Especial: Joizacawpy Costa
*A professora Elisabeth Sousa Abrantes, possui Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. É Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense.
**A professora Sandra Regina Rodrigues dos Santos, tem Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa; Doutora em Políticas Públicas, pela Universidade Estadual de Capinas.
A ENTREVISTA
O que as motivou escolher Ana Jansen para compor uma obra?
Somos pesquisadoras da história do Maranhão Imperial, e a figura de Ana Jansen se destaca na sociedade maranhense do século XIX, seja no aspecto público ou da vida privada, a ponto de se tornar um mito no imaginário popular. Apesar dessa forte presença da personagem histórica na vida maranhense do Oitocentos, até então não havia recebido um estudo histórico que contemplasse sua trajetória e problematizasse esse estigma que recai sobre sua imagem, a ponto de associá-la a uma lenda de maldição, com inúmeras histórias que lhes são atribuídas sem o devido embasamento documental. Sendo assim, fomos acalentando o desejo de descortinar diversos aspectos da sociedade maranhense do tempo de Ana Jansen por meio de sua trajetória de vida, e entender nuances do comportamento da personagem pelo contexto em que viveu, até que a oportunidade veio com um convite para participar de uma coletânea sobre biografias maranhenses, intitulada “Maranhão: ensaios de biografia & história, organizada por Yuri Costa e Marcelo Cheche Galves (2011), em que participamos com o capítulo Ana Jansen: a mulher e o mito. Mais recentemente continuamos as pesquisas para a ampliação desse texto e elaboração de um livro, o que foi possível com o Edital Fapema nº 05/2022, de apoio à publicação de obras literárias.
Escrever uma obra biográfica sobre uma figura forte e icônica como Ana Jansen provavelmente foi desafiador. Quais os maiores desafios encontrados na busca pelas verdades contidas na forte história dessa mulher?
A escrita de uma obra biográfica tem seus desafios próprios, inerentes ao campo historiográfico, especialmente o desafio de relacionar indivíduo e contexto histórico, até que ponto os indivíduos conseguem certo grau de autonomia em meio às normas da sociedade em que estão inseridos, por essa razão procuramos seguir o pressuposto de que os desvios e singularidades da vida do personagem biografado em relação às normas sociais devem ser compreendidos em um contexto histórico que o justifica. Sendo assim, a biografia sobre Ana Jansen procurou apresentar a atmosfera social e cultural em que viveu essa personagem histórica na sociedade maranhense do século XIX. Além do desafio pela escolha do gênero historiográfico, a escassa bibliografia sobre Ana Jansen e as dificuldades de acesso as fontes de arquivo, em razão também da escassez e do estado de conservação, impuseram algumas dificuldades na pesquisa, que contou com um acervo documental eclético, incluindo romances, fontes de imprensa como os periódicos, com destaque para o jornal da própria família Jansen, O Guajajaras, além de testamentos, inventários e outras fontes de arquivo. Por fim, o desafio da narrativa, de escrever um texto acadêmico, com o rigor metodológico exigido pela pesquisa científica, mas ao mesmo tempo com uma linguagem atraente e acessível também ao grande público, se aproximando um pouco da narrativa literária.
Vocês atribuem o interesse em pesquisar Ana Jansen justamente pelo perfil de sua valentia como mulher, por seu protagonismo feminino vivendo numa sociedade patriarcal cujo poder era demarcado pelos homens?
O destaque principal da vida de Ana Jansen é sua atuação pública em uma sociedade patriarcal e misógina, como era a sociedade maranhense do século XIX, ao mesmo tempo em que subvertia também comportamentos femininos que eram esperados na esfera privada, a partir dos valores morais que eram impostos aos sujeitos sociais. Esse aspecto da vida da personagem, de não ter se enquadrado ao modelo feminino prescrito naquela sociedade, é o enfoque principal da biografia, para compreender a própria imagem construída sobre essa figura ao longo do século XIX, por seus contemporâneos, e continuada depois de sua morte, pelas lendas e mitos que formam o imaginário sobre essa mulher que foi denominada de a rainha do Maranhão. Ana Jansen teve uma forte atuação na vida pública, se envolvendo em questões políticas e disputas partidárias, administrando os inúmeros negócios que constituíam seu patrimônio econômico e financeiro, comandando os destinos de sua família como a grande matriarca dos Jansen, além de um comportamento na esfera íntima que causava condenação moral, pois foi mãe solteira, amante, teve praticamente todos os seus filhos, com exceção de uma filha, quando não estava na condição de mulher casada, o que contribuiu para reforçar o estigma que acompanhou sua imagem perante a sociedade, especialmente em seu meio social, pois como indicou uma contemporânea, dona Martinha Abranches, que conheceu e conviveu esporadicamente com Ana Jansen, as acusações e atos tenebrosos que lhe atribuíam não passavam, em boa parte, de puras fantasias e baixos enredos de politicagem dos seus inimigos.
Sabemos que a sociedade muda ao longo do tempo, a história está em constante construção, é dinâmica e a tendência é evoluirmos. Partindo desse aspecto, considera-se que Ana Jansen foi uma pioneira da força feminina, no Maranhão, no campo econômico, político e social dentro de um contexto escravocrata, que a fez carregar o peso do preconceito social que se reflete até hoje em alguns contextos como uma carrasca, rendendo-lhe mitos e lendas de aspectos negativos. Como vocês percebem esse processo de construção histórica do nome de Ana Jansen e as dificuldades que ela teve que enfrentar?
Ana Jansen era uma mulher branca, de origem humilde, pois sua família já se encontrava sem posses quando do seu nascimento, o que piorou ainda mais quando ficou órfã de pai. Até o momento desconhecemos aspectos de sua infância, pois as informações sobre ela aparecem quando já está com a idade de dezessete ou dezoito anos, é mãe solteira e amante de um ricaço da terra, o coronel Isidoro Rodrigues Pereira, um homem quarenta anos mais velho, casado e sem filhos da esposa legítima, com o qual iniciou uma convivência e teve seis filhos. Após a viuvez do amante, pode se casar com ele e legitimar sua prole, assim como mudar seu status social, tornando-se uma rica senhora da elite maranhense, muito embora seu passado como uma mulher “sem berço”, no que se refere a sua origem social, e com uma “mancha moral” em razão do seu comportamento na esfera íntima, tenha dificultado a sua aceitação por parte da chamada alta sociedade maranhense, que exigia outros requisitos para a aceitação dos seus pares do que somente a riqueza. Um outro aspecto que também marcou de maneira singular a trajetória de Ana Jansen foi a liderança que exerceu nos negócios, administrando pessoalmente as inúmeras atividades que constituíam seu rico patrimônio, além de se envolver nas disputas políticas e partidárias do seu tempo, comandando uma ala do partido Liberal (Bem-te-vis), onde travou diversas batalhas com adversários internos e externos a sua agremiação política. Também é necessário destacar o seu traço de personalidade, sendo retratada como uma mulher geniosa e autoritária, características que em se tratando dos homens poderiam ser vistas como de força e coragem, mas que nas mulheres eram condenadas por serem “energias másculas”, vistas como incompatíveis com o sexo feminino. Tudo isso fez com que Ana Jansen não passasse despercebida naquela sociedade e tivesse uma imagem marcada por estigmas e condenações morais.
Qual o diferencial específico desta obra em relação a outros trabalhos que já foram publicados tendo como enfoque Ana Jansen?
Esta é uma obra de pesquisa histórica, uma biografia que enfoca a vida da personagem em seu contexto social, enfatizando diferentes aspectos de sua atuação nos espaços públicos e privados. Como a própria obra esclarece em sua introdução, a vida dessa personagem já foi objeto de diversos estudos, tanto acadêmicos como artísticos e literários, mas com abordagens que enfatizaram mais o aspecto lendário ou mesmo procuraram enquadrar a personagem no chamado “empreendedorismo” feminino, como é o caso de estudos nas áreas da contabilidade e da administração. O primeiro trabalho dedicado totalmente a história de Ana Jansen, intitulado A Rainha do Maranhão, foi escrito pelo escritor Jerônimo de Viveiros, publicado em 1965. É um breve estudo, dividido em três partes, com ênfase nos antecedentes europeus da família Jansen até a chegada e fixação no Maranhão, o matriarcado de Ana Jansen e como sua influência se estendeu para o comando de um partido político. Diante da escassa bibliografia, especialmente no campo da história, era necessária uma pesquisa mais densa e documentada sobre essa personagem marcante da vida maranhense no século XIX, e que também incorporasse os estudos de gênero para problematizar as construções sociais e culturais dos papeis femininos e masculinos naquela sociedade. A outra preocupação e diferencial desta obra foi descortinar novos perfis de mulheres no século XIX, diferentes dos estereótipos de passividade, submissão e confinamento no espaço doméstico, procurando superar a dicotomia de “vitimização” ou “heroísmo”, e destacar os protagonismos femininos como sujeitos políticos ativos.
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* Elizabeth Sousa Abrantes- Possui Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. É Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestra em História do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Licenciada em História pela Universidade Federal do Maranhão. Professora Associada do Departamento de História, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIST/UEMA). É Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero e Educação do Maranhão (NUPEGEM), membro do Núcleo de Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO), do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino de História (NEPEHIS) e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, ocupando a cadeira nº 24. Publicou os livros A Educação do “Bello Sexo” em São Luís na segunda metade do século XIX e O Dote é a Moça Educada: mulher, dote e instrução em São Luís na Primeira República.
** Sandra Regina Rodrigues dos Santos - Tem pós-doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. Doutora em Políticas Públicas em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas. Mestra em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Especialista em Historiografia Brasileira e Regional, pela Universidade Federal do Maranhão. Licenciada em História pela Universidade Federal do Maranhão. Atualmente é professora Associada do Departamento de História, da Universidade Estadual do Maranhão e do Programa de Pós-Graduação em História (UEMA). É integrante do Grupo de Pesquisa Ensino de História: linguagens e formação docente e discente (EnsinaHistória), na linha de pesquisa Saberes Históricos do Espaço Escolar, e do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero e Educação do Maranhão (NUPEGEM), na linha de pesquisa Educação e História da Educação. Membro da Academia Vitoriense de Letras, cadeira nº 40. Publicou os livros A Balaiada no Sertão: a pluralidade de uma revolta e Gestão Democrática: representações e potencialidades na atuação do Conselho Diretor e na construção do Projeto Político Pedagógico – o caso do Colégio Universitário em São Luís (1989-1997).
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