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O que escondem as cantigas de roda? Verdades ou apenas Imaginação?

Quem parou para pensar seriamente nesse tema foi o grande Câmara Cascudo. É com base nesses estudos perdidos no tempo, que foi produzido este texto.

16/10/2025 às 08h47
Por: Mhario Lincoln Fonte: Editoria do Facetubes
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Arte: facetubes/ginAI
Arte: facetubes/ginAI

Crédito: Plataforma Nacional do Facetubes c/Mhario Lincoln

 

O que será que tem por atrás das velhas cantigas de roda? Não sabe? Pois então vamos “começar do começo”, numa conotação poética bem suave. Muita gente lembra que era no quintal da infância, que se via muito esse tipo de brincadeira coletiva. Um ambiente onde a liberdade de pensamento voava de um canto ao outro e as pessoas decoravam e repetiam refrões inesquecíveis.

 

Na época, ninguém falava em sociologia, mas tudo estava dito: quem entra, quem sai, quem conduz, quem segue; o que é regra, o que é transgressão; o que é sonho e o que é limite. Anos depois, foi-se descobrir que a tal da “Cantiga de Roda” era uma espécie de livro sem capa, onde o povo anotava, sem saber, as lições que herdou dos avós.

 

Por outro lado, poucos se deram conta de que as cantigas de roda, lá no fundo, trazem ideias de cultura por baixo da melodia. Nelas, a infância treinava palavras e levava a um paraíso chamado ‘pertencimento’ essa palavrinha mágica tão usada por gregos e troianos, alguns, nem mesmo sabendo o que diz esse vocábulo. Aliás, para ilustrar, vale repetir o que o psiquiatra Ruy Palhano (colaborador nesta Plataforma) diz sobre "pertencimento": "é a saudade que só nasce de relações profundas e, que, por isso, nos constituem como sujeitos pertencentes (...)". Veja. Pertencimento é algo muito mais interno. De quem realmente vivenciou algo ou alguma coisa e essa vivência vem se extendendo por gerações. Desta forma acredito que "pertecer a alguma coisa", não é tão fácil e contestável, como a grande mídia fala.

 

Por isso, há quem levante alguns questionamentos bem interessantes e muito sérios que, na época, já poderiam servir para alertar a criançada diante de “estranhos caminhos da puberdade”, frase dita em uma página qualquer do romance de Frank Merkel.

 

“Escravos de Jó”, por exemplo, corre nas mesmas praças das cidades-natal. Contudo, arrasta consigo a ferrugem do cativeiro. O jogo de rodas, as peças que “jogavam caxangá”, o vai-e-vem da melodia: tudo é lúdico; e tudo é pista. A escravidão, inscrita na palavra “escravos”, permanece como fantasma doméstico; converte-se em brinquedo, não para celebrá-la, mas como resíduo de um país que demorou demais a dizer “basta”. Quando é repetido, sem pensar, a letra, a infância convive com um passado que ainda não se resolveu — e talvez por isso a cantiga provoque debates hoje: manter? Adaptar? Contextualizar? O que fazer com a cicatriz quando a festa começa?

  

Por exemplo, em “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré”, a brincadeira parece inofensiva (e é) todavia, carrega a sombra do espelho social: a criança, rindo, já pronuncia a gramática da desigualdade.

 

Buscando uma origem mais sólida a editoria de Pesquisa e Extensão desta Plataforma, chegou a um verbete que dizia assim: (...) eu sou pobre, pobre, de marré, marré” muito provavelmente veio de uma cantiga francesa que chegou ao Brasil no século XIX e foi se transformando na boca do povo. Há registro acadêmico que reconstrói a letra original como um joguinho cantado entre “mãe pobre” e “mãe rica”, com versos do tipo “Je suis pauvre… Anne-Marie Jacqueline… dans ce jeu d’ici” (“Eu sou pobre… Ana-Maria Jaqueline… neste jogo aqui”). Nessa leitura, marré” viria de “Marie” (Maria), comprimida pela fala, e “deci” viria de “d’ici” (“daqui”). Essa hipótese aparece explicada (com remissão a Câmara Cascudo) numa tese da PUC-SP e encaixa bem na estrutura lúdica da brincadeira(...)”. Tem muita lógica, então.

 

A verdade é que a maior parte das cantigas não foi composta para doutrinar ninguém; nasceram do folclore vivo, acumularam camadas de sentido, atravessaram séculos como quem atravessa um rio de pedras, pisando onde dava. Mas negar que digam algo do nosso modo de viver, seria tapar os ouvidos para o murmúrio da história.

 

Arte poética: facetubes/ginAI.

E mesmo assim, outra que parece só um namoro de flores é “O cravo brigou com a rosa”. O riso dos pequenos disfarça que a canção encena conflito, dor e reconcili(ação) como rotina afetiva. “O cravo saiu ferido, a rosa despedaçada.” É bonita a imagem, mas a beleza, de tão polida, esconde o medo de que a briga seja natural, inevitável e... brutal. A gente pode ouvir nela tanto o aprendizado simbólico das contradições do amor quanto uma 'normalização ou banalização' do ferir e ser ferido. Vale pérguntar: é possível cantar diferente sem quebrar a roda?

 

Talvez essa seja a dádiva e a responsabilidade dessas canções: oferecerem abrigo e espelho. Abrigo, porque juntam as mãos, sincronizam os passos, lembram que ninguém cresce sozinho. Espelho, porque deixam ver, no brilho das rimas, as marcas do tempo e as palavras que precisam ser limpas igual dores, que merecem explicação.

 

O folclore não é um museu imóvel: é uma casa ocupada. Se mudam as pessoas, mudam os objetos; se a rua pede outras narrativas, a roda abre espaço para novas falas. O que não pode mudar é o gesto de estar junto, esse ensaio de democracia que começa na palma da mão.

 

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Maria das Neves Azevedo Há 1 mês São Luís MA As cantigas de roda eram um alerta do coração. Àquela época já chamavam atenção para as camadas sociais " eu sou pobre, pobre, pobre... eu sou rica, rica, rica .".. e, mostravam que o rico e o pobre de mãos dadas, eram mais fortes. NEVES AZEVEDO.
Socorro Guterres Há 1 mês Natal/ RNLindo tema sobre as canções folclóricas brasileiras que ritmaram as brincadeiras infantis.
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