
Andréa Motta, convidada da Academia Poética Brasileira.
Tenho ouvido a boca pequena que em diversas rodas de conversas entre trovadores, está em voga o tema plágio nos concursos de trovas. Este tema sem dúvida, é bastante preocupante impondo-se alguns esclarecimentos. Inicialmente é relevante estabelecer que Plágio e coincidências possuem conceitos diversos que podem ser confundidos em dadas situações.
Posto isto é necessário entendermos as diferenças. Vejamos, plágio é a prática de usar o trabalho, ou palavras de outra pessoa sem dar o devido crédito, fazendo parecer que são suas próprias criações. Isso pode ocorrer em diversos contextos, por exemplo, na música, literatura, arte e academia. Por sua vez a coincidência ocorre quando duas ou mais pessoas criam trabalhos semelhantes de forma independente, sem que uma tenha copiado a outra. No plágio há a intenção de apropriar-se do trabalho alheio, a coincidência é um evento fortuito.
Helder Galvão, no artigo Influência, coincidência e reminiscência não são plágio, afirma que “o processo criativo nasce da influência. As ideias em si não são protegidas por direito autoral e nada impede o aproveitamento de uma obra já existente para se criar outra, ou seja, não precisa ser novo, basta ser original” e continua “Logo, não se veda às influências, tampouco às coincidências no processo de criação”. Aparício Fernandes e José Ouverney, respectivamente nos artigos Plágios, Coincidências e “Homenagens” e Coincidências...Coincidências...Coincidências...! deixam claro as diferenças acima apontadas, veja-se o que diz Aparício Fernandes no artigo citado. “Quem assina ou apresenta como seu um trabalho literário, artístico ou científico de outrem, ou ainda quem imita servilmente um trabalho alheio, está cometendo plágio. Para que haja plágio real, é preciso que o plagiário conheça a obra que plagia e tenha a consciência e o propósito de plagiar. É claro, porém, que a subjetividade desses requisitos é relativa, pois toda inocência tem limites”. E em outro trecho assevera: “A ideia de plágio tem atormentado muitos trovadores, temerosos de nele incorrerem, mesmo involuntariamente. Tal receio é infundado, embora seja louvável uma certa precaução. Como já dissemos, o plágio verdadeiro, proposital, é raro. O que ocorre com certa frequência são os plágios involuntários, bem como as coincidências de ideias ou de forma. O plágio involuntário ou inconsciente é motivado quase sempre por antigas leituras, que ficam no subconsciente, e cuja ideia ou estrutura eventualmente vêm à tona, traindo o trovador, que pensa estar escrevendo algo original quando, na realidade, está apenas passando para o papel uma ideia ou forma de outro autor, das quais tomou conhecimento (e gostou) mas, conscientemente, não se recorda. Certa vez, fiz a seguinte trova, que, na ocasião, julgávamos original: No seu bramir incessante, / as ondas fazem lembrar/ o delírio soluçante / dos que morreram no mar!
Qual não foi a nossa surpresa quando, relendo o livro "Cantigas do Entardecer", de Leonardo Henke, deparamo-nos com esta trova do poeta paranaense: O choro triste e constante / das ondas a soluçar / parece a voz suplicante / dos que morreram no mar.
Alguns anos antes havíamos tido o livro de Leonardo, ficando esta trova em nosso subconsciente, o qual veio a nos trair, induzindo-nos a um plágio involuntário. Constatado o mesmo, retiramos imediatamente a "nossa" trova da circulação. Por sorte, ainda estava inédita, tendo sido divulgada apenas uma vez, se não nos falha a memória, num programa de rádio.
Devido à coincidência de ideia ou de forma, frequentemente encontramos trovas bastante semelhantes, sob um desses dois aspectos, sem que isto implique forçosamente na existência de plágio. No que se refere à mensagem, à ideia, a própria trova de Leonardo Henke, já citada, apresenta semelhança com esta outra, bem mais antiga, de uma velhinha rezadeira, conhecida como Tia Chica, que residia em Ubatuba, na Ilha de São Francisco, e que, por volta de 1926, já contava mais de 70 anos de idade: As almas dos pescadores / engolidos pelo mar / gemem no casco dos barcos / que vão ao largo pescar.
Às vezes dá-se o inverso: a mensagem é diferente, mas há semelhança na forma, ou seja, na estrutura da trova, no ritmo ou até mesmo em algumas palavras que a compõem.” E segue “Inúmeras trovas são parecidas, sem que haja plágio. Mormente quando a semelhança que as aproxima encerra ideias comuns, repetidamente exploradas, ou expressões e frases de uso corriqueiro. Somente quando duas trovas apresentam grande semelhança não só na mensagem ou tema, como também na forma ou estrutura, é provável que tenha havido plágio, consciente ou involuntário.
Complementando a exposição de Aparício, afirma José Ouverney no artigo já mencionado, publicado no Site Falando de Trova: “Conforme facilmente se constata, o espaço para a exposição de uma ideia na Trova é exíguo. São 28 sílabas poéticas e mais nada. Apenas quatro versos. A Trova no Brasil é praticada há muito mais de um século, de onde se conclui que inúmeras são as coincidências, tanto em ideias quanto na disposição dos versos.”.
Em suma, a coincidência criativa se define como duas obras distintas que se parecem, mas que não configuram, necessariamente, plágio uma da outra. Desta forma, quando várias pessoas possuem as mesmas fontes, inspiração e tema, ou o mesmo escopo de produção, há grande chance de haver algum grau de coincidência.
Frise-se, tal qual o fez anteriormente Aparício Fernandes, “O plágio involuntário ou Inconsciente é motivado quase sempre por antigas leituras, que ficam no subconsciente,”. E, eu acrescento que é justamente pelas razões expostas por Aparício que em algumas raras oportunidades alguns trovadores enviam trovas para Concursos, não inéditas de sua própria autoria! Provavelmente foram traídos por suas memórias, reminiscências ... e não o fazem por má-fé.
Reitera-se, portanto, que é perfeitamente possível existir várias obras, no caso específico, trovas, com a utilização de ideias semelhantes e até de expressões iguais, criadas de forma independente, como expressão da criatividade própria de cada trovador, sem que tal ato se caracterize como plágio.
Andréa Motta
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