Segredos, Mares e Destinos
*Mhario Lincoln
Quando conheci Wellington Reis o achei muito discreto. Intuitivo, reflexivo (inversamente proporcional a minha personalidade explosiva e inquieta). Como se dizia na época em que frequentei a calçada da Fábrica Cânhamo: "na dele" - onde, bem ao longe, ainda se ouvia o cavaquinho de Francisco de Assis Carvalho da Silva, o Six, de imortal memória, e que morava nas redondezas.
Tempos depois do reencontro, aos poucos, fomos aprimorando as ideias e os pensamentos começaram a fluir melhor quando um assunto foi interceptado abruptamente: parceria em um chorinho, gênero que ele também admira, contudo nunca havia composto um, em parceria. Pronto! Talvez por influência do velho "Six", lá estávamos nós, construído, num primoroso "start", “DEIXA O CORAÇÃO FALAR” ouça aqui (->)(https://www.youtube.com/watch?v=VTXzUEzPY0s) para recomeçarmos uma antiga colegagem, onde, na época, o máximo de aproximação findava em um "oi", alô", "tudo bem"....
Porém, nunca o deixei de observar. E ele, fora das mesas de conversa, em algumas fotos que ele publicava em suas Redes Sociais (onde ele também é discreto), sempre me proporcionou a ideia dele ter algo profundamente íntimo, pessoal e intransferível. Como nessa foto-descrição (lembra dessa matéria quando estudávamos o primário?). Vê-se WR sentado de frente para o Palácio da Princesa Ina, com brisa salgada no rosto, e como músico, solfejando novas composições ao ritmo cadenciado das ondas, acompanhado pelo batuque invisível de Jorge da Fé em Deus, em redemoinhos que marcavam na areia, com os calcanhares, o peso silencioso da solidão que, aliás, para ele, Wellington Reis, especificamente, nunca foi cárcere.
Lembrei, ao olhar e entender essa foto de WR, à beira da praia, em São Luís do Maranhão, das minhas aulas de Psicologia e da famosa "Teoria da Autodeterminação", isto é, quando bem-estar brota ao ‘printarmos’ essa autonomia, competência e pertencimento. Sim!
Se há alguém que represente “pertencimento” em todas as artes que vibram e saem do solo fértil maranhense, é ele. Inclusive, único maranhense (com seu parceiro José Ignácio) a ganhar importante prêmio na Suécia. Mais especificamente em Örebro, com o disco SOTAQUE MARANHENSE NA ARTE DE COZINHAR. O "Gourmand World Cookbook Awards", um prêmio que laureia as melhores publicações da gastronomia mundial.
E lá está ele, na foto, aparentemente sozinho e autônomo em sua pescaria contemplativa, como se estivesse lembrando de seu "Boizinho Barrica: Urrou meu boi/ Que abalou as estrelas do céu/ Clareou no balanço do mar/ O lençol de areia, fez a sereia cantar (...)". Não há nenhuma sombra de dúvidas que ele, ali, naquela hora, sentia um prazer em ser parte de um todo mitológico, com mães d'água e touros negros, sem pressa de colher frutos, nem peixes, mas sim, sentir saudades, reminiscências, choro e lembranças, que só ele mesmo é capaz de absorver e não espargí-las no suor, diante do calor que faz São Luís em Abril, mês de "chuvas mil".
Lembrou-me Ernest Hemingway, em O Velho e o Mar. Uma luta silenciosa entre homem e mar como metáfora da vida: onde cada saudade fisgada é um troféu contra a própria limitação. John Steinbeck, em Logbook from the Sea of Cortez, mergulhou na observação minuciosa do oceano, lembrando-nos que a pesca solitária — mais do que capturar peixes — é diálogo íntimo com o desconhecido, um exercício de humildade e maturidade diante do infinito.
Observo Wellington Reis nessa foto e lembro também de Fernando Pessoa que em seus versos sobre “o Mar” e suas ondas, comparou o coração humano "a naufrágios e buscas infindas". Outro, Pablo Neruda, em suas "Odes", declarou que somente o mar é o verdadeiro guardião dos segredos, exaltando seu poder curativo “sobre as dores da alma”.
Talvez ele esteja lendo os clássicos através das linhas agnósticas deixadas pelo sal, antes de morrer na areia; e nós, aqui de fora, apenas pensando que ele está olhando o mar. Passam mil turbilhões em minha cabeça e possivelmente também na dele, pois cada onda que quebra na praia oferece um convite para despir medos e descobrir, na vastidão líquida, o que nos faz humanos — frágeis, mas imensamente livres porque, nesse momento congelado da foto, a cadeira não é prisão e a solidão não é vazio, mas celebração: é a arte de viver sem pressa, de aceitar o fluxo e apreciar o mistério. E ali, ante o horizonte sem fim, Wellington Reis deve ter encontrado, na sintonia perfeita entre a brisa, o mar e o céu, o mais nobre dos prazeres: existir.
Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.