
Texto de autoria de Mhario Lincoln, editor sênior da Plataforma Nacional do Facetubes.
Meu Deus! Bioque Mesito é o responsável pelo adiamento (mais uma vez) da conclusão do meu inédito “O Sexto Sexo”. E por quê? Ora, porque esse poeta espetacular ao escrever poesias, consegue retirar seu véu criativo para entregar o rosto da experiência, sem filtro sentimental, sem exibicionismo de forma. Meu Deus, repito! Como aprendo lendo Bioque. E essa vontade de ir mais longe já me fez rever alguns poemas meus que eu dava como prontos. De novo: é fundamental para um poeta que quer crescer (meu caso), ler, ler e ler outros poetas, cuja qualidade é, sem dúvida, uma linha mestra de aprendizagem.
No caso desse grandes ludovicense de 1972, sempre premiado ao longo de sua carreira, há uma contenção calculada no seu dizer que lembra a ética do artesão: cada palavra encaixa no lugar certo, cada pausa respira junto com a imagem. O resultado é um clássico “de agora”. Eu gosto de dizer que coisas assim, traduzem poemas que dialogam com tradição e, ao mesmo tempo, recusa a vitrine das grandiloquências fáceis. A matéria-prima é o cotidiano bem lapidado, até adquirir espessura metafísica.
No primeiro terceto, a imagem inicial arma o campo de forças da peça. O poeta toma uma cena concreta e a ilumina de viés; a luz vem não do objeto, mas do ângulo. O gesto é decisivo: aquilo que parecia circunstância vira princípio. Nessa hora, percebi não estar diante de um relato, e sim de um ponto de vista; e é esse deslocamento que confere tensão.
No segundo terceto, a matéria sensorial se adensa. O corpo aparece não para ilustrar uma emoção, mas para interrogar a própria linguagem que tenta dizê-lo. Exatamente isso: interrogar! A imagem se dobra sobre si e produz reverberação ética porque não se trata apenas de “sentir mais”, e sim de sentir melhor.
O terceiro terceto lembrou-me algo se desfaz, mas em se desfazendo revela o que importa. A dicção abranda, o ritmo desacelera, e a sintaxe abre pequenas fendas de silêncio. Nessas fendas consegui escutar o que não está dito. Exatamente aí que mora a grandeza de Bioque Mesito.
Já no quarto terceto, o poema assume risco porque atravessa o íntimo sem confissões fáceis. O poeta não exibe mágoas nem propõe lições morais; busca proporção. Ao aparar excessos, encontra temperatura. É aí que a voz adquire timbre próprio. Bioque fala baixo, mas sua palavra pesa. A imagem central se recompõe, agora mais ampla; ganha campo sem perder foco. E eu, me emocionando junto.
O quinto terceto condensa tudo em um fechamento que não fecha. Não é epifania brilhosa, é resolução justa, tipo, aquela espécie de claro-escuro intelectual que respeita a ambiguidade do real (Sinceramente, amei esses versos).
Aliás, por afinidade de essência, tomo, inclusive a liberdade de convidar para a mesma mesa, um Rainer Maria Rilke e T. S. Eliot. De Rilke, Bioque herda a coragem de pensar o invisível sem perder a ancoragem sensível; de Eliot, a noção de que a experiência é uma espiral que retorna ao início com outro entendimento.
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Fontes (poetas citados):
Rainer Maria Rilke, “The First Elegy (Duino Elegies)”, diversas edições e traduções; versão consultada: Poetry Society of America / Poetry in Translation. T. S. Eliot, “Little Gidding” (Four Quartets), edição e excertos disponíveis em Poetry Archive/Columbia.
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