Quarta, 16 de Julho de 2025
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José Chagas e ‘la reconnaissance académique'. Palestra de Mhario Lincoln a alunos de Letras/PR

Mhario Lincoln é editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira, com sede nacional em Curitiba-Paraná.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln/Orquídea Santos
25/06/2025 às 09h22 Atualizada em 25/06/2025 às 16h05
José Chagas e ‘la reconnaissance académique'. Palestra de Mhario Lincoln a alunos de Letras/PR
Arte: ginai/mhl

ORQUÍDEA SANTOS: Em recente palestra para alunos de Letras o jornalista e poeta, presidente da Academia Poética Brasileira discorreu sobre um tema muito forte e polêmico. Mas "com conceitos pessoais e intransferíveis", como ele fez questão de frisar. Mhario falou sobre 'la reconnaissance académique’ do poeta que se tornou maranhense pela pena, José Chagas. A plateia atenta a esse tema muito forte, questionou situações e evidências. E por quê? Segundo um dos participantes, as leituras expostas nas redes de informação, nunca olharam o “Chagas por esse prisma. Sempre repassaram informações da felicidade conjugal plena entre ele e alguns outros literatos, nascidos na terra de G.Dias”. Abaixo, reproduzimos na íntegra, a essência do que disse Mhario Lincoln:

 

CHAGAS e ‘la reconnaissance académique'

*Mhario Lincoln

 

Na primeira oportunidade que tive de conversar com uma pessoa estudiosa da literatura maranhense - muito respeitada e aplaudida em Brasília – sobre o porquê de José Chagas não ter a mesma 'reconnaissance académique' de outros contemporâneos, escutei dele:

 

"(...) Possivelmente suas ideologias. Algo aconteceu após a publicação do 'Maré Memória'(...)".

 

Logo depois da pergunta notei certa resistência dele em confidenciar outras coisas para mim; logo eu, um jornalista e curioso da literatura. Assim, pediu licença e deu de costas.

 

Na verdade, fugindo, eu, um pouco, do mesmo texto romântico e regional de sempre, acho que José Chagas surgiu no contexto como figura central na literatura maranhense, a partir dessa obra poética onde foram intercaladas facetas pouco utilizadas na década de 1970: a profunda compreensão do ambiente físico de São Luís do Maranhão, com nuances sociopolíticas muito fortes e com denunciantes insights; especificamente em "Maré Memória", de 1973.

 

Acredito que a partir daí, Chagas passou a tecer uma narrativa lírico-gritante, onde encarnou a relação intrínseca entre o homem e o contexto social (no poema do mesmo nome) representado literalmente pela lama e pelo mangue, fato que transcendeu – naquele instante - ao regionalismo poético gonçalvino - até então, muito usado nas construções poéticas de alguns de seus contemporâneos poetas.

 

José Chagas passou, então, através desse novo modo elaborativo, a abordar questões muito mais universais da existência humana. Por isso a construção lírica de "Maré Memória" foi ‘quase’ comprometida, pois as marcas indeléveis do contexto são, sem dúvida, as metáforas que associam o homem aos seres do manguezal, invisíveis, solitários, pobres e indigentes. Nos versos iniciais:

 

"Olha aí a palafita

Crescendo sobre a maré.

O homem que nela habita

Caranguejo ou peixe é."

 

Desta forma, o poeta José Francisco das Chagas, nascido em Santana dos Garrotes - PB, 29 de outubro de 1924, portanto neste 2025 a completar 101 anos, se vivo estivesse, passou a estabelecer de forma direta, uma analogia entre o habitante das palafitas e os seres que se enterram na lama do mangue, revelando uma fusão entre o humano, o desumano, mesmo que natural fosse esse ‘inhumain’.

 

Essa representação simbólica evidencia a condição de marginalização e a perda de identidade, temas recorrentes em sua obra. E isso, com certeza, mexeu com algumas pessoas ligadas a parte política do mundo literário maranhense. E não agradou muito.

 

Mas, convido agora, para a mesma mesa o imenso Jomar Moraes, que um dia me confidenciou: “a poesia de José Chagas captura a essência do homem maranhense, inserida em um ambiente que é ao mesmo tempo abrigo e prisão, beleza e decadência”. Moraes era sensacional.

 

Pois bem! Essa dualidade explorada principalmente no poema "Maré Memória", repito, onde o movimento da maré serve como metáfora, igualmente, para a fluidez da "memória e da existência", nas palavras completadas de Jomar Moraes, explicita a estética adotada por Chagas para combinar tanto a simplicidade e a profundidade existencial, com uma linguagem acessível, sem sacrificar a densidade temática.

 

Por outro lado, há de se notar a perfeita regionalização do poeta paraibano e a sua adaptação ao 'modus vivendi' do cenário poético inserido em sua produção, com detalhes incríveis e referências sobre mangue e palafitas, muitas delas nas cercanias do braço do rio anil, ainda pululantes, 51 anos depois do poema ter sido escrito.

 

Tal observação realista só enriqueceu o texto ao situar o leitor em um local específico, mas com implicações praticamente universais. Tanto que o poeta Nauro Machado - outro, dos mais cultuados poetas maranhenses - observou que José Chagas - nessa lírica palafitária - transcendeu o particular para atingir o universal, "fazendo do mangue um símbolo da condição humana”. Perfeito!

 

Vale também notar que a estrutura do poema "Maré Memória", com rimas alternadas e um ritmo cadenciado, reflete o movimento constante da maré, reforçando a temática central. As belas, enquanto arte, reproduções de imagens relacionadas à água e à lama acabaram criando uma atmosfera opressiva, evidenciando a luta do indivíduo contra forças além de seu controle, algo que é aplaudido até hoje.

 

Na minha opinião, Chagas buscou não apenas retratar a realidade social, mas também provocar uma reflexão introspectiva. E tal fato deve ter "ferido suscetibilidades...", pensamento a mim revelado por um membro da Academia Maranhense de Letras, já falecido. Esse confidente tinha certa razão, mesmo que esses versos de Chagas, não se limitassem a uma crítica social direta.

 

Porém, “Maré Memória” explorou a dimensão existencial do ser humano; e isso foi mais que genial. Por essa razão, a beleza extraordinária do poema, pois essa abordagem o alinha a outros grandes nomes da literatura brasileira, como, por exemplo, João Cabral de Melo Neto, com quem compartilha a precisão na escolha das palavras e a profundidade temática. E mais: impossível não o incluir esse poema dentro dos parâmetros do estudo de Dominique Maingueneau, linguista francês e professor emérito da Universidade Sorbonne, com vasta obra publicada explorando a relação ‘entre texto e contexto social’.

 

Por isso, a influência de José Chagas na literatura maranhense – e deveria ser muito mais na literatura brasileira - é extremamente importante. Tanto que o escritor e ensaísta Wilson Marques em texto que li, diz com letras maiúsculas que “a obra de Chagas é um patrimônio cultural de São Luís, essencial para compreender a identidade e a alma maranhense”. Concordo plenamente porque, apesar dos anos depois, a poesia de Chagas não apenas retrata o Maranhão, como também contribui para a construção de sua memória literária forte e não invasiva.

Evoé, Chagas!

 

*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira

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Referências:

 MACHADO, Nauro. A Poética de José Chagas. São Luís: Editora Maranhense, 1978.

MARQUES, Wilson. “José Chagas e a Identidade Maranhense”. Revista Literatura Hoje, n. 12, 1990.

MORAES, Jomar. Entre o Mangue e a Maré: A Poesia de José Chagas. São Luís: Academia Maranhense de Letras, 1985.

Dominique Maingueneau (1950). França.

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JAIME Há 4 semanas BSB/DFSHOW!!! ALTO PADRÃO E QUALIDADE IMPAR!!! GABARITOU EM ALTO NÍVEL!!! APLAUSOS DE PÉ!!! TIRO O CHAPÉU PRA VOCÊ PRESIDENTE!!!
Socorro Guterres Há 4 semanas Natal/ RN"Maré Memória", perfeita metáfora de José Chagas numa crítica à desigualdade social que atrela o homem ao lamaçal da maré, num "ir e vir" que se firma,poeticamente,em memória.
Joizacawpy Há 4 semanas São luís Esse texto é um verdadeiro presente, de fato Maré Memória de Chagas traz de forma poética uma realidade que incomoda alguns no sentido de que ele não camufla a realidade, pelo contrário ele traz a memória o que de fato existe e acontece, embora para alguns não agrade, porque quando se fala em realidade social sendo essa falha, toca na ferida de quem deveria fazer mais para que a justiça social prevalecesse.
Silvânia TamerHá 4 semanas São Luis Excelente texto. Parabéns! Concordo com Wilson Marques, quando diz que a obra de José Chagas é um patrimônio cultural de São Luis. Bravo!
Luiz Augusto Bessa.Há 4 semanas São Luís MaranhãoSó um lembrete. Embora nascido na Paraíba, em 29 de outubro de 1924, Chagas viveu em São Luís por mais de sessenta anos e aqui publicou toda a sua produção literária. Fato que lhe rendeu vaga na Academia Maranhense de Letras, por maioria de votantes. É reconhecimento.
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