Terça, 18 de Novembro de 2025
15°C 22°C
Curitiba, PR
Publicidade

RUY Palhano: “Preconceito, um disfarce avassalador da violência”

Ruy Palhano é convidado da Plataforma Nacional do Facetubes.

21/10/2025 às 09h43 Atualizada em 21/10/2025 às 11h58
Por: Mhario Lincoln Fonte: Ruy Palhano
Compartilhe:
Professor, poeta e escritor Dr. Ruy Palhano.
Professor, poeta e escritor Dr. Ruy Palhano.


O preconceito, historicamente, sempre existiu, nós o produzimos e o cultivamos. Sempre houve distintos tipos de preconceitos ao longo dos tempos, podendo vaiar entre eles apenas, sua capacidade deletéria. Poder-se-ia até afirmar, que nós humanos somos preconceituosos por natureza. Vive-se em uma sociedade repleta de preconceituosas que, apesar dos imensos avanços tecnológicos e discursos avançados e progressistas, ainda carrega em seu cerne estruturas arcaicas que operam pela exclusão, segregação e pela discriminação. 


O preconceito é uma dessas estruturas — sutil, persistente e muitas vezes naturalizada. Ainda que pareça, à primeira vista, apenas uma opinião ou uma atitude individual, o preconceito é, de fato, uma prática social tremendamente violenta. Ele se manifesta como uma forma simbólica de agressão que marca, agride, marginaliza e inferioriza o outro com base em julgamentos prévios, antecipados muitas vezes desprovidos de fundamento real, improcedente.


A própria palavra "preconceito" já carrega em si a marca de sua arbitrariedade e segregação: ele, na realidade, nada mais é que um conceito formulado antes da experiência, antes do encontro com a alteridade. Essa antecipação do juízo, baseada em estereótipos, crenças ou conveniências sociais, nega ao outro o direito de ser reconhecido em sua singularidade, na sua essencialidade. É por isso que Pierre Bourdieu, ao tratar das violências simbólicas, compreende o preconceito como uma violência "suave", mas brutal em seus efeitos, pois atua sob o véu da normalidade, da tradição ou da moral coletiva.


A violência do preconceito não reside apenas nas palavras ofensivas ou nos atos explícitos de rejeição, mas sobretudo naquilo que impede o outro de se constituir como sujeito social pleno. Ao ser reduzido a uma cor, uma orientação sexual, uma condição física, uma religião ou uma origem geográfica, o indivíduo é desumanizado. Judith Butler adverte que toda negação do reconhecimento implica uma forma de aniquilação simbólica, pois ser reconhecido é condição para existir política e psicossocialmente.


Os principais tipos de preconceito na modernidade incluem o racismo, o machismo, a LGBTfobia, a gordofobia, o capacitismo, a xenofobia, o etarismo (preconceito etário) e a intolerância religiosa. Cada um desses preconceitos opera como um instrumento de exclusão social e produção avassaladora de sofrimento. Ainda que as legislações avancem no combate à discriminação, sua permanência no cotidiano demonstra que o preconceito não é apenas uma questão jurídica, mas estrutural e cultural.


O racismo, por exemplo, é uma das formas mais antigas e profundas de preconceito, sustentado por uma herança colonial que ainda molda as relações sociais e institucionais. O machismo, por sua vez, se manifesta na desigualdade de gênero, na violência contra a mulher e na desvalorização de sua presença nos espaços de poder. A LGBTfobia opera pela negação dos direitos civis e da liberdade afetiva, tornando-se uma máquina de exclusão e silenciamento.


O preconceito se revela, portanto, como uma violência que não necessariamente golpeia com armas ou agressões físicas, mas com palavras, gestos, olhares, omissões, piadas e estruturas que negam oportunidades. É uma violência cotidiana, silenciosa e persistente, muitas vezes aceita ou ignorada sob o argumento de "liberdade de opinião". No entanto, não há liberdade legítima onde há negação ou cerceamento da dignidade alheia.


 Do ponto de vista subjetivo, a experiência de sofrer preconceito pode produzir sentimentos de humilhação, vergonha, revolta, medo, isolamento e até internalização da inferioridade. A psicologia social já demonstrou que a exposição contínua à discriminação afeta profundamente a autoestima, podendo desencadear quadros depressivos, ansiosos e transtornos de estresse pós-traumático. O preconceito não apenas exclui: adoece.


Do ponto de vista filosófico, Emmanuel Lévinas nos lembra que o outro é o rosto que me convoca à responsabilidade. Quando o outro é reduzido a um estigma, rompemos essa ética da responsabilidade e instauramos a lógica da negação. A recusa do outro como legítimo é uma ruptura do pacto social. Hannah Arendt, por sua vez, via no preconceito um dos germes do totalitarismo: o começo da negação da pluralidade humana.


O preconceito não nasce do vazio. Ele nasce paulatinamente e é ensinado, reproduzido e institucionalizado e tem intencionalidade. Está nos sistemas educacionais que não contemplam a diversidade, nos meios de comunicação que estigmatizam determinados grupos, nas famílias que naturalizam discursos discriminatórios e nas religiões que excluem em nome da fé. O preconceito, assim, é uma construção social tremendamente violenta que exige desconstrução ativa e cotidiana.


A luta contra o preconceito não é apenas uma bandeira identitária: é uma necessidade civilizatória. Enfrentá-lo implica romper com estruturas cristalizadas de poder, questionar privilégios e ampliar os espaços de escuta, representatividade e justiça. Não se trata apenas de punir os atos de preconceito, mas de prevenir sua criação e reprodução pela educação, pela cultura e pela convivência social humana, harmônica e respeitosa.


Na era digital, os preconceitos encontram novos formatos e espaços para se disseminar. As redes sociais, ao mesmo tempo que permitem visibilidade às minorias, também se tornaram palco para discursos de ódio, ataques coordenados e cancelamentos seletivos. O preconceito se reinventa na linguagem, nos algoritmos e nas bolhas ideológicas. Isso amplia o alcance da violência e torna ainda mais urgente a construção de uma ética pública do respeito.


A superação do preconceito não virá por decreto, mas por uma mudança profunda nas formas de nos relacionarmos. É preciso substituir o juízo antecipado pela escuta atenta, o olhar desconfiado pelo encontro genuíno, a categorização pela sensibilidade ética. A melhor via de impedimentos e contestação ao preconceito é via educação é aí que criamos forças para disseminar o amor e o respeito às singularidades de cada ser humano.


É nesse espaço de comunhão que o preconceito pode ser combatido. Reconhecer o preconceito como uma forma de violência avassaladora é o primeiro passo para desmontar suas engrenagens. A violência simbólica do preconceito, pode não deixar hematomas, sangramentos visíveis, mas fere a alma, tolhe a liberdade e compromete o direito de existir. Só uma sociedade que reconhece a dignidade do outro — em sua diferença e pluralidade — poderá ser, de fato, justa. Desprezar o preconceito é um gesto ético, um compromisso político e uma exigência humana incomensurável que todos nós teremos que assumir em nossas responsabilidades sociais.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Joizacawpy Há 1 mês São Luís Perfeito! Vivemos numa sociedade minada de preconceito nos mais variados aspectos. Com certeza atitudes preconceituosas deixam marcas profundas que se cristalizam em traumas,uns podem ser reversíveis outros não. Texto mais que oportuno, aplausos.
Mostrar mais comentários
Curitiba, PR
16°
Tempo nublado

Mín. 15° Máx. 22°

16° Sensação
4.63km/h Vento
93% Umidade
100% (6.31mm) Chance de chuva
05h20 Nascer do sol
06h44 Pôr do sol
Qua 24° 11°
Qui 26° 14°
Sex 25° 12°
Sáb 26° 13°
Dom ° °
Atualizado às 21h01
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,32 -0,12%
Euro
R$ 6,16 -0,05%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 508,998,10 -1,51%
Ibovespa
156,992,94 pts -0.47%
Publicidade
Lenium - Criar site de notícias