como Fazer um Cordel - cordel clássico informativo (Cárlisson Galdino)

Fazendo um cordel em sextilhas Cárlisson Galdino)

 

Algumas obras voltadas para a cantoria, o repente, e a poesia popular que também podem ajudar na compreensão e construção do cordel:

Cidadania do Repente -  (Pedro Ernesto Filho) Programa Cultura da gente - Centro Cultural Banco do Nordeste.

Por dentro da cantoria - (Pedro Ernesto Filho) - Programa Cultura da gente - Centro Cultural Banco do Nordeste

 

VÍDEO BÔNUS

Aproveito para prestar uma homenagem ao jornalista er poeta Mhario Lincoln, ainda pela sua data natalícia em 27.03. A ele, meus respeitos e minhas palmas por este trabalho de fôlego pela cultura brasileira.

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Raimundo Fontenele Há 1 dia Barra do Cordão MAExcelente resgate da nossa cultura popular, refixando normas e regras do verdadeiro cordel do qual foi um dos grandes mestres o poeta Zé Limeira.
ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA Há 1 dia São LuísConsidero literatura de cordel, como umas das mais autênticas da literatura brasileira. Como é prazeroso olhar um cordelista recitar. Como é prazeroso os repentistas e suas violas afinadas declamando trovas e versos em diferentes estilos.
Prof. Edomir Martins de OliveiraHá 1 dia Vice-presidente Executivo Nacional da APBEm nome da Academia Poética Brasileira e em nome do nosso querido presidente Mhario Lincoln Santos, venho, por esta, agradecer essa expressiva homenagem da confreira ESMERALDA COSTA que teve a grande gentileza de escrever o cordel "SUPERMHARIO", numa rápida efervecência sobre a vida e obra deste homem querido por todos nós e dono de uma criatividade sem igual. Parabéns, confreira. Todos nós estamos gentis e agradecidos com a homenagem aos 71 anos de nosso mentor.
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