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TRANSTORNOS MENTAIS E SAÚDE MENTAL: desafios e perspectivas atuais

A editoria do Facetubes recebe com muita honra a dra. Selma Marques para integrar esta Plataforma, tratando de assuntos pertinentes à saúde mental. Seja muito bem-vinda. Ela é Docente Nível Superior Aposentada. Doutora em Políticas Públicas (UFMA). Mestra em Saúde e Ambiente (UFMA). Especialista em Avaliação de Programas, Projetos e Ações de Políticas Públicas (UFMA).

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Selma Maria Muniz Marques
29/05/2025 às 17h02 Atualizada em 30/05/2025 às 18h24
TRANSTORNOS MENTAIS E SAÚDE MENTAL: desafios e perspectivas atuais
Dra. Selma Maria Muniz Marques.

 

OPINIÃO DO EDITOR-SÊNIOR: O texto apresenta uma profunda reflexão sobre os transtornos mentais e o histórico de preconceitos e estigmas que os acompanham ao longo dos séculos. A autora traça uma linha crítica e sensível entre o conceito tradicional de saúde mental — idealizado como o pleno funcionamento cognitivo — e a exclusão sofrida por aqueles com transtornos mentais, vistos como “persona non grata” em muitos contextos sociais, culturais e médicos. O texto denuncia não apenas a marginalização histórica, mas também os efeitos destrutivos do preconceito, que muitas vezes ferem mais que os próprios sintomas dos transtornos. A crítica à invisibilidade dessas pessoas em ambientes terapêuticos e sociais é contundente e necessária.

A Plataforma Nacional do Facetubes tem a honra de acolher uma autora que, com coragem e lucidez, coloca em pauta um tema urgente: o direito à dignidade, ao acolhimento e à cidadania plena das pessoas com transtornos mentais. Sua abordagem atualizada, humana e interdisciplinar mostra que, apesar da lentidão das mudanças, já existe um caminho possível — com tratamentos integrados, escuta empática e o combate ativo à exclusão. Parabéns por trazer à luz essa "alquimia de consciência" tão vital para quebrar muros e construir pontes no campo da saúde mental. Seja, portando, dra. Selma Marques, muito bem-vinda. (Jornalista profissional Mhario Lincoln/MTB10-15/MA. Sindicalizado).

 

Selma Maria Muniz Marques[i]

Pensar, escrever e falar sobre os transtornos mentais, no âmbito da saúde mental, sempre despertou polêmica e contradições por se tratar de temáticas perpassadas por preconceitos, estigmas e muitas barreiras sociais, biomédicas e culturais, que atravessaram séculos de caminhada da humanidade. Os transtornos mentais (depressão, bipolaridade, esquizofrenia, outras psicoses, demência, deficiência intelectual, e transtornos de desenvolvimento[1], inadequados funcionamentos cerebrais, foram categorizados como antítese da saúde mental. A sua negação. A sua ausência. Por essa razão, o lado “persona não grata”. Grande parte das pessoas querem pensar, sentir e agir no campo da saúde mental rejeitando, deturpando ou negligenciando, o debate em torno dos transtornos mentais. A OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) mostra que são múltiplas as formas de manifestação dos transtornos mentais que são caracterizados por uma combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamentos. Então, podemos afirmar que transtornos mentais representam a ausência da saúde mental?

Por essa abordagem histórica, as pessoas com transtornos mentais sofreram e, ainda sofrem, de preconceitos e estigmas, e seu sofrimento psíquico ficaram vistos como oponentes da saúde mental, por isso, sinônimos de fracasso e incapacidade, chegando, inclusive, a ser expropriados de sua cidadania.  Ocorrendo algo pior, a construção de um entendimento de que o universo da saúde mental era inacessível a eles. Isto porque a saúde mental tem sua construção teórica e cultural, que caminha em direções opostas. A saúde mental é articulada mentalmente como o bom funcionamento do cérebro humano, o que foi construído como uma caminhada impossível aos portadores de transtornos mentais. Compreendidos como pessoas mentalmente confusas, que não conseguem realizar operações mentais seguras e precisas.

Esse cenário só começou a mostrar sinais de mudança, no início do século XXI, quando o conhecimento psiquiátrico começou a ser mais popularizado, outros profissionais entraram no campo, trazendo métodos e técnicas inovadoras, inclusive, o avanço na terapia medicamentosa. Mudanças que possibilitam a pessoas com transtornos mentais, melhor vida social e familiar. Nesse novo cenário começou a ocorrer mudanças paradigmáticas, que permitiram a girada na chave, dando a essas pessoas o status diferente do até então experienciado. Viver, mesmo com essa condição, mas, agora, cumprindo protocolos médicos e da equipe interdisciplinar, inserido em seu universo familiar, profissional, social, religioso, dentre outros. Essas pessoas deixaram de ser a personificação do transtorno mental e passaram a ser uma pessoa com um transtorno mental, controlado através das terapias atuais. É a cura dos transtornos mentais? As pessoas estão sendo acolhidas, de forma plena?

Essas mudanças estão ocorrendo de forma gradual, de modo a permitir, vislumbre de novos tempos, nos quais os transtornos mentais tornam-se pautas importantes no campo da Saúde Mental. Nesse recente caminhar torna-se possível manter os transtornos mentais no escopo do campo temático e quebrar o velho enfoque que só lançava luzes sobre as pessoas com transtornos mentais, fundamentado em preconceitos e apoiados em práticas estigmatizantes. Tal histórico, condenou grande parte de pessoas a manterem-se fora de tratamentos, por acharem que assim estariam longe dos preconceitos e estigmas. Outros sabotaram seus tratamentos pela dificuldade de seguirem os planos de tratamento medicamentoso, com seus incômodos efeitos colaterais. E outros por serem vítimas de preconceitos. Dessa forma, vale perguntar: Os preconceitos e estigmas no campo dos transtornos mentais estão sendo enfrentados na perspectiva de mudança do cenário histórico?

As mudanças são reais, mais ainda lentas e de baixa magnitude. Essas pessoas sofrem mais pelos preconceitos e estigmas, que causam mais sofrimento psíquico, social e biopsicológico dos que os próprios sintomas manifestos pelos transtornos mentais. Faço essa afirmação com base no fato de que estes últimos são regulados pela terapia medicamentosa, pela terapia psicológica, pelas atividades físicas e pelas da terapia ocupacional. As ações estigmatizantes, que na atualidade se manifesta muito pela prática do Bullyng, podem provocar intensos sofrimentos psíquicos e acionar gatilhos emocionais devastadores. Então, a pergunta que não que calar: Pior que os transtornos mentais, são os preconceitos e as ações estigmatizantes?

Os preconceitos e ações estigmatizantes explodem sobre as pessoas com transtornos mentais, podendo, inclusive, condená-las ao isolamento social. Isto porque é acionada com toda a ênfase o sentimento de inadequação e incompetência, que aciona na pessoa o desejo de fuga, acionando a autoexclusão, que pode, atingir o sentimento do autoextermínio, enquanto estratégia para enfrentar e resolver a profunda dor. Vamos lembrar que o cérebro, nestes casos, apesar de até parecer silencioso, grita silenciosamente, banhado por um turbilhão de pensamentos, que podem não ser verbalizados, mas são elaborados. Processo que pode ser controlados por meios das terapias, que ajudam a modular o funcionamento cerebral.

Na atualidade, o que mudou, de forma significativa, foi a penetração das batalhas das pessoas com transtornos mentais, no campo dos direitos humanos e a chegada no campo médico psiquiátrico de profissionais com outra perspectiva teórico-metodológica e de outros campos de conhecimento recheados de inovação e de práticas inclusivas. Até agora não existe cura para os transtornos mentais, mas mudou a forma de ser pensado, falado e escrito. O que pode descortinar uma nova vida e possibilitar a abertura das portas de um mundo negado, o que é chamado de vida com saúde mental. Isso mesmo, o tratamento bem conduzido, com ampla participação da pessoa com TM, da sua família e seu capital social e comunitário, podem contribuir para que estas pessoas possam pertencer ao seleto grupo da Saúde Mental.



[1] Incluindo o Autismo, atualmente caracterizado como patologia neurodivergente.

[i] Docente Nível Superior Aposentada. Doutora em Políticas Públicas (UFMA). Mestra em Saúde e Ambiente (UFMA). Especialista em Avaliação de Programas, Projetos e Ações de Políticas Públicas (UFMA).

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Selma Maria Muniz MarquesHá 2 semanas Sao LuisIts an honor Dr. Aston. Thank you!
Selma Maria Muniz MarquesHá 2 semanas Sao LuisPois é Marluce, eu também fico indignada quando a exclusão é tratada como escolha. Ela pode ser a saída possível. Parabéns pelas suas fortes palavras.
Selma Maria Muniz Marques Há 2 semanas Sao LuisPrezada Jandira. Lembre de ser forte e ter discernimento para enfrentar temas tão caros, complexos e controversos. A questão do uso de substâncias psicopativas, legais e ilegais, ainda é tratado como caso de polícia. Este será objeto de outra publicação.
Selma Maria Muniz MarquesHá 2 semanas Sao LuisComponentes do grupo de apoio de Uberlândia. As palavras de vocês chegaram com suavidade e força. Fizeram-me querer recorrer ao Imortal Gonçalves Dias: A vida é combate que aos fracos abate e aos fortes enaltece. Obrigada!
Selma Maria Muniz Marques Há 2 semanas Sao LuisJoizacawpy é uma honra ler seu valiosíssimo comentário. É com gratidão que o recebo visto que apontas o elemento da exclusão clínica. Abraços
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