*Mhario Lincoln.
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.” – Cora Coralina
É simplesmente incrível como uma pessoa singela e amável como Cora Coralina pode ter semeado flores líricas por este Brasilzão inteiro. Madrinha goiana da poesia simples e impactante, sua voz ecoou pelos nossos quatro cantos e derramou empatia em outras poetas que também cultuam a simplicidade como mote principal de seu bem-querer. O tom humilde e sem rebuscamentos reforça o valor da vida modesta e suas nuances, sem grandes artifícios. Assim que é a poesia amável de Aldira Martins:
Aah, minha amiga Socorro
Faz o café e parta o bolo
Eu estou indo pra ir !!!
Com você, a amizade não
bate fofo
Com você como a carne e
chupo o osso
E até fico pra dormir!
Se acaso eu tiver
desgosto
Com você nunca seca o
poço
Você está pronta pra
Acudir
Aaahh, Minha amiga!
Faça comigo uma reza
Me abençoe e acenda vela
Me dê umas gotas de
elixir
Com você sinto minha
vida bela
Seu coração é preciosa
pedra
O melhor tesouro que
pode existir !!!
Na verdade, eu gosto demais de resenhar versos de Aldira Martins. Fazem sentir-me leve, livre, solto em meus pensamentos bastante carregados de classicismo, sempre sob o peso da filosofia maiúscula dos pensadores seculares.
Mas, confesso, não gostaria de ser assim, tão sisudo, no momento em que vou resenhar algo ou alguma coisa que me faz pensar além das minhas possibilidades; ou melhor o tema acaba por ressuscitar meus alfarrábios clássicos para entender uma simples linha poética de algum outro poeta desmedido em organografia pluriconceitual.
Porém, quando leio Aldira Martins, ela mesma, sem saber, me coloca em um planador silencioso e me leva para um passeio nos céus, sobre uma planície florida de águas límpidas; um verdadeiro paraíso decapitado de maçãs e imune à trovões ou fratricídios.
Já imaginou o que posso imaginar lendo algo que parece caracterizar uma grande amizade entre duas pessoas, onde o néctar é, “Aaahh, Minha amiga!/ Faça comigo uma reza/ Me abençoe e acenda vela/ Me dê umas gotas de elixir” ?
É fácil entender que a amizade aqui não é feita de palavras grandes, mas de gestos pequenos, simbólicos, quase sagrados. Mais fácil eu dizer: é uma poesia da amizade que cura. Aliás, Santo Agostinho, em “Confissões”, já dizia: “A verdadeira amizade é aquela que nos une em Deus.”
Isto é, uma amizade que reza junto, que acende luz no escuro do outro. É fantástico ler isso! Por isso que vou buscar Simone Weil, filósofa francesa, que um dia escreveu: “A amizade é um milagre da atenção.”
É justamente isso que Aldira declara nesse poema singelo: atenção em forma de poesia. É como se ela transformasse o trivial (vela, reza, elixir) em cuidado profundo de uma amizade profunda. (Aliás é profissional de enfermagem e talento muito nessa profissão).
Vale, então, lembrar mais uma vez que a amizade, quando verdadeira, é uma das expressões mais altas da alma humana. O poema que diz “Com você sinto minha vida bela / Seu coração é preciosa pedra / O melhor tesouro que pode existir” não precisa de floreios para tocar o essencial.
É uma declaração que une beleza, firmeza e valor — três pilares que ecoam não apenas na sensibilidade poética, mas também nas fundações da filosofia antiga. Entre os estoicos, a amizade era vista como um bem nobre, cultivado não por conveniência, mas por virtude.
Ao trazer Sêneca para esta mesma mesa, ouço-o falar: “o amigo é outro eu”. Exatamente isso que esse poema de minha confreira da Academia Poética Brasileira, seccional do Ceará, revela: uma fusão de existências, onde o outro não é apenas companhia, mas luz, raiz e destino.
Destarte, fiquei por demais feliz em receber o convite para resenhar uma das poesias de Aldira que estará em seu próximo livro – incluindo ‘QRCode’ dos poemas musicados. O que fará desse trabalho, algum de extrema originalidade.
Finalizo convidando Marco Aurélio, esse filósofo tão enunciado dos últimos tempos. Ele disse que devemos amar com o coração, e agir com razão. Aqui, coração e razão se encontram. E essa interseção é onde nascem os grandes afetos — aqueles que, mesmo sem prometer eternidade, já são eternos pelo simples fato de existirem.
Texto de Mhario Lincoln para a Plataforma Nacional do Facetubes.