Cordel Brasileiro e o Meio Ambiente
Esmeralda Costa*
O Dia da Natureza e o Dia Mundial dos Animais, ambos celebrados em 4 de outubro, destacam a importância de refletir sobre o impacto das ações humanas no meio ambiente e nos seres vivos. No Brasil, queimadas e alagamentos, muitas vezes causados por atividades humanas como desmatamento e expansão agropecuária, têm se tornado mais frequentes, afetando ecossistemas e populações. As mudanças climáticas intensificam esses problemas, resultando em secas e chuvas mais fortes. Para enfrentar esses desafios, é fundamental fortalecer políticas ambientais, adotar práticas sustentáveis e promover a educação ambiental.
A literatura de cordel, com suas rimas simples e estilo direto, tem um papel fundamental na preservação e disseminação de valores culturais e sociais no Brasil. Quando aplicada à temática ambiental, sua importância se torna ainda mais evidente. Os cordéis sobre o meio ambiente têm a capacidade de sensibilizar e conscientizar as pessoas, especialmente as comunidades rurais e as populações mais vulneráveis, sobre a importância de preservar a natureza e enfrentar os problemas ecológicos.
Ao trazer temas como o desmatamento, as queimadas, a poluição dos rios, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas, o cordel traduz de forma acessível e envolvente a gravidade dessas questões. Por meio da tradição oral e da distribuição impressa, esse formato permite que informações e reflexões ambientais cheguem a um público que, muitas vezes, não teria acesso a discussões mais técnicas ou acadêmicas.
A importância do cordel ambiental também está na sua capacidade de criar uma conexão emocional entre as pessoas e a natureza. As narrativas envolventes, com personagens que vivenciam os impactos da degradação ambiental, despertam a empatia e a reflexão. Além disso, os cordéis conseguem retratar a cultura local, as paisagens e os biomas específicos, como o sertão nordestino, a floresta amazônica ou o cerrado, tornando o tema ambiental ainda mais próximo da realidade de quem lê ou ouve.
Cordéis com essa temática não apenas educam, mas também inspiram ações. Ao contar histórias de comunidades que superam dificuldades ambientais, ou de indivíduos que se mobilizam para proteger a fauna e a flora, esses textos podem incentivar atitudes mais sustentáveis e o engajamento em causas ecológicas.
Enfatizando a importância da preservação do meio ambiente e de valorizar obras em Literatura de Cordel envolvendo as questões ambientais, trazemos aqui os fantásticos trabalhos de dois grandes cordelistas de Belo Horizonte.
O primeiro texto em Literatura de Cordel intitulado "Cordel sobre o Cerrado", de Olegário Alfredo (Mestre Gaio), é uma denúncia poética sobre a destruição do bioma cerrado, um dos mais ricos em biodiversidade do Brasil. O poeta enfatiza a importância do cerrado para a vida, destacando sua riqueza em plantas, animais, nascentes e minerais, e lamenta a devastação causada pela ação humana, especialmente pelas queimadas e pela ganância que resulta em monoculturas, como o eucalipto.
O texto ressalta o cerrado como um patrimônio natural, presente em várias regiões do Brasil, como Minas Gerais, Goiás e o Distrito Federal. O autor critica o preconceito contra suas árvores tortas, que, na verdade, fazem parte de um ecossistema perfeito. Ele também lamenta o sofrimento dos animais que não conseguem escapar das queimadas, mas menciona a resiliência do bioma, que consegue se regenerar após o fogo.
A obra faz um apelo à proteção do cerrado, convocando a união de todos para combater sua degradação e reconhecer o direito da natureza de existir. Além disso, critica a atuação das multinacionais que exploram o cerrado e promovem práticas destrutivas como a monocultura. A mensagem final é de respeito ao ciclo natural da vida, mantendo a criação divina intacta.
Você pode conferir o texto escrito em sextilhas através do link:
https://cantinhopo.blogspot.com/2024/10/cordel-sobre-o-cerrado.html
Além deste trabalho, o Mestre Gaio também é autor do cordel: “Que planta medicinal é essa?”
Leia algumas estrofes do referido cordel:
Esbarrando nesta planta
Ela queima que castiga
Regula a menstruação
E irritação na bexiga
Corrimento de mulher
Só se cura com? URTIGA.
Se curtida na cachaça
Melhor do que ela não há
Serve para matar vermes
Se tomada como chá
Dor de estômago só se cura
Ao tomar o PACOVÁ.
Pra voltar à virgindade
É erva de primeira mão
Também é cicatrizante
Misturada com limão
Cura úlcera e gastrite
O tal do BARBATIMÃO.
Biografia de Olegário Alfredo (Mestre Gaio)
Olegário Alfredo da Silva, também conhecido como mestre Gaio, é mineiro de Teófilo Otoni. Reside em Belo Horizonte desde 1969. É poeta, escritor, haicaísta, contador de histórias, xilogravurista e cordelista. Membro titular da ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel, titular da Cadeira nº 9 e membro da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni, cadeira nº 18. É mestre de capoeira e grande parte de sua produção literária dialoga com as expressões da cultura popular brasileira ou com a temática do meio ambiente. Ministrou oficinas de cordel e xilogravura em diversas escolas municipais, estaduais e federais em variados anos. Em literatura de cordel possui mais de 100 livretos publicados de forma independente, além de cordel livros, que é um cordel em forma de livro tradicional com capa dura e ilustrações no miolo. Um trabalho belíssimo!
Confira também:
https://www.blogger.com/profile/00424157206238729396
https://youtube.com/shorts/tpMSjOgG_7k?si=dXWJF5s1beDBXEk_
Nesta edição, vamos ressaltar também o trabalho do poeta Ricardo Evangelista, poeta cordelista muito criativo autor do Eco Cordel e também o criador do Saciólogo, um personagem que como o lendário Saci Pererê, procura proteger a natureza. Vamos conversar com o poeta através de entrevista. E ele começa apresentando-se através de uma sexttilha autobiográfica:
Sou Ricardo Evangelista
poeta de alta colina
o meu pai chama José
minha mãe chama Divina
meu avô foi bom guerreiro
minha avó preta Avelina.
1- Poeta Ricardo Evangelista, conta pra gente o que é o Eco Cordel e como ele surgiu?
O Eco Cordel divulga cordeis sobre Ecologia e surgiu quando criei a Palestra-performance: "Ecologia com cordel: ecologia e Povo Krenak". Em 2023 eu recebi Ailton Krenak na Semana da Poesia Popular Lagoa do Nado do qual fui o criador e preparei esta homenagem em cordel. A partir do estudo das obras de Ailton Krenak, eu procurei aprofundar sobre o pensamento originário. Com isso busquei sintetizar para crianças e jovens o Cordel Homenagem ao povo Krenak e fazer uma performance poética para o público. Vou falar, declamar e cantar sobre ecologia, a partir da cosmovisão dos povo Krenak, com interatividade, brincadeiras, versos, sons. Faço uma vivência poética e jogo com o instante presente. Através da arte performática trabalhamos a consciência ecológica. O que os rios falam? Poesia da importância da água. Uma questão de educação contínua e permanente para todas as mentes e idades.
2- Quando você se descobriu poeta cordelista e que autores inspiram a sua obra poética?
Falo e memorizo versos desde a adolescência. Meste Thibau foi uma referência como repentista. Temos nosso repente, o calango, labiado mineiro. De lá pra cá leio muita gente: Drummond, Rosa, Ailton Krenak, Adélia Prado, Conceição Evaristo, Cecília Meireles, Ariano Suassuna, e os clássicos do cordel, referências maiores. Acho que minha poesia vem de alguma paixão que tive de amor perdido.
3. O que lhe inspirou a trazer questões ambientais para o universo do cordel?
A sensibilidade com o tema é desde a infância e adolescência. Depois na faculdade de sociologia surgiram muitos questionamentos. O que me inspirou a trazer questões ambientais pro cordel, aqui nas montanhas de Belo Horizonte, foi ver o impacto da urbanização na natureza que nos cerca. As árvores derrubadas, o ar poluído e as águas dos rios contaminadas me chamaram a atenção. Percebi que o cordel podia ser uma forma de despertar nas pessoas a consciência ecológica, conectando a beleza natural das montanhas e do cerrado à necessidade de preservá-las
4. Como você enxerga o papel da literatura de cordel na conscientização sobre a preservação do meio ambiente?
O cordel tem um papel poderoso de educar, especialmente porque dialoga com o povo de forma simples e direta. Ele alcança as comunidades mais distantes e faz a ponte entre o conhecimento e a prática. Quando falo de meio ambiente, o cordel se transforma num instrumento de alerta, sensibilizando sobre a importância de preservar o que temos.
5. Que temas ambientais você já explorou em seus cordeis? Pode citar alguns exemplos?
Já abordei temas como a poluição dos rios,o desmatamento e as queimadas, entre outros, são questões que afetam tanto a vida humana quanto a vida selvagem.
6. Existe algum desafio específico ao abordar questões ambientais em um gênero tão tradicional quanto o cordel?
O maior desafio é ao mesmo tempo prazeroso, que é o de respeitar a tradição do cordel e trazer temas modernos e urgentes como o aquecimento global ou a devastação ambiental. Mas ao cordel se adapta uma grande variedade de temas e portanto o resultado é por demais gratificante.
7. Como o público reage quando o tema de seus cordeis é relacionado ao meio ambiente? Você sente que há um impacto?
O público muitas vezes não espera encontrar temas ecológicos no cordel, mas a reação é geralmente positiva. Sinto que há um impacto sim, especialmente entre jovens e pessoas que vivem em áreas mais vulneráveis. Quando eles veem as questões ambientais contadas de forma simples e direta, isso cria uma identificação maior.
8. De que forma você conecta as tradições populares nordestinas com questões ambientais globais, como as mudanças climáticas?
Conecto as tradições nordestinas e mineiras às questões globais mostrando que o problema do clima e do meio ambiente não tem fronteiras. As secas que afetam o Nordeste, as queimadas no Cerrado ou os desastres em Minas Gerais são reflexos de algo maior, que atinge o mundo todo. Os cordéis ajudam a trazer essa visão global, mas sempre com um pé na realidade local.
9. Você acredita que o cordel pode contribuir para o engajamento de comunidades rurais em práticas mais sustentáveis?
Com certeza! O cordel tem o poder de mobilizar comunidades rurais para práticas sustentáveis. Falo de soluções simples, como preservar nascentes, evitar o uso de produtos tóxicos e cuidar das florestas. O cordel faz o povo ver que, sem a natureza, não há vida no campo.
10. Qual a importância da preservação do meio ambiente para a cultura nordestina, e como você busca representar isso em seus versos?
O meio ambiente faz parte da cultura nordestina e mineira. A caatinga, o cerrado, as montanhas e os rios são elementos fundamentais da identidade desses povos. Nos meus versos, busco representar essa relação íntima entre a terra e o homem, mostrando que a preservação do meio ambiente é também a preservação da nossa história e do nosso futuro.
11. Como você equilibra o tom educativo com a parte poética e narrativa do cordel ao tratar de temas como desmatamento, poluição e aquecimento global?
O equilíbrio vem naturalmente quando a gente ama o que escreve. Trago histórias e personagens que enfrentam os desafios ambientais, mas sempre com uma dose de poesia e emoção. Ao tratar de desmatamento ou poluição, eu humanizo o problema, conectando o leitor ao sofrimento da terra e das pessoas. A poesia toca, enquanto a narrativa educa.
12. Existem autores ou obras de cordel que lhe influenciam a escrever sobre temas ambientais?
Sou influenciado por grandes mestres do cordel, como Zé da Luz e Leandro Gomes de Barros, mas também por autores contemporâneos que se dedicam à temática social. Além disso, a obra de Carlos Drummond de Andrade, mesmo fora do cordel, me inspira muito, com sua visão crítica do progresso e da devastação ambiental.
Podemos conferir parte do trabalho do poeta Ricardo Evangelista nas plataformas e redes sociais que ele faz uso. Veja alguns links:
https://youtu.be/GPOjoRf2BGg?si=WXC_oJCbx5eue4-V
https://youtu.be/UC0R5vifhHA?si=RwkF-3Gewe20HVJA
https://youtu.be/Wn0SzEOJPok?si=NfPJtkR_lzCr_Cth
Como podemos observar, os cordeis sobre o meio ambiente resgatam o poder transformador da arte popular, sendo uma ferramenta importante na luta pela conscientização e preservação do planeta. Em tempos de crise ambiental global, eles podem ajudar a formar uma consciência ecológica que alcance todos os cantos do Brasil, promovendo a valorização do nosso patrimônio natural e cultural.
E assim concluímos mais uma coluna Cordel Brasileiro, agradecendo primeiramente ao Grande Autor da Criação que continua inspirando nossas mentes e os nossos cordelistas. E claro, não podemos deixar de agradecer aos nossos leitores que sempre acompanham o nosso trabalho com elevado carinho e reconhecimento.
Um grande abraço a cada um e até a próxima!
Esmeralda Costa (Campos Sales-CE), membro da Academia Poética Brasileira (APB), Academia Cearense de Literatura de Cordel (ACLC), Academia Groairense de Letras (AGL) e Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB).