Editoria do Facetubes: Carolina Maria de Jesus, autora do emblemático "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", continua a brilhar como um dos maiores nomes da literatura brasileira. Mulher negra, mãe solo e catadora de papel, Carolina registrou em suas palavras as agruras e os sonhos de uma vida vívida à margem da sociedade.
Com base nisso, a poeta e cordelista cearense Esmeralda Costa, reconhecida por sua maestria na arte do cordel, presta uma emocionante homenagem a Carolina de Jesus com um longo cordel que destaca a força e a luz de sua trajetória. A quadra final de Esmeralda reflete a essência da luta de Carolina: um farol de luz intensa que ilumina as questões sociais ainda tão presentes no Brasil contemporâneo. Escrito com profundo carinho e emoção, o cordel não apenas celebra a memória de Carolina, mas também confirma a importância de sua obra como um parâmetro para o entendimento e a transformação social. O tributo de Esmeralda Costa reafirma o valor cultural e histórico de "Quarto de Despejo". O cordel de Esmeralda se torna, assim, uma ponte entre gerações, reavivando a memória de Carolina e incentivando novos olhares sobre a literatura como instrumento de luta e reflexão.
Autora: Esmeralda Costa
Nas páginas do seu diário,
Escreve uma favelada,
E por volta de sessenta
Vira obra publicada.
É o principal escrito
Da mulher tão devotada.
Com olhar que vem de dentro,
Ela fala da pobreza,
Vai quebrando estereótipos
Que revelam a proeza
Da mulher autodidata,
Cada escrito tem riqueza.
Tem por nome Carolina,
Nasceu em Minas Gerais.
A mulher batalhadora,
Dedicada por demais,
Na favela Canindé,
Escreveu seus muitos ais.
Denunciou violências
E brigas dos moradores,
Sexo explícito nas ruas,
Com atos reveladores,
Bem na frente das crianças,
De senhoras e senhores.
A violência social
Por demais incomodava.
A miséria era o retrato
Que a favela revelava,
E a dor que eles mais sentiam
Era a fome que apertava.
É uma obra que retrata
De maneira bem fiel
A realidade triste,
Cotidiano tão cruel
De uma negra, mãe solteira,
Catadora de papel.
Na obra se pode ver,
Com grande autenticidade,
A luta de Carolina
Naquela comunidade,
Que enfrentava desafios
E a dura realidade.
Dois anos ela estudou
Do ensino fundamental,
Mas nunca considerou
Ser esse o ponto final.
Com garra se dedicou,
Fez lição especial.
Acordava muito cedo,
E se dedicava a ler,
Também ia buscar água,
Necessária pra o viver,
Pois só tinha uma torneira
Pra favela abastecer.
Uma obra para estudos,
Culturais e sociais.
Seja no nosso país,
Seja também nos demais.
Por ser obra atemporal
Faz sucesso mais e mais.
Jornalista Audálio Dantas
A obra prefaciou.
Fez sim pequenos ajustes
E a essência não mudou,
Linguagem de Carolina
Ele muito preservou.
Em vinte cadernos sujos
A história foi manuscrita,
Pra depois vir publicar
A obra por ela escrita.
Muito embora existam outras,
É pra muitos favorita.
Tem uma linguagem simples
Que foge ao padrão formal.
Mas tem outra rebuscada,
Primorosa por total;
São palavras de quem fez
Da leitura essencial.
Carolina se destaca
Pela sua educação.
Cuida sim da sua vida,
Dos filhos, do barracão.
Mas tem muita gente má
Que lhe causa humilhação.
Vive com simplicidade,
Dedicação e decência.
É por vezes humilhada,
Mas revela resistência.
E não se deixa abalar
Pela gente sem clemência
Seus filhos sabe criar
Com alma e com coração,
E a cada um sabe dar
Perfeita orientação.
Mas as perversas vizinhas
Os maltratam de montão.
Humilhavam Carolina
As mulheres da favela,
Pouquíssimas tinham classe
Ou requinte de donzela.
E espancavam sem piedade
Os pequenos filhos dela.
E não era nada fácil
Viver naquele lugar;
Ver os filhos passar fome
E fome ter que passar,
Mas a grande Carolina
Não deixava de sonhar.
Sonhava ter uma casa
E também roupas melhores.
Vivia catando lixo
Por todos os arredores,
Pois precisava atender
Necessidades maiores.
E Carolina sabia
Tratar todos com decência,
Tratava bem as crianças
Com muita benevolência,
Mas muitas lhe apelidavam
Sem nenhuma complacência.
Sair daquela favela
Era o que ela mais queria.
Pra realizar seu sonho,
Ela lia e escrevia,
E publicar o seu livro
Era a esperança que via.
Na década de cinquenta
Essa história se passou.
Cinquenta e cinco à sessenta
Sua autora registrou.
Desses, apenas dois anos
Nesta obra não constou.
Ano de cinquenta e seis
A obra não relatou
Também o cinquenta e sete
No seu texto não constou.
A vida era rotineira:
Fato que se observou.
Em pleno século vinte
Essa história aconteceu.
Sobre o tempo e o espaço
A Carolina escreveu;
E a favela Canindé
Fielmente descreveu.
Uma obra para estudo,
Para a vida conhecer;
Que com tantos sacrifícios
Traz lições para aprender.
Por isso em vestibulares
Podem ela requerer.
Traduzida em treze línguas
Que a tornaram referência.
Dos aspectos sociológicos
Encontramos deferência,
E também dos culturais
A gente toma ciência.
Tem figuras de linguagem
Nessa grande narrativa.
Sendo o quarto, uma metáfora
Muito representativa,
Fala da realidade
De forma conotativa.
A fome era o principal
Dilema dos favelados.
Eram muitos os pedintes
À esmolas sujeitados.
Que pena ver os pequenos
Pela fome condenados.
Carolina, mulher forte,
Foi guerreira destemida,
Os seus três filhos criou
Enfrentando dura lida;
Enfrentou até a fome,
Mas não desistiu da vida.
A cidade de São Paulo
Carolina comparava
À uma sala de visitas
O centro ela equiparava,
E a favela era o depósito
De tudo que não prestava.
Favela do Canindé
Uma via se tornou.
Com favelados dispersos
A marginal se formou,
E muitas outras favelas
Em São Paulo se criou.
Esta obra eu recomendo.
É obra sensacional,
Pois desperta a consciência
Política e social,
Convidando a dar valor
Para a vida cultural.
Luta da mulher de fé,
Não podemos esquecer.
Com a obra registrada
Fez a história valer,
E a publicação do livro
Garantiu novo viver.
Por ter asma partiu jovem.
Sua luta ainda seduz.
O seu Quarto de Despejo
É farol de intensa luz,
A Carolina Maria,
Tinha que ser de Jesus.