
O preconceito, historicamente, sempre existiu, nós o produzimos e o cultivamos. Sempre houve distintos tipos de preconceitos ao longo dos tempos, podendo vaiar entre eles apenas, sua capacidade deletéria. Poder-se-ia até afirmar, que nós humanos somos preconceituosos por natureza. Vive-se em uma sociedade repleta de preconceituosas que, apesar dos imensos avanços tecnológicos e discursos avançados e progressistas, ainda carrega em seu cerne estruturas arcaicas que operam pela exclusão, segregação e pela discriminação.
O preconceito é uma dessas estruturas — sutil, persistente e muitas vezes naturalizada. Ainda que pareça, à primeira vista, apenas uma opinião ou uma atitude individual, o preconceito é, de fato, uma prática social tremendamente violenta. Ele se manifesta como uma forma simbólica de agressão que marca, agride, marginaliza e inferioriza o outro com base em julgamentos prévios, antecipados muitas vezes desprovidos de fundamento real, improcedente.
A própria palavra "preconceito" já carrega em si a marca de sua arbitrariedade e segregação: ele, na realidade, nada mais é que um conceito formulado antes da experiência, antes do encontro com a alteridade. Essa antecipação do juízo, baseada em estereótipos, crenças ou conveniências sociais, nega ao outro o direito de ser reconhecido em sua singularidade, na sua essencialidade. É por isso que Pierre Bourdieu, ao tratar das violências simbólicas, compreende o preconceito como uma violência "suave", mas brutal em seus efeitos, pois atua sob o véu da normalidade, da tradição ou da moral coletiva.
A violência do preconceito não reside apenas nas palavras ofensivas ou nos atos explícitos de rejeição, mas sobretudo naquilo que impede o outro de se constituir como sujeito social pleno. Ao ser reduzido a uma cor, uma orientação sexual, uma condição física, uma religião ou uma origem geográfica, o indivíduo é desumanizado. Judith Butler adverte que toda negação do reconhecimento implica uma forma de aniquilação simbólica, pois ser reconhecido é condição para existir política e psicossocialmente.
Os principais tipos de preconceito na modernidade incluem o racismo, o machismo, a LGBTfobia, a gordofobia, o capacitismo, a xenofobia, o etarismo (preconceito etário) e a intolerância religiosa. Cada um desses preconceitos opera como um instrumento de exclusão social e produção avassaladora de sofrimento. Ainda que as legislações avancem no combate à discriminação, sua permanência no cotidiano demonstra que o preconceito não é apenas uma questão jurídica, mas estrutural e cultural.
O racismo, por exemplo, é uma das formas mais antigas e profundas de preconceito, sustentado por uma herança colonial que ainda molda as relações sociais e institucionais. O machismo, por sua vez, se manifesta na desigualdade de gênero, na violência contra a mulher e na desvalorização de sua presença nos espaços de poder. A LGBTfobia opera pela negação dos direitos civis e da liberdade afetiva, tornando-se uma máquina de exclusão e silenciamento.
O preconceito se revela, portanto, como uma violência que não necessariamente golpeia com armas ou agressões físicas, mas com palavras, gestos, olhares, omissões, piadas e estruturas que negam oportunidades. É uma violência cotidiana, silenciosa e persistente, muitas vezes aceita ou ignorada sob o argumento de "liberdade de opinião". No entanto, não há liberdade legítima onde há negação ou cerceamento da dignidade alheia.
Do ponto de vista subjetivo, a experiência de sofrer preconceito pode produzir sentimentos de humilhação, vergonha, revolta, medo, isolamento e até internalização da inferioridade. A psicologia social já demonstrou que a exposição contínua à discriminação afeta profundamente a autoestima, podendo desencadear quadros depressivos, ansiosos e transtornos de estresse pós-traumático. O preconceito não apenas exclui: adoece.
Do ponto de vista filosófico, Emmanuel Lévinas nos lembra que o outro é o rosto que me convoca à responsabilidade. Quando o outro é reduzido a um estigma, rompemos essa ética da responsabilidade e instauramos a lógica da negação. A recusa do outro como legítimo é uma ruptura do pacto social. Hannah Arendt, por sua vez, via no preconceito um dos germes do totalitarismo: o começo da negação da pluralidade humana.
O preconceito não nasce do vazio. Ele nasce paulatinamente e é ensinado, reproduzido e institucionalizado e tem intencionalidade. Está nos sistemas educacionais que não contemplam a diversidade, nos meios de comunicação que estigmatizam determinados grupos, nas famílias que naturalizam discursos discriminatórios e nas religiões que excluem em nome da fé. O preconceito, assim, é uma construção social tremendamente violenta que exige desconstrução ativa e cotidiana.
A luta contra o preconceito não é apenas uma bandeira identitária: é uma necessidade civilizatória. Enfrentá-lo implica romper com estruturas cristalizadas de poder, questionar privilégios e ampliar os espaços de escuta, representatividade e justiça. Não se trata apenas de punir os atos de preconceito, mas de prevenir sua criação e reprodução pela educação, pela cultura e pela convivência social humana, harmônica e respeitosa.
Na era digital, os preconceitos encontram novos formatos e espaços para se disseminar. As redes sociais, ao mesmo tempo que permitem visibilidade às minorias, também se tornaram palco para discursos de ódio, ataques coordenados e cancelamentos seletivos. O preconceito se reinventa na linguagem, nos algoritmos e nas bolhas ideológicas. Isso amplia o alcance da violência e torna ainda mais urgente a construção de uma ética pública do respeito.
A superação do preconceito não virá por decreto, mas por uma mudança profunda nas formas de nos relacionarmos. É preciso substituir o juízo antecipado pela escuta atenta, o olhar desconfiado pelo encontro genuíno, a categorização pela sensibilidade ética. A melhor via de impedimentos e contestação ao preconceito é via educação é aí que criamos forças para disseminar o amor e o respeito às singularidades de cada ser humano.
É nesse espaço de comunhão que o preconceito pode ser combatido. Reconhecer o preconceito como uma forma de violência avassaladora é o primeiro passo para desmontar suas engrenagens. A violência simbólica do preconceito, pode não deixar hematomas, sangramentos visíveis, mas fere a alma, tolhe a liberdade e compromete o direito de existir. Só uma sociedade que reconhece a dignidade do outro — em sua diferença e pluralidade — poderá ser, de fato, justa. Desprezar o preconceito é um gesto ético, um compromisso político e uma exigência humana incomensurável que todos nós teremos que assumir em nossas responsabilidades sociais.
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