Na década de 70, pelo menos eu e alguns amigos, éramos fissurados pelo Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. Eu, particularmente, queria conhecer o bar “Degrau”, passear pelo calçadão de Copacabana, assistir ao clássico Vasco x Flamengo, (falo por mim), no Maracanã. (Aliás, em nossa casa na Rua dos Afogados [São Luís-MA], onde passei meus primeiros anos de vida, meu pai mandou fazer o piso do terraço imitando as ondas que ornamentam aquele mesmo calçadão carioca).
Queria conhecer o Hotel Glória, ir ao Corcovado ou tomar aquele café-da-manhã no Forte, andar livre pelo Posto 06, ir visitar amigos nas 'Laranjeiras', conhecer o Jardim Botânico e claro, curtir a noite nas grandes “boites” que espocavam na época do Bee Gees, mas, sem antes, participar do samba-feijoada da Mangueira, para ver Alcione.
Isso e mais muitas coisas atraentes, chamavam minha turma para ir lá na esperança de, deitado nas areias da praia carioca mais em voga, encontrar alguma ‘famosa’ em trajes de banho; muito peculiar da nossa mente adolescente: Rose de Primo, Índia Potyra, Sonia Braga, Vera Fischer.... (Você leitor, lembrou de mais alguma?)
E lá estávamos nós, a turma da igreja (tinha a Turma do Muro, dos bam-bam-bans), sentada na calçada da Igreja de São Pantaleão, sonhando com o Rio, enquanto pitávamos uma carteira de cigarros “Minister” que eu havia surrupiado do pacote do papai, tomando alguns goles de "Bitanguinha C", com limãozinho, que o filho de Luiz Papagaio (ex-vereador da capital maranhense) levava para a gente, após pular o muro da igreja e ir buscar num pé carregadinho no quintal. Vale aqui, acrescentar, que a Igreja de São Pantaleão, em São Luís, não é dedicada a São Pantaleão, mas sim a São José. O nome da igreja deriva de Pantaleão Rodrigues de Castro, um dos seus cofundadores. É nessa igreja que está a imagem de São José, que foi oferecida pelos doadores com a condição de serem sepultados na igreja e de São José ser celebrado anualmente.
Bom! Cada um dava sua opinião. Cada um sonhava o mais alto que era possível com o Rio. Mas tínhamos um consolo: ir aos domingos no cinema para assistir as reprises dos clássicos cariocas de futebol, no Canal 100, embalado pela música gloriosa “Na cadência do samba”, composta por Luiz Bandeira em 1956 e gravada por Waldir Calmon. (Abra e ouça: https://www.youtube.com/watch?v=5uCPo6p97Pw&t=10s ). Mas o Rio que era Rio, não saía de nossas cabeças.
Muito tempo depois, lá por volta de 19/20 anos, eu decidi, definitivamente, viajar para o Rio. E, colocando a carroça diante dos bois, espalhei para todo mundo que iria finalmente conhecer a Cidade Maravilhosa. Choveram pedidos (perfume Fleurs De Rocaille), de indicações de lugares; cheguei até mesmo a ouvir uma ‘aula de Rio’, a mim ministrada pelo meu inesquecível amigo Gerd Pflueger que, à época, morava lá. Nos encontramos, por acaso, no restaurante “Gosto da Terra”, de Graça Silva, na Ponta do Farol, bairro de São Luís-MA.
Pois bem! Parece que “a cidade toda” já estava sabendo que ia fazer essa viagem. Acontece que a ‘grana’ não estava fácil. Pedi a alguns empresários amigos, mas não tive sucesso. Minha mãe não intercedeu porque não queria que eu fosse. Assim, entre discussões, decepções e anseios, decidi bolar um grande plano (tipo Cebolinha e Cascão) porque muita gente já sabia dessa sonhada viagem.
Então, convidei meu amigo Júlio César de Jesus Guterres Costa para bolarmos, juntos, esse plano “B”. E se ao invés de ir ao Rio, eu e ele fossemos passar esse período escondido na cidade de São José de Ribamar? Ninguém iria saber, realmente, se eu tinha viajado ou não. E assim foi feito. Arrumei as malas e rumei para o Aeroporto do Tirirical (era esse o nome), a fim de que muitas pessoas me vissem sentado em uma daqueles bancos de madeira, até, com uma capa (lembram das capinhas em papelão?) de uma passagem da VASP (já usada) nas mãos. Esperei as pessoas acalmarem; aí, entrei no meu velho Opala café-com-leite e eu e Júlio nos deslocamos para São José de Ribamar, município da Grande São Luís.
No percurso íamos dando boas gargalhadas, assim como, ‘enganamos essa gente toda’. Na primeira noite ficamos sossegados no hotelzinho, na parte superior do sobrado e, embaixo, um famoso restaurante de lá. No outro dia, fomos ao Caúra para almoçar com José Lócio, único que sabia da presepada.
Passamos a tarde por lá até surgir a ideia de ir à noitinha, para a frente da Igreja, ver as meninas passarem e ouvir serestas que eram feita com aquela radiola “Phillips”, de pilha, o ‘must’ da época. E uma das músicas mais executadas pelos dj’s improvisados era “Eu te Amo”, de Roberto Carlos. Demoramos quase a noite/madrugada toda e não fomos descobertos. (Ufa!) Clique no link para recordar: (https://www.youtube.com/watch?v=2qYcR0LQggg).
No outro dia, o cheiro do peixe-pedra frito era tão forte e convidativo que eu e Júlio decidimos almoçar lá mesmo, no restaurante de baixo. Aí foi o erro, nem bem eu entro e dou de cara com Fontenele (aquele que trabalhou muitos anos na VASP e depois teve uma agência de turismo). Ele e uma galera da sociedade maranhense e alguns membros da Academia Maranhense de Letras, que ele levava para “apresentar” São José de Ribamar a um escritor que havia dado uma palestra na AML, na noite anterior. (Fico devendo o nome dessa figura. Não me lembro).
Não deu outra: quando Fontenele me viu, deu uma gargalhada estridente. Ele, ainda, de gozação, perguntou em voz alta:
- Ué, já voltou do Rio. Tão depressa!
Óbvio. Gargalhadas e mais gargalhadas. Acenei (ainda meio de longe) e sai de fininho. Fui almoçar numa barraquinha discreta, no Porto do Barbosa. Mas não tinha mais jeito. A ‘farsa’ havia sido descoberta e em grande estilo, fato que resultou na morte imediata da ‘disfarçada' viagem exuberante ao Rio de Janeiro. Depois dessa, nem Rio, nem São José.
Júlio, com quem fui a SJ de Ribamar, já na volta pra São Luís-MA, reclamou: "Não disse que não ia dar certo!..."
Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.