*Mhario Lincoln apresenta Joema Carvalho.
Em uma dança sutil de palavras e memórias, Joema Carvalho, que compartilha conosco seu universo lírico, revela uma conexão profunda e multifacetada com a natureza (interna e externa) e a cultura brasileira, mais aqui do sul/sudeste. Isso eu já havia notado desde quando li "Luas & Hormônios": um mundo só dela, onde as palavras são portas de entrada para suas lembranças e sua identidade. Como bem disse o poeta Carlos Drummond de Andrade: "A poesia é um estado de espírito, um modo de ser, uma maneira de estar no mundo", e essa máxima ressoa claramente nesse trabalho que apreciei muito e em suas novas produções como esta a poesia "DELICADO" , onde há um sutil remanejo de lembranças e relembranças afetivas.
Na primeira estrofe, fui transportado para os campos do cerrado, onde o aroma do capim gordura evoca a infância da autora. É como se a fragrância fosse um elo entre o passado e o presente, entre o rural e o urbano. Essa evocação de memórias olfativas, me trou à mesma mesa, os versos de Cecília Meireles: "A lembrança é uma forma de encontro".
Na segunda estrofe, Joema mergulha na metáfora das lâminas foliares para explorar o aroma do capim gordura. É como se cada palavra fosse uma folha que, juntas, compõem a essência de sua história. Claro que aqui não deixo passar o que aprendi com o incrível e suave Mario Quintana: "a poesia não é para compreender, mas para incorporar". Aliás, essa é minha resposta quando alguém pergunta sobre a poesia.
Na terceira, a autora narra um encontro marcante com uma árvore podre, uma experiência que ecoa como uma metáfora de suas próprias cicatrizes e traumas. No entanto, ela encontra na natureza (repito, dela e da externa), uma profunda conexão com sua identidade, como se fosse uma extensão da árvore-mãe. Quando eu li Guimarães Rosa, eu também senti essa conexão direta com a natureza. Já Joema se vê como uma floresta com clorofila, enraizada em sua origem e vocação.
Na quarta, a engenheira-poeta nos leva a um confronto com a crueldade da exploração animal, em um grito congelado na banha do porco. Ela lembra de músicas de chorinho, onde os sentimentos de amor, saudade, tristeza e alegria se entrelaçam. Assim como o chorinho expressa a complexidade da experiência humana, Joema nos mostra que sua poesia é um eco dos anseios, conflitos e contradições que permeiam nossa relação com o mundo natural e com nós mesmos.
Assim, convido você a se entregar à poesia forte e ao mesmo tempo delicada de Joema Carvalho, a explorar as camadas profundas de sua obra e a descobrir, como eu, as maravilhas que ela tem a oferecer. Suas palavras são como as folhas de suas lâminas foliares, delicadas e poderosas, prontas para nos levar a lugares mágicos e emocionantes.
"DELICADO"
Joema Carvalho
hoje senti o cheiro
do capim gordura
do sítio que ia
quando pequena
meu nariz dilatou
estava forte
trouxe a infância
para a empresa
talvez algo por vir
ali estava no presente
não teria motivo
para fazer sentido
a poema explica
as lâminas foliares dum aroma
a gordura do capim
conservou o que era bom
os cheiros de tudo
do rio que formava piscinas naturais
do dia que trombei na árvore podre
tirei parte dela de dentro de mim
os fungos conectaram-se carvalho
sou florestal com clorofila
árvore mãe
através do capim gordura
a banha do porco
fixou o grito
enquanto morria
comemos carne
de tatu
o chorinho
diferente do porco
ia 147
"carinhoso"
na fita cassete
"naquele tempo"
sem " lamento "
seguia para o agora
nos "botões de laranjeiras"
num "pedacinho do céu"
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