
Editoria de Música | Plataforma Nacional do Facetubes
Olha, só que extraordinário: 45 anos depois, “Pedra de Cantaria” lançado em fevereiro de 1980, continua soando como ata de nascimento da identidade sonora de São Luís que, àquela altura, já respirava poesia e começava a entender sua própria força. O disco não foi apenas uma coletânea de 11 faixas bem lapidadas; foi um gesto de afirmação. Valdelino Cécio, poeta e agitador cultural, e Chico Maranhão, já consagrado e incansável militante de uma música feita com raízes próprias, conceberam o Projeto Guriatã e o viabilizaram pela 'Fundação Cultural do Maranhão', em convênio com a Funarte.
A ambição era simples, mesmo sendo enorme: registrar uma linguagem que vinha dos sotaques do bumba-meu-boi, do tambor de crioula, das toadas do Lelê, das ladainhas do Divino, do salitre que envolve os casarões da ilha. "O Maranhão precisava ser ouvido fora do eixo, com nome e sobrenome", gritava um dos maiores nomes da música brasileira, o maranhense Ubiratan Sousa, maestro e um dos primeiros a levar a alma musical do Maranhão para o Mundo.
E assim, "Pedra de Cantaria" (o próprio título já é um chamamento excepcional), poderia ser o start de tudo porque o elenco era simplesmente impressionante pela organicidade. As canções de Chico Maranhão, Ubiratan Sousa, Sérgio Habibe, Josias Sobrinho, Zé Pereira Godão, Giordano Mochel e Adler São Luís receberam arranjos 'feitos à mão', pelos imensos Marcelo Carvalho, Ubiratan Sousa, Josias Sobrinho e do próprio Habibe. Com talento e desenvoltura desbravadora (era difícil se fazer trabalhos com essa qualidade, na época). Mas eles desenharam as peças como quem talha pedra.
Os violões de Ubiratan Sousa e Hilton Filho sustentam o corpo da obra; os sopros afinados de Zezé da Flauta e Vanilson, o LP, soa ar e respiração; o acordeon de Marcelo Carvalho provoca; a viola de Omar Cutrim firma o chão; o cavaquinho de Beto Pereira disciplina; Arlindo Carvalho e Manoel Pacífico conduzem o pulsar da percussão: tudo sem eletrônicos, sem metais, sem espalhafato, mas com precisão de oficina. A "(...) síntese estética é também ética. O disco foi gravado em apenas cinco dias, em regime de mutirão, num pequeno estúdio em Belém do Pará, com orçamento curto e convicção longa", completa Ubiratan Sousa com quem a editoria desta página conversou longamente. Desta forma, esse trabalho é de uma transparência que ainda surpreende.
As faixas contam uma história que vai da devoção à denúncia, do lirismo à crônica social. “Verônica”, de Chico Maranhão, abre como oração sem ornamento, na voz límpida de Glória Corrêa, e já instala a ideia de que beleza e rigor podem caminhar juntos. “Terra de Noel”, de Josias Sobrinho, desata a linguagem do samba no Maranhão e afirma liberdade no momento em que o país, à saída do chumbo, aprendia a escolher. “São Francisco”, de Zé Pereira Godão, é baião que encara a desigualdade de frente, ainda atual na sua crueza. “Olho D’Água”, de Sérgio Habibe e Hilton Filho, antecipa o grito ecológico e o respeito aos povos originários com assombrosa atualidade. “Baltazar”, de Giordano Mochel, olha a cidade pelo mar e devolve aquarela; “Porco Espinho”, de Josias, trabalha metáforas afiadas; “Voo Nupcial”, de Ubiratan Sousa e Souza Netto, eleva a linguagem sem perder o corpo; “Alegria da Ilha”, de Adler São Luís e Valdelino Cécio, vira matraca na curva e abraça o boi; “Situba”, de Giordano, abre o coração com varinha de condão; “Cavalo Cansado”, de Habibe, ama Alcântara pelas ruínas; “Bandeireiro do Divino”, de Ubiratan e Souza Netto, fecha como procissão: caixas, bandeira e a cidade convocada a cantar.
“Pedra de Cantaria” foi pensado para “forrar as ruas, as praças e avenidas do coração”, como escreveu Valdelino. Cumpriu a promessa. O que nele se ouve não é apenas repertório; é modelo de pertencimento. Ao escolher timbres de madeira e sopro, o disco fixou uma cor que hoje reconhecemos como MPM. Destarte, ao reunir vozes e mãos que viriam a marcar gerações, esse LP abriu o caminho para que a produção maranhense dialogasse em pé de igualdade com qualquer regionalismo brasileiro da época.
Talvez por isso reverbere tanto. Um detalhe é claro. Quem ouve se vê! E vê a ilha, os altares, as janelas abertas para a baia de São Marcos, a poeira dos ensaios, a fé das festas, a ferida das ausências, o país que mudava, na época. É um clássico porque não envelhece. Permanece aceso onde importa.
O músico, produtor e compositor Chiquinho França, por sua vez, desde essa época, também lutava por tentar cravar a estaca da musicalidade maranhense no Brasil. Lutou e luta até hoje para que isso aconteça. E diante dessa produção incomensurável, o LP "Pedra de Cantaria", ele disse à reportagem: "(...) a importância dessa produção está na lembrança de quem um dia entendeu que identidade não é moldura, é pedra viva", completa. Assim, "Pedra de Cantaria" encanta; continua a encantar e cantar nas ondas sonoras das últimas pequenas ondas que beijam as escadas do Cais da Sagração, num por-do-sol dos mais lindos do Planeta: o de São Luís do Maranhão.
Vale recordar alguns dos monstros sagrados que tornaram a música do Maranhão, viável para o Brasil:
1- Sergio Habibe
2-Paulo Trabulsi
3- UbiratanSousa
4- Chico Saldanha
5- Rodrigo (percussionista)
6- Chico Maranhão
7-Ronald Pinheiro
8-Valdelino Cécio
9- Zezé da Flauta
10- Vanilson( flauta); e
11 - Antonio Vieira.
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