Por Orquídea Santos
Em meio a um plenário quase deserto, na véspera do feriado de 1º de Maio, o Senado Federal aprovou de forma simbólica, sem votos nominais, um projeto que promete mudar profundamente a forma como o brasileiro consome chocolate. A proposta, que agora segue para análise na Câmara dos Deputados, define novos percentuais mínimos de cacau e leite para diferentes categorias do produto — como o chocolate ao leite, branco, meio amargo e também o chocolate em pó — e poderá impactar diretamente desde a indústria alimentícia até o consumidor final nas prateleiras de mercados.
A essência do projeto é clara: assegurar mais qualidade, autenticidade e transparência ao que hoje é, muitas vezes, vendido como chocolate, mas que mal carrega traços do cacau original. A nova legislação exige a declaração do percentual de cacau nos rótulos e nas peças publicitárias, uma medida que permitirá ao consumidor entender o que realmente está comprando. Muitos produtos vendidos no Brasil atualmente, embora embalados como “chocolate”, possuem teores ínfimos de cacau, substituídos por aromatizantes, açúcares e gorduras vegetais não especificadas. Pela proposta, inclusive, fabricantes serão obrigados a indicar de forma clara e destacada quando houver substituição da tradicional manteiga de cacau por outras gorduras vegetais — uma prática comum, mas pouco conhecida por quem consome.
A legislação, inspirada em modelos adotados na União Europeia e nos Estados Unidos, responde à pressão de nutricionistas, consumidores e especialistas em segurança alimentar, que há anos alertam para a banalização do produto. No Brasil, o percentual de cacau pode ser tão baixo em algumas marcas que o “chocolate” se assemelha mais a uma sobremesa açucarada industrializada do que a uma iguaria feita a partir da fruta amazônica. O projeto aprovado propõe elevar o padrão do chocolate ao leite, por exemplo, para conter ao menos 25% de cacau, enquanto o chocolate meio amargo deverá apresentar um mínimo de 35%. O chocolate branco, por sua vez, deverá conter ao menos 20% de manteiga de cacau, um ingrediente fundamental para que ele deixe de ser apenas gordura hidrogenada com açúcar e aroma de baunilha.
Segundo a senadora Professora Dorinha (União-TO), relatora da matéria, o projeto busca valorizar o produtor brasileiro de cacau e garantir uma concorrência mais justa, evitando que grandes indústrias desqualifiquem o produto original em nome do lucro. O Brasil, vale lembrar, é o sexto maior produtor de cacau do mundo, concentrando suas plantações principalmente na Bahia e no Pará. Para muitos pequenos e médios agricultores, a aprovação dessa nova norma pode representar um salto importante na valorização do fruto nacional, favorecendo a chamada “cadeia justa do chocolate”.
Além do aspecto econômico, há um componente educativo importante. Com a obrigatoriedade de informar o percentual de cacau e a inclusão de substitutos no rótulo, o projeto ajuda a combater o desconhecimento sobre o que se consome, estimulando hábitos alimentares mais conscientes e o consumo de chocolates com maior valor nutricional e menor teor de açúcares e gorduras nocivas.
As mudanças, no entanto, não ocorrerão imediatamente. O projeto estipula um prazo de três anos após sua sanção para que as indústrias se adequem às novas exigências. Tempo que poderá ser usado, segundo especialistas do setor, para reorganizar cadeias de produção, reformular receitas e investir em campanhas de conscientização do consumidor.
A aprovação simbólica, num plenário esvaziado, pode parecer um gesto discreto. Mas o impacto dessa proposta é tudo, menos pequeno. Estamos falando de uma transformação cultural e econômica em um país onde o chocolate não é apenas um doce, mas parte da memória afetiva e da identidade nacional. Ao exigir mais verdade no rótulo, o Senado, mesmo silenciosamente, deu um passo firme na direção de um consumo mais justo, transparente e saboroso.
Se essa proposta se tornar lei, será também um gesto de respeito à história do cacau brasileiro — uma fruta que, antes de ser doce, é fruto da terra, do trabalho e da esperança de milhares de famílias. E como um bom chocolate amargo, às vezes a mudança vem em silêncio, mas deixa gosto forte e duradouro.