Editoria de Cultura da Plataforma Nacional do Facetubes c/Mhario Lincoln
Por muito tempo, o humor nordestino de sucesso nos palcos do Brasil teve sotaque cearense. Entrepiadas rápidas, personagens caricatos e uma longa tradição exportada do Ceará, o Maranhão se mantinha na retaguarda, consumindo o riso alheio sem assumir um protagonismo na cena cômica nacional. Até que surgiu um espetáculo nascido do improviso, do cotidiano das ruas, e do talento visceral de dois artistas maranhenses que mudariam essa história: César Boaes e Adeílson Santos. A comédia “Pão com Ovo” é hoje um fenômeno teatral com mais de 1,3 milhão de espectadores, temporadas esgotadas em diversas capitais, turnês internacionais e um feito raro: tornou-se símbolo de identidade, resistência e pertencimento para um povo inteiro, sem jamais perder o viés popular que lhe deu origem.
A peça surgiu por acaso, como tantas grandes ideias. Convidados para animar um evento empresarial em homenagem ao Dia da Secretária, Boaes e Santos criaram um esquete simples sobre atendimento ao público, com personagens baseadas em figuras típicas do Maranhão. A recepção foi tão calorosa que o número se transformou num pequeno espetáculo informal, apresentado em festas e eventos por dois anos, até ganhar, em 2011, uma estrutura dramatúrgica completa. Assim nasceu “Pão com Ovo”, um nome que remete à simplicidade e ao gosto universal do lanche mais democrático do Brasil — acessível ao rico, ao pobre, ao artista e ao operário.
Desde o princípio, a peça trouxe para o palco dois arquétipos reconhecíveis em qualquer periferia de São Luís: Clarisse Milhomem, uma ex-moradora de bairro popular que agora tenta se firmar como socialite da alta sociedade; e Dijé, sua amiga de infância que permaneceu na comunidade e mantém os pés fincados no chão. Quando se reencontram, o contraste entre as duas gera uma sequência de diálogos hilários, cheios de referências ao cotidiano maranhense, da fila do hospital público às roupas estendidas no arame da varanda. Mas o que poderia ser apenas caricatura virou, nas mãos desses dois atores, uma celebração do modo de vida popular com inteligência cênica, ritmo preciso e uma entrega emocional que mistura a piada com afeto. Clarisse e Dijé não são apenas engraçadas — elas têm história, alma, ternura e, acima de tudo, verdade.
O sucesso foi imediato e, ao mesmo tempo, surpreendente. Nos primeiros anos, “Pão com Ovo” virou um programa obrigatório para os ludovicenses. Famílias inteiras voltavam várias vezes ao teatro, levando amigos e parentes, na certeza de que iriam gargalhar com novidades. A cada temporada, Boaes e Santos incluíam elementos atuais, improvisavam falas, atualizavam os contextos. Um espetáculo vivo, em constante mutação, sem perder a espinha dorsal do texto original. Essa relação íntima com o público, quase de cumplicidade, foi o que impulsionou a expansão da peça para outros estados. Em São Paulo, cumpriram temporada no Teatro Ruth Escobar com casa cheia. No Rio de Janeiro, o Teatro João Caetano ficou lotado em todas as nove apresentações. Em Portugal, apresentaram-se para plateias formadas por imigrantes saudosos e locais curiosos, e fizeram o riso transatlântico atravessar fronteiras.
Ao longo da última década, “Pão com Ovo” deixou de ser apenas um espetáculo teatral. Tornou-se marca, conteúdo digital, minissérie televisiva, canal de YouTube, centro cultural com sede própria em São Luís, e inspiração para projetos sociais. A “Caravana Pão com Ovo”, por exemplo, levou o espetáculo gratuitamente a mais de 60 municípios do interior do Maranhão, apresentando-se em praças públicas, povoados e bairros periféricos que nunca haviam recebido um espetáculo teatral. A emoção de ver Dijé e Clarisse diante de comunidades inteiras, muitas vezes ao ar livre e sob aplausos espontâneos de crianças e idosos, confirma que o teatro, quando nasce da terra, não precisa de cortina de veludo para ser digno — basta verdade e respeito ao povo.
A crítica reconheceu o mérito. Em 2022, César Boaes e Adeílson Santos foram indicados ao Prêmio do Humor, idealizado por Fábio Porchat, celebrando os dez anos da dupla à frente das personagens. Também foram homenageados com a Medalha João do Vale pela Assembleia Legislativa do Maranhão e transformaram-se em ícones culturais do estado. O auge simbólico talvez tenha ocorrido em 2024, quando Clarisse e Dijé desfilaram no Carnaval do Rio de Janeiro, no carro alegórico da Mangueira que homenageava Alcione. Ver dois personagens criados no teatro popular do Maranhão sambando na Sapucaí, diante do mundo inteiro, é mais que reconhecimento: é reparação histórica, é consagração.
Mas nada disso teria acontecido se “Pão com Ovo” não tivesse alcançado, antes de tudo, o coração do público. O espetáculo toca porque fala do que é nosso — da vizinha fofoqueira, do ônibus lotado, do sonho de ascensão social, da luta diária que se vence com humor e esperança. Num tempo em que o riso muitas vezes se rende à grosseria ou à superficialidade, Boaes e Santos provaram que é possível fazer humor inteligente, limpo e profundamente humano, sem abrir mão da risada. Não é apenas comédia. É crônica social. É teatro com cheiro de quintal. É Maranhão no palco. E é, acima de tudo, amor de artista por sua gente.
Plataforma Nacional do Facetubes c/Mhario Lincoln.
VÍDEO-BÔNUS
(2023)
"Se perde o amigo, mas não se perde a piada". Uma brincadeira bem-humorada com o jornalista Mhario Lincoln. (Risos)
"Em 2023 quando fui assistir ao show desses dois grandes artistas mundiais, me surpreendi quando eles me descobriram na plateia. Fiquei muito feliz pela amizade e pelo carinho. Obrigado". (Mhario Lincoln).