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Luis Augusto Cassas: João Mohana, O Psicólogo de Deus (O significado pleno de uma vida)

Luis Augusto Cassas é convidado da Academia Poética Brasileira.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Luis Augusto Cassas
04/06/2025 às 19h53 Atualizada em 08/06/2025 às 19h38
Luis Augusto Cassas: João Mohana, O Psicólogo de Deus (O significado pleno de uma vida)
Poeta Luis Augusto Cassas e João Mohana

CASSAS: Dia  15 de junho, segundo domingo do mês, será celebrada em São Luis, a comemoração do centenário de nascimento do escritor, médico e padre João Mohana que construiu sólida obra espiritual e literária, mais de quarenta títulos, muitos traduzidos para outros idiomas.

Em artigo-ensaio que capta as palpitações das dimensões romanesca e espiritual de Mohana, que cruzou fé e sentido da vida, em sua práxis existencial, o poeta Luis Augusto Cassas destaca seu existencialismo cristão, fruto do cruzamento da individuação com a salvação, forjada  no encontro ontológico da logoterapia de Victor Frankl com o ensinamento pastoral de Paulo. “No caso em espécie, o consultório se torna oratório místico, ponto de fusão entre a razão e a fé”, pontua o poeta. Mergulhemos em suas palavras.

 

Especial: Luís Augusto Cassas 

 

“O Senhor deu-me como recompensa uma língua,

E dela me servirei para louvá-lo”. Eclesiástico.

 

– 1 – 

Toda a bela e profunda obra do escritor João Mohana, romanesca, ensaística, psico-espiritual, teatral, teológica – é escrita sob a influência do signo da Estrela: iluminar a noite escura da alma, de que nos fala João da Cruz, para a grande viagem humana de reencontro com o sol interior.

Ela traz em seu bojo a sarça ardente da inquietação do espírito, a marca indelével de quem conhecendo o insubstituível sentido de sua vida – por sabê-la imperfeita e finita - sabe que a existência só realiza o seu verdadeiro sentido, quando essa missão se dirige para a transcendência, para o Outro, para uma causa nobre, cujo conteúdo de valores, fundado no Amor, o faça realizar as pazes com o  destino e, a partir daí, lançar as redes para a efetivação desse destino, com capacidade para viver a alegria e suportar o sofrimento em Si e no Outro.

Ao contrário de um Sartre, dos cafés de Montmartre, que  cunhou em sua dialética o sentido de que “o inferno é o outro”, Mohana parece contradizê-lo, para afirmar (sem dizê-lo) em toda a sua extensa obra que o “céu é o outro”. E o homem só poderá realizar esse céu na dimensão terrena, vencendo as muralhas do egoísmo quando, esquecendo-se de si, ultrapassar o arame farpado do ego, lançando-se à aventura sublime do amor ao próximo. 

Elisabeth Lukas aborda com profundidade essa questão: “Infelizmente, até as velhas palavras bíblicas – “ama o teu próximo como a ti mesmo” - foram usadas para conclusões errôneas. É totalmente errada a ideia de que devemos nos amar para depois sermos capazes de sentir amor pelo próximo. Na verdade, o amor a Si mesmo é um automatismo que faz parte de uma vida plena de sentido: o amor ao próximo, porém, é uma realização transcendente.” E conclui Elizabeth Lukas: “Portanto, é preciso primeiramente afastar o olhar de si próprio para depois amar uma outra pessoa: ao afastar o olhar de Si, regenera-se a função automática do gostar de Si mesmo. Ao olhar para os outros, estabiliza-se a próxima autoconfiança. Quem gosta dos outros, automaticamente se gosta também.”

Contra-argumentando a frase prometeica e reducionista de Freud que afirmava “onde está o Id, tornar-me-ei Ego”, João Mohana, acrescentaria, com propriedade, o conceito de  Victor Frankl: - “Ora, o ego só se torna ego perante o tu”. Com essa cosmovisão, aproximar-se-ia do enfoque existencialista de um Kierkegaard, que pregava que a porta da felicidade abre para fora. Ela se fecha para quem, tentando abrir, a empurrar.

No caso concreto, “o Tu”, “o Outro”, em Mohana, adquire fundamentalmente o contorno de um existencialismo cristão adquirido na confluência de seu conhecimento de médico, psicólogo e vocação de pastor de almas. Esse existencialismo cristão – que captura o rosto desnudado da mística - dirige-se em Mohana para o casamento da alma e do espírito na comunhão da individuação com a salvação, visando através da catarse – purificação, união, iluminação, - o encontro da Noiva (Alma) com o Noivo (Espírito), realizando o casamento alquímico da união dos opostos: coração e mente, fé e razão, sol e lua, cuja meta é a fusão com Deus.

A sua psicologia, portanto, é uma psicologia da salvação que abre caminho para a realização ontológica em que o homem restabelece o seu encontro – não com o atman, não com o centro, nem com o inconsciente , - mas em Deus, em cuja essência repousa Cristo, do qual fala Paulo, somos como membros do mesmo corpo. Cristo é o coração.

Espírito irrequieto, culto, brilhante, perscrutador, catequético, toda a grande pregação pastoral de Mohana, parece ter encontrado a sua base no cruzamento  da logoterapia de Victor Flankl com o ensinamento pastoral de Paulo. Neste, encontra-se vivida e impagável a assertiva de que mesmo sendo vítima da fatalidade do destino, o homem, ainda assim, é capaz de exercitar o seu livre arbítrio em comunhão com a vontade do alto. Pela rica experiência de lidar com o sofrimento humano, Mohana entende que a recuperação do sentido da vida é que conduz o homem à sua realização, e não a busca do prazer (psicanálise) e vontade de poder (psicologia adlerriana) que coabitam-lhe secundariamente. Essa síntese, que foi costurando como ápice de sua mística psico-espiritual reforça em si o ideário cristão ora et labora, que em sua vida de médico e sacerdote, traduz-se diuturnamente na sua tarefa de curar e consolar. No caso, em espécie, o consultório também se torna oratório místico, ponto de fusão entre a razão e a fé.

 

– 2 – 

Guiado por uma imorredoura pedagogia do amor – a arte de ajudar a descobrir o sentido da vida, a milhares que o leram, em suas inumeráveis edições, ou o frequentaram em conferências, seminários, sessões de aconselhamento -  esse homem tocado pelo fogo de Deus é ardente interrogador dos mistérios da vida. Em seu mister de salvação, tudo o toca e o faz encantar-se. A todos quer salvar, ajudar, restabelecer, ressurgir. Uma palavra no momento certo pode significar tudo. Ensina que adversidades, neurose, dores, são como nuvens escuras mas passageiras e têm que ser tratadas como tal. O que interessa é o que fica. O céu azul. O sol voltando a brilhar. São os valores transitórios que o homem abraçou em detrimentos dos valores eternos, que o fizeram mergulhar na angústia, na depressão. Daí, o tédio da vida, a perda do significado da existência.

Conhecedor de que o núcleo gravitacional do amor é a família, dirige-se aos jovens, aos solteiros, a casados, a profissionais, leigos e padres: mesmo entre os seus colegas de Igreja, a sua postura, por vezes é incomodativa: o homem tem que conhecer a sua alma, em profundidade e largura, para poder ajudar e a cumprir os desígnios do céu ( leia-se a propósito, Padres e Bispos Autoanalisados). O que Mohana afirma é que o mundo está doente, sujo, e quer ajudar a limpá-lo. O sabão da alma é o verdadeiro conhecimento de si. Quem não conhece as suas fraquezas, permanece sempre em queda . Para tanto, acredita que a ressureição da noção terapêutica do pecado (Plenitude Humana) é regra de higiene moral fundamental que contribuirá para o restabelecimento da paz interior.

Nos próprios livros de teologia, nunca consegue disfarçar o lado analítico de sua fome de verdade. Em A Cristo por Paulo, depois de traçar esplendorosamente o retrato de um dos maiores epígonos do Cristianismo, nem por isso fica tolhido. Investe contra Paulo. Desnuda-lhe a alma , a investigar-lhe a expressão “espinhos na carne” ou “anjo de Satanás”, que muitos em centenas de anos, não conseguiram decifrar.

Seria o efeito da malária incurada? Seria o orgulho? A vaidade? Algum outro defeito de caráter? A confrontação de outros textos de Paulo, permitiu-lhe a elucidação da questão: “a fácil irascibilidade, o temperamento colérico, violento”.

Ao fazer a análise do perfil psicológico de Paulo, por quem nutre especial admiração e de quem (de certa maneira) copia o instigante modelo pastoral de conversão, não estará Mohana fazendo a própria análise? De certo modo, responde à interrogação, referindo-se a Paulo: “Temperamento é herdado, temperamento não se troca. Educa-se, trabalha-se, labuta-se em cima dele, e ainda assim ele estará sempre derrubando a gente”. Luta-se pelo que não tem. Não lutava Gandhi por serenidade? Não lutava S. Francisco por castidade, atirando-se sobre os espinheiros para calar a ânsia da carne?

Perfeição só em Deus.

Leitor de Santo Agostinho, tem em mira a lição de que só pela humildade, penetra-se no reino espiritual. Para demonstrá-lo interpreta a famosa máxima, contida no Evangelho, “Sede perfeitos, como vosso Pai é perfeito”, atribuindo o significado da perfeição apenas ao amor, reconhecendo que, para nós, seres humanos e imperfeitos, seria cilada fatal para a imersão no orgulho (O Mundo e Eu).

Mas Mohana confia no fato de que a aceitação de nossa verdade pessoal é sólido instrumento de restauração em Cristo. O pecado do homem – segundo ele – realça a santidade de Deus não só pelo contraste, mas pela oportunidade de manifestar a misericórdia. E acredita que a saúde espiritual verdadeira nos salva da depressão e da neurose, além de ser instrumento contra o orgulho, desarmando qualquer tentativa de autodivinização.

Em Os Mais Belos Encontros de Cristo, outro título teológico, retorna a sua incursão na temática do “bom combate”, que todos devemos travar:

- “Custando a chegar, Cristo quer que ninguém olvide essa verdade: de nós depende lançar a rede, e dele depende o cardume”.

O que pretende ensinar - e o faz com didática mestria - é o apelo ao exercício da perseverança na luta contra  nossos defeitos, resistentes à nossa dor. Nunca devemos desistir  dos propósitos de salvação. Mas o reencontro do homem consigo mesmo é apenas a metade do caminho. A outra metade está na decolagem, no caminho para Deus. Em sua mensagem de esperança, demonstra que quedas são apenas alavancas para o soerguimento.

A luta é nossa. Mas a vitória é do céu.  

 

– 3 – 

Toda a saga mohanense é obra de profunda alquimia espiritual destinada a socorrer o homem contemporâneo – aos que têm fé, aos que querem aumentá-la e aos que não a têm – diante de suas interrogações perante o sofrimento e a vida, fazendo-o trilhar o verdadeiro significado da existência.

Nela, se casa e se bifurca o paradoxo profundo das duas verdades de que fala a cabala: a verdade ideal e a verdade real. Uma, eterna, a outra, do reino do  agora. Como padre, ele sabe que o casamento é um sacramento indissolúvel, apesar das separações e divórcios. Como médico e psicólogo, entende que o divórcio ou a separação é uma situação irremediável para conciliação de interesses afetivos antagônicos. Ele está e sempre estará em conflito, dividido entre a fé e a razão. Por isso, sua dor como a do homem espiritual que padece de situação idêntica, é maior do que a maioria dos homens.

Essa chaga, no plano do hermetismo cristão, equivale à quinta chaga: a chaga do coração, resultante do conflito entre a Misericórdia e a Verdade. Sangue e água. E é entendida por autor anônimo dedicado  ao mistério da Cabala e do hermetismo ético, como “Sagrado Coração”, causada no plano simbólico, como aquela “por um dos soldados que lhe transpassou o lado com a lança e imediatamente saiu sangue e água.” (Jo 19,34).

Aos que lhe criticam os excessos, porventura existentes em algumas de suas obras, como no polêmico A Vida Sexual dos Solteiros e Casados, há de se compreender, ainda, que o Autor em referência só chegou ao sacerdócio aos 35 anos de idade, período anterior em que exerceu a Pediatria e já era escritor reconhecido com dois romances premiados: Maria da Tempestade e O outro Caminho. Além da obviedade do fato de como psicólogo saber largamente que a base do êxito do relacionamento sexual está contido na afetividade, sendo o sexo  apenas consequência de percurso. Daí, ser dirigido – em função de sua visão de sacerdote cristão – para a higiene moral , não como ato idealizado, etéreo, mas como uma verdadeira alquimia céu e terra, entre o homem e a mulher, em que alcançam a transcendência pela comunhão a dois, da realização do amor.

Ficará sempre em aberto essa questão do comportamento afetivo-sexual entre um homem e uma mulher e a efetivação do amor a dois. Há de se respeitar, todavia, a pluralidade de entendimento que divergem radicalmente. O livro também cumprirá a sua missão para muitos.

Numa época que alguém já diagnosticou como de esquizofrenia espiritual – por vivermos num tempo em que o intelecto se dissociou da espiritualidade, – e o cristianismo, como nunca, se vê bombardeado por dezenas de leituras desvirtuadoras, em que “a vontade do poder” sobrepõe-se ao autêntico sentido da graça – a razão maior da mística cristã – , a obra de Mohana, toda ela, é uma verdadeira e atualizada releitura do autêntico Cristianismo, aberto às exigências e ao sofrimento do homem moderno, e se impõe, necessária e obrigatoriamente, como obra de autor, iluminado para o descortinar do significado da vida. 

“O que deve iluminar tem que suportar o seu arder”, diz Wirdgangs. A frase enquadra-se plenamente para Mohana, lúcido e irrequieto, na travessia atemporal  da sua jornada espiritual e que desembarca no centenário, em 15 de junho de 2025.

Recolhido ao casarão colonial da família, à Rua Afonso Pena, 119, em companhia dos irmãos Ibrahim, Julieta, Olga, Kalil Laura e Alberto, Mohana viveu, até a convocação celeste, em pleno  ardor septuagenário, sob contínua e intensa atividade psicológica e pastoral para salvar seu rebanho. Mas o vigor da juventude, apesar da doença, permaneceu sustentada pelo brilho refulgente de sua fé e missão salvífica, cuja obra, em irradiação, continuará iluminando indefinidamente, mercê da gloria de Deus, a paixão dos homens.

 

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Prof. Dr. de Literatura. Mestre in Sorbone. Aluízio Freitas ChamilleHá 1 semana Porto Alegre-RGS/Brasília DFJoão Mohana foi considerado o Maranhense do Século XX. Torço aqui para que o Luis Augusto seja considerada o poeta do século XXI. Não há como fugir de suas poesias que marcar e diferenciam dois temnpos na poesia maranhense. 99% dos poetas locais, avaliados no sec. 21, hoje, fazem bonito, mas fazem em cima das mesmas canaletas que todos passam. Porém, dois deles se diferenciam: Luis Augusto Cassas e Salgado Maranhão.
Antenor de Godoy LeiteHá 1 semana Cidade de São Paulo SP"Luís Augusto Cassas é um poeta que não perde sua aliança de fogo com a poesia. Sua casa habita a transparência. A transfiguração do cotidiano e dos gestos mínimos atinge fundo expressividade. Janelas altas filtram uma luz inesperada que empresta novo relevo a seus objetos. A alma das coisas. E as lágrimas de comoção e alegria". Marco Lucchesi. E eu assino embaixo. É o melhor livro de LAC.
Domingos TourinhoHá 1 semana São Luís Ma WhatsApp Dois artistas fantásticos. Pena que o Padre João Mohana já nos deixou - temos a sua maravilhosa obra! Luis Augusto Cassas, poeta invejável
alcina maria silva azevedoHá 1 semana Campinas SPMaravilhoso texto! Cassas, meus parabéns! O egoísmo é a raíz de todos os defeitos da personalidade humana.
Maria José SilvaHá 2 semanas São Luís do Maranhão.Cassas que leitura sensível. Você é ótimo tanto na prosa quanto na poesia. Danado de bom.
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