*Mhario Lincoln
Confesso, agora, algo que é inédito, porque muitas das "confissões", geralmente não são originais. Pois bem! Para tentar escrever poesia, a mim, não foi necessário apenas o dom. Tive que me debruçar em livros e livros, dos mais diversos gêneros poéticos, para arrumar uma linha onde pudesse acomodar meu "dom". E um desses poetas que li, sem alardes, foi João Batista do Lago.
Suas poesias tiveram um grande impacto em cima de minhas ideias, especialmente porque conseguia enxergar nelas, algo ainda mais profundo: como eu escrevo mais abaixo - descobri na liturgia lírica de João Batista do Lago um poderoso eco, do mesmo ímpeto titânico que levou o jovem Goethe a escrever o poema “Prometheus” -, desafiando os deuses.
Mas não foi só isso. Durante os 10 anos em que trabalhamos juntos, ele como Editor-Chefe da Plataforma "Aqui Brasil", um imenso desafio de dois nordestinos residente em uma cidade sulista de altas e baixas reentrâncias, acompanhei de perto a forma não só da construção poética dele, mas como ele era capaz de construir prosas tão evoluídas, tão diferentes dos meus textos - estava tentando sair desses - que ainda guardava na cabeça, desde a época em que fui colunista social. Tinha que me livrar daquela linguagem ambígua, se quisesse crescer, enquanto jornalista profissional. No fim, fomos grandes pioneiros, em 2004, em plena Curitiba-PR, de um trabalho digital consistente, através da internet.
Essa aproximação de JB me levou a buscar novos caminhos, novos rumos: ler por exemplo, Charles Baudelaire. Isso ficou muito claro em minha guerra contra mim mesmo. Após ler Baudelaire, ficou claríssimo que eu – se quisesse ser realmente poeta – e consequentemente, entender o âmago da poesia, em sua base vulcânica, teria que conhecer “Les Fleurs du Mal”, onde Baudelaire reinventou a lírica moderna juntando o sublime e o profano, a luz e o lodo de Paris, inaugurando uma estética do “spleen” — melancolia febril que mistura tédio, desejo e repulsa pela decadência urbana. Baudelaire, o autêntico flâneur que vagueia pela cidade e devassa suas contradições.
Assim, da mesma forma que João Batista do Lago me levou a Baudeleire; Baudelaire me levou, por consequência, a Mallarmé e Rimbaud, para mim, referências cruciais do verso que queria construir. Com eles, aprendi que o poeta precisa catarsear-se para explorador suas profundezas humanas. Por isso, certa vez JB me disse, em tom debochado: "...ouvir falar é diferente do existenciar...". E ele tem toda razão!
Da França procurei ler em Portugal, o lírico Antero de Quental grande poeta romântico, mas defensor de um ideal social revolucionário; como João também. Já na Inglaterra, li Percy Bysshe Shelley e esse, para meu espanto, incorporou em sua veia poética, um espírito rebelde do romantismo em poesia e ação, pois bradou contra a tirania em versos como no célebre “A Máscara da Anarquia” e pagou o preço da incompreensão em vida, tornando-se reconhecido apenas após sua morte prematura aos 29 anos.
Esses três bardos – Baudaleire, Quental e Shelley – me fizeram começar a pensar em escrever poesia, podendo controlar, de certa forma, minha revolta pessoal por tudo que via e sentia dentro do imenso universo poético, até então existencializado. E esses caras estrangeiros, puderam, nesta rápida análise, ilustrar como a poesia poderia nascer do sofrimento e da revolta, servindo de grito coletivo por liberdade, justiça e transformação.
Acho que é aí que posso costurar a ousadia e sensibilidade social de João Batista do Lago à catarse poética da realidade dele, porque se insere, como uma luva, nessa linhagem de vozes inquietas, mas com um estilo único e contemporâneo. A verdade está explícita nessa poesia – muitas vezes chamada de verberante (ou seja, incisiva, cortante) – que provoca no leitor nada menos que uma “porrada no estômago”, como ele mesmo me disse certa vez, em entrevista exclusiva para a Plataforma Nacional do Facetubes. (www.facetubes.com.br).
A marca sensível, a que me tocou mesmo, está nos versos densos desafiando convenções e chacoalhando consciências adormecidas. Outro dia li uma lista de 100 grandes do Brasil e lá estava ele, nosso JB, cuja definição, ao lado do nome era: "um dos melhores poetas vivos do Brasil, graças a sua eutanásia lírica desenfreada, capaz de desmaterializar o sagrado patético das falsas virtudes e hipocrisias sociais". Uau!
Quem escreveu essa definição sabe que João Batista do Lago faz da palavra uma arma de contestação e iluminação – sua poesia ama e odeia, ora terna e paterna, ora selvagem e indignada, porém sempre livre e alerta contra as injustiças. É essa dualidade visceral que me fez amar o trabalho lírico desse (monstro “feito besta fera”).
Foi desse jeito que João Batista me guiou como Caronte, barqueiro de Hades, que carrega as almas dos recém-mortos sobre as águas do rio Estige que dividia o mundo dos vivos do mundo dos mortos.
Destarte, posso dizer: é justamente nessa tensão entre polos opostos – razão e delírio, erudição e visceralidade, ternura e fúria – que reside a força da poética de João Batista do Lago. Eu mesmo me esforcei muito para destorná-lo incompreensível, mesmo que ele tenha permanecido fiel à própria visão de mundo, convicto de que “a poesia deve nascer do confronto com a verdade, por mais dura ou absurda que pareça”. (Excelente!).
Por essa razão, a obra-prima de João Batista do Lago, “Eu, Pescador de Ilusões”, sintetiza toda essa força singular, pois mergulha em três grandes momentos de vivência: a solidão, o protesto e o auto-renascimento – pilares que estruturam a jornada poética do autor.
Na solidão, ele dialoga com a própria existência; no protesto, ergue sua voz contra a “ambígua ordeiricidade” de um Brasil injusto, clamando aos leitores: “Prestai atenção, ó brasileiros! (…) Povo deserdado, vexado e proscrito”; e no auto-renascimento, busca uma espécie de transcendência pessoal e coletiva, um gozo nas “asas da liberdade” capaz de salvá-lo a si e à própria poesia. Não tenho dúvida de que vejo na poesia filosófica de João Batista do Lago, muito do que aprendeu com Hegel, Vico, Baudelaire, Valéry, Rilke entre outros.
Por outro lado, nosso João ainda flerta com o niilismo e o desencanto. Contudo, nunca abdica de buscar um sentido, um horizonte de renovação. Sua poesia é uma pesca de ilusões, sim – mas não no sentido de se auto-enganar; e sim, de capturar os sonhos e esperanças possíveis em meio ao caos, mostra atualíssima (mesmo que lançado a alguns anos), os poemas épicos e dolorosos, como Entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo ou Da Paz Dilacerada, onde corpos de anjos são semeados em campos de refugiados e corações choram “prantos de dores” diante da guerra.
Por essa razão, confesso, novamente: foi lendo JB que me conscientizei que a lírica, romântica ou não, tem que destronar - obrigatoriamente - representações e crenças falidas de muitos conceitos nossos e da nossa sociedade. Foi lendo João Batista do Lago que fui apresentado a um dos grandes mestres universais: Johann Wolfgang von Goethe, o gigante da literatura alemã.
Assim como Goethe no auge do Sturm und Drang libertou o verbo poético das amarras clássicas, João Batista acabou por me ensinar a dar a minha palavra, algo como um pasto livre, a mim me permitindo amar ou odiar com ferocidade, sem filtros moralistas.
Agora, me permita falar deforma direta: caro amigo, você foi responsável pelo meu start de estudar a poesia, em seus gêneros mais desiguais e me fez construir líricas, muito além da rima "lua e rua", "sol e rouxinol". Esse é você, meu amigo, aquele que faz ecoar o mesmo ímpeto titânico que levou o jovem Goethe a escrever o poema “Prometheus” desafiando os deuses.
Desta forma, doa a quem doer (é minha opinião pessoal e intransferível), como testemunha da história em formação, posso concluir que você João Batista do Lago é um poeta-filósofo cuja voz intermitente e verberante se mistura ao coro dos imortais – de Hugo a Antero, de Shelley a Goethe – clamando por um mundo mais desperto.
Parabéns a você!
Por Mhario Lincoln, poeta e editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes.