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Imortal APB, Socorro Guterres volta ao Facetubes com o texto: “Gerais de Minas”

Socorro Guterres é membro da Academia Poética Brasileira, seccional RGN.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Socorro Guterres
03/07/2025 às 12h23 Atualizada em 03/07/2025 às 12h29
Imortal APB, Socorro Guterres volta ao Facetubes com o texto: “Gerais de Minas”
Original do texto.

Escritora e poeta Socorro Guterres, especial para a Plataforma Nacional do Facetubes

   

A procura por ouro e pedras preciosas  pelos bandeirantes paulistas no século XVl deu início ao povoamento do sertão brasileiro no estado de Minas Gerais, que primeiramente estruturou-se, já em 1696, como Vila de Nossa Senhora do Carmo, a qual, em  1745, foi elevada à categoria de cidade com a denominação de Mariana, para homenagear a rainha Maria Ana D'Áustria, esposa do rei D. João V de Portugal. Com a extração das riquezas minerais toda a região cresceu rapidamente e tornou-se importante centro cultural do país e um dos municípios mais relevantes do Circuito do Ouro, parte integrante da trilha dos inconfidentes e da Estrada Real. Portugal, então,  implementou formas rígidas  na cobrança de impostos dos minérios, dificultando também o desenvolvimento de atividades que pudessem atribuir mais renda à província o que acabou por suscitar um importante movimento anticolonialista: a Inconfidência Mineira, no final do século XVIII, com seus ideais republicanos inspirados na Revolução Francesa de 1789. Esse movimento formado por intelectuais, religiosos e proprietários rurais foi liderado por Joaquim José da Siva Xavier, o Tiradentes, posteriormente traído e assassinado em 1792.


   Eu os convido, após esse introito histórico, a viajar por alguns sítios desse estado, de extensão territorial que abrangeria em sua dimensão as nações da França e Bélgica. Antes de tudo, lembro João Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo (burgo do coração), que fez do sertão de Minas um mundo e poetisou os rincões desse lugar que nos encanta em veredas e personagens metafísicos, num sertão particular, nem sempre  observável, mas sentido; tanto que Grande sertão : veredas , livro que o imortalizou, teve  muito de sua escritura aprimorada provavelmente com a inspiração das conversas em cartas trocadas com o pai, Florduardo Pinto Rosa, ainda que o escritor estivesse fora do Brasil, no cumprimento de suas funções diplomáticas. Assim, relembrando as palavras de Rosa, inicio uma travessia por paisagens que se descortinam sob um fundo telúrico, mas num  sertão real.
  Podemos começar o percurso pela Estrada Real, caminho oficial à época do Brasil Colônia para a circulação de pessoas e mercadorias.  Atualmente, é uma das rotas turísticas mais famosas, atravessando três estados: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse trajeto, saindo  da capital, Belo Horizonte, chegamos a São João del Rei e Tiradentes. 


   São João del Rei é uma das  maiores cidade históricas, cujo nome homenageia Dom João V, já citado anteriormente, bem como Tomé Portes del-Rei, um dos primeiros desbravadores. Emoldurada pelas paisagens da Serra da Mantiqueira e do Campo das Vertentes apresenta um clima ameno, que dá o ar bucólico às construções de pedra e cal que acordam e são embaladas pelos inúmeros  toques ("dobrados") advindos do repicar dos sinos de suas muitas igrejas, com destaque  para  a de São Francisco de Assis, obra do lendário artista Aleijadinho, marco da fusão do barroco joanino com o estilo rococó. Mesmo numa visita passageira não deixemos de degustar o feijão tropeiro que remonta aos tempos primordiais quando a cidade ainda era Arraial Novo do Rio das Mortes. E ainda louvemos o ora-pro-nóbis, folha alimentícia essencial nos preparos culinários. Um pequeno trajeto de 12 km nos leva numa viagem de sonho em uma locomotiva "Maria Fumaça" até Tiradentes, cujos vagões centenários nos permitem reviver tempos passados.


Tiradentes também está localizada no Campo das Vertentes  e é um dos recantos de arte barroca mais preservados do país, assim chamada de "Cidade Presépio".  Nessa região memoriosa, nasceu o inconfidente mais insigne, Tiradentes, o qual liderou o movimento separatista contra o reino de Portugal no Brasil Colonial. O Largo das Forras, principal praça da cidade,  já traduz o contexto expressivo, pois era a praça em que os escravos comemoravam suas forras, ou seja, a obtenção de suas liberdades. É imprescindível conhecer a Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza, no estilo barroco/rococó, que nos apresenta,  em sua singeleza, entronizada no retábulo a imagem marcante de Jesus agonizante. E como estamos passeando, vamos até o povoado de  Bichinho, na verdade Vitoriano Veloso (único negro, alforriado,  a participar da Inconfidência Mineira), a apenas 8 km de distância de Tiradentes, para as comprinhas costumeiras de qualquer viajante, na riqueza do artesanato local. E ainda, aderindo à modernidade em meio à história, fotografar a divertida "Casa Torta" com seu particular atrativo turístico.


   Prosseguindo, chegamos a Congonhas,  Cidade dos Profetas, criada sob a denominação de Nossa Senhora da Conceição de Congonhas, em 1734, com  a chegada dos mineradores portugueses em busca dos veios auríferos. Situada entre Tiradentes e Ouro Preto,  já foi importante centro de mineração e atualmente é Patrimônio Cultural Mundial da Unesco, com a obra inigualável de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, assim cognominado por apresentar uma doença degenerativa, que, no entanto, não o impediu de expressar sua arte como escultor (secundado por seu ateliê), com destaque para os 12 profetas em pedra sabão, localizados no adro do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, uma das maiores obras barrocas do Brasil, que se iniciou pelas mãos do português Feliciano Mendes, o qual acometido de grave doença recorreu a proteção de Bom Jesus de Matosinhos. Graça alcançada fincou uma cruz no alto do morro do Maranhão. Com recursos próprios e angariando esmolas iniciou a construção da capela que deu origem ao Santuário. Desse modo, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Baruque, Joel, Abdias, Amós, Habacuque e Naum estão sempre a nos recepcionar e lançam seus vaticínios nos textos fixados  nas pedras para toda a eternidade. Devemos também ressaltar  Mestre Ataíde, responsável por grande  parte da policromia das esculturas, bem como pela pintura no forro do coro desse mesmo ádito, tendo ainda trabalhado na repintura da capela-mor, manuseando cores vibrantes e inusitadas à época.

A genialidade de Aleijadinho deixou além do adro dos Profetas e da Igreja  do Bom Jesus de Matosinhos, seis capelas brancas, que fazem o caminho à igreja setecentista. Neste complexo é encenada a crucificação de Cristo, nos chamados Passos, numa grandiosa cenografia barroca que descende diretamente dos sacromontes europeus. Desde 1985, o Santuário é inscrito na lista do Patrimônio Mundial da Humanidade. 
   Seguindo os caminhos mineiros, a  cerca de uma hora de distância de Congonhas,  chegamos a Sabará, com nome tupi muito significativo, que pode ser interpretado como "pedra grande brilhante" ou ainda " grandes olhos brilhantes" em referência às pepitas de ouro abundantes no local. A Rua Pedro II, com casarios do século XVlll e igrejas centenárias são um deslumbre aos visitantes, que podem também observar as águas límpidas que escoam por chafarizes históricos, como o de Kaquende. A Igreja de Nossa Senhora do Ó, em louvor a Nossa Senhora da Expectação do Parto, pequena e simples em sua  fachada, contrasta com a riqueza do seu interior, nas talhas douradas que esculpem as figuras  decorativas, no chamado estilo nacional português, que floresceu na primeira fase do barroco.

Além do acervo material, Sabará é ricamente agraciada no patrimônio imaterial, com a Confraria do Império do Divino Espírito Santo, fundada em 1771, sendo considerada a quarta irmandade mais antiga do Brasil. Não poderia deixar de citar nesse aspecto a Guarda do Congado, que honra e glorifica Nossa Senhora do Rosário, manifestação de fé da ancestralidade negra, com suas músicas, danças e cortejos: lindos, emocionantes e inesquecíveis. 


    Prosseguindo em nossa viagem, alcançamos  duas cidades  também de grande importância no cenário histórico: Mariana,  a primaz, que já visitamos no início dessa narrativa, berço das Minas Gerais  e,  bem pertinho, Ouro Preto, que pelo conjunto arquitetônico  e cultural é considerada Patrimônio Mundial, tornando-se também uma  cidade universitária, cujas inúmeras repúblicas estudantis enchem de juventude as habitações tradicionais, proporcionando um colorido especial. Inclusive, anualmente em outubro ocorre a "Festa do Doze", na qual alunos e ex- alunos celebram o aniversário da Escola de Minas,criada em 1875, com o objetivo de preparar engenheiros para a  exploração das minas. Comemoração que já tive a honra de participar em uma das visitas, anos atrás, a esse município que muito me encanta. Não poderia antes de finalizar esse roteiro deixar de falar sobre  uma das cavernas mineiras mais bonitas e berço da paleontologia brasileira, a Gruta de Maquiné,  lá em Cordisburgo,  cidadezinha que já nos recebe em seu marco inicial com a tropa de Guimarães Rosa, com destaque para Riobaldo e Reinaldo (Diadorim) e traz a aventura necessária para essa trajetória pelos Caminhos Gerais. E o Instituto Cultural Inhotim, em Brumadinho, com o espetacular museu aberto, um dos maiores do mundo,  com importante acervo de arte contemporânea e paisagismo inicial de Burle Marx? Imperdível! 


    Falei sobre algumas paisagens de Minas, mas também quero expressar meu apreço à  mineiridade de sua gente gentil, enigmática em suas altas montanhas, a nos  acolher com seu "cafezin" e pão de queijo. Preciso ainda destacar a capital "BH", origem e final desse breve percurso: jovem e bela (com apenas 127 anos) nos presenteia com seu cartão postal: a Igreja  de São Francisco de Assis, conhecida como "Igrejinha da Pampulha" (primeiro santuário modernista da  arquitetura brasileira), concebida pelo arquiteto Oscar Niemayer e adornada com obras notáveis de Cândido Portinari representando  cenas da vida de São Francisco. Para fechar esse circuito retomo o mestre Guimarães Rosa, em trecho do Grande Sertão :

    "Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha no meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade?  Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração..."

  Eu tenho saudades de Minas e este texto é uma declaração.

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JaimeHá 2 dias BSB/DFTexto riquíssimo em detalhes. Parabéns, pelas valiosas informações.
Jaciara Oliveira Há 2 semanas NatalViaje maravilhosa: aprendi, relembrei e me encantei com os detalhes da leitura! Parabéns Socorro
Lucia H V RochaHá 2 semanas Vila Velha-ESParabéns para a escritora Socorro Guterres, que nos presenteou com uma aula sobre as cidades históricas de Minas Gerais. Excelente!!!
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