Leonardo Magalhaens & Raimundo Fontenele
LEONARDO MAGALHAENS: Ano novo e novas entrevistas aqui no Facetubes. Sejam bem-vindas e sejam-vindos. Agradecemos o convite do poeta e escritor Mhario Lincoln e a parceria com o site Facetubes para a divulgação de mais um nome da nossa literatura. Hoje temos o prazer de conhecer o poeta e escritor Raimundo Fontenele, do Maranhão, e que passou temporada no Sul do Brasil. Prezado Raimundo Fontenele, saudações! Seja bem-vindo ao quadro de entrevista com LdeM e vamos logo de início: quem é Raimundo Fontenele e por que mexer com literatura, homendedeus?
RAIMUNDO FONTENELE: Sou um cidadão do mundo. Embora não conheça o mundo todo, fisicamente, a gente faz viagens mentais, espirituais, e mesmo lendo, vendo vídeos, conversando com pessoas que estiveram e estão em outros países e lugares, podemos ter uma visão quase completa do planeta que habitamos.
Nasci em 1948, num povoado de nome Marianópolis, município de Pedreiras, no rico, mas ao mesmo tempo pobre, Estado do Maranhão. Aos três anos de idade fui com meus pais residir em São Domingos do Maranhão, tendo feito o curso primário no Grupo Escolar Deputado Moreira Lima. Depois, em 1962, ingressei no Seminário de Santo Antônio em São Luís, e no ano seguinte estive no Seminário da Prainha, em Fortaleza, a bela capital do Ceará. Desligado do seminário no final de 1964, eis-me de volta a São Domingos onde permaneci por três anos para, em seguida, estabelecer-me em São Luís, onde residi de fevereiro de 1967 até junho de 1976. Em seguida vivi, sucessivamente, em Brasília, Curitiba, Balneário Camboriú, Porto Alegre. Após mais de 30 anos fora da minha terra natal, voltei ao Maranhão em janeiro de 2020, fixando residência em Barra do Corda, uma bucólica cidade do interior maranhense, banhada por dois rios: o Rio Corda e o Rio Mearim. Este último é o rio da minha infância, passava a uns 200 metros do quintal da minha casa em Marianópolis, a ele tendo me referindo em diversos poemas.
Quanto a segunda parte de tua pergunta, porque mexer com literatura, não tenho uma resposta precisa. As leituras dos clássicos infantis que minha mãe lia pra mim, o contato com a literatura no seminário, Dante Aligheri e os filósofos da igreja, principalmente Santo Agostinho, a minha incapacidade para escolher um caminho profissional, como se em nada me sentisse seguro, não me deixaram outra alternativa a não ser escrever versos. Ou então foi mesmo dom ou destino.
2 - LM - Raimundo Fontenele, segundo nossas pesquisas e investigações, a sua carreira é extensa, desde a década de 1970, e dedicada aos diversos gêneros, poesia, prosa, infanto-juvenil -- e passa por várias fases, desde vanguardas aí no Maranhão até um estilo mais tradicional atualmente. Como você vê a sua carreira ? Seria possível resumir esta escalada num provérbio? Qual fase você consideraria a mais relevante?
RF - Vejo minha carreira do mesmo modo que vejo não só a minha vida, mas a vida de todos e de tudo, enfim, a vida em si mesma. Cheia de altos e baixos. Voos altos e quedas profundas. Falo isso dos que aceitam correr algum risco naquilo que procuram pra si mesmos. Claro que grande parte da humanidade, a maior parte, talvez, prefere a margem tranquila do rio e não o mergulho em sua profundidade.
Todas as fases considero relevantes, ajudaram no amadurecimento, no maior conhecimento, cada fase é relevante porque nos leva a dar um passo adiante. Estagnar, parar é morrer mesmo estando vivo. A fase do Movimento Antroponáutica foi importante porque, hoje, os críticos e estudiosos da literatura maranhense reconhecem-no como uma contribuição decisiva para a renovação do fazer literário, trazendo novas ideias e possibilidades, colocando o Maranhão em sintonia com as correntes vanguardistas da arte brasileira. Luís Augusto Cassas, Viriato Gaspar, que continuam produzindo, Chagas Val e Valdelino Cécio, falecidos, foram meus companheiros nessa empreitada. Fui adepto em algum momento do movimento hippie, chegando a largar tudo, colégio, trabalho, casa paterna, e caindo na estrada, no lance underground, da contracultura, disso resultando as poesias do meu livro Pelos Caminhos Pelos Cabelos. Três livros, Venenos, Marginais e Amores que chamei de Trilogia do Inferno, resultam do mergulho nas drogas e no álcool e minha luta para me livrar deles, o que consegui aos 40 anos de idade. Você pede que eu resuma essa escalada numa espécie de provérbio, ou num dito, do qual qualquer um possa assenhorar-se. Direi, então, que quando você está indo em busca de alguma coisa essencial, não se distraia olhando para os lados, nem para cima nem para baixo, nem para frente nem para trás: olhe pra dentro de si mesmo e pra suas convicções e siga.
3- LM - Maranhão! Maranhão! Raimundo Fontenele, você vem do Maranhão, terra de Gonçalves Dias e de Ferreira Gullar e de Salgado Maranhão e de Nauro Machado. E também dos nomes atuais, e cito ao menos dois, Luís Augusto Cassas e Márcia Maranhão de Conti. Como é esta vivência e convivência nesta terra paradisíaca de poetas? De onde vem a sua inspiração? Do diálogo? Do intertexto? Da tradição? Da luta com a vida?
RF - Fazendo uma rima pobre, eu poderia dizer que no Maranhão poesia é aquilo que a gente cata no chão. Tanto são os bons poetas e também aqueles de exceção. Gonçalves Dias, um quase desconhecido, mas que incluo aqui, que é o poeta Souzândrade e o Nauro Machado, seria esta pra mim a santíssima trindade poética maranhense. Tem o Bandeira Tribuzi, o Ferreira Gullar. Manoel Caetano Bandeira de Melo, Odylo Costa Filho. E o Fernando Braga, falecido recentemente. Da minha geração além do Cassas, tem o poeta Viriato Gaspar. E os novos poetas, safra imensa. Antônio Aílton, Rogério Rocha, Kissyan Castro… E mulheres, muitas, não as cito aqui, não por machismo, mas pra que elas se citem. Virgínia Rayol Braga, Wanda Cunha, Laura Amélia Damous, Ceres Costa Fernandes, Graça Guimarães, Lu Mota e… acabei citando algumas.
De onde vem a minha inspiração? Sem falsa modéstia ouso dizer que já nasci inspirado, e esses motivos que citaste com toda propriedade, contribuíram para o meu aprimoramento, e nos ajudam na busca daquilo que estamos sempre procurando que é a perfeição. Inutilmente? Não sei, e acho que ninguém sabe. Mas eu acredito na coisa perfeita.
4- LM - Mais uma pergunta sobre a convivência poética no Maranhão. O que, afinal de contas, foi o famigerado Movimento ANTROPONAUTICA no cenário maranhense? Tem algum ágon com os modernistas da Antropofagia? Ou está mais para Tropicalismo? É uma vanguarda concretista ou pós concretista ou anti-concretista? É possível 'arte revolucionária' sem forma revolucionária? Ou ainda, a arte pode ser arte sem modificar contextos?
RF - Não respondi anteriormente sobre a minha convivência poética no Maranhão, mas sempre foi tranquila, fiquei muito tempo ausente do Estado, mais de trinta anos, e nunca fui de associações, coletivos, confrarias, que são meritórias e saudáveis, apenas não fazem meu gênero. Sou um outsider por natureza e convicção. A exceção foi o Antroponáutica, que não foi propriamente um movimento como se conhece, nada de burocracia, nem regras, nem estatutos, apenas naquele momento conseguimos nos reunir com um objetivo único. Furar a bolha esclerosada, mofada, deixar circular o novo. Isso juntou artistas diversos, músicos, pintores, atores. Nós tínhamos o nosso ideal e muito conhecimento pra não estarmos de certo modo ligado a nada disso: antropofagia, tropicalismo, concretismo e neoconcretismo, a gente corria por fora, o que nos interessava era passar, caminhar, seguir o impulso verdadeiro que é maior que qualquer coisa pensada, planejada, programada, toda certinha, mas que nunca dá certo.
Sobre essa história de arte revolucionária com ou sem forma revolucionária é o seguinte: quando jovem gostava muito dessa palavra revolucionária, revolução… Hoje prefiro a palavra ‘novo’. É que ao longo da história humana em todas as revoluções sempre rolam cabeças. E por ser um pacifista sei que não existem revoluções pacíficas. É que o processo não é só o instante. Tem sempre o antes e o depois. Fiquemos modernamente com Ghandi, Mandela. Mas, primeiro, contém os mortos do antes e do depois, aí me digam: onde está o pacifismo? E sou dos que acreditam na arte pela arte.
5- LM - Poeta Raimundo Fontenele, como você vê hoje a cena literária no Brasil , principalmente a da poesia? Alguma novidade ou sempre mais do mesmo? Será que realmente João Cabral de Mello Neto foi o nosso último grande poeta? Já ouvi esta numa aula de Literatura brasileira na faculdade de Letras... O que você acha das poéticas de um Affonso Ávila ou de um Alexei Bueno ou de uma Adélia Prado? Em suma, quem você anda lendo e quem você indicaria aos nossos leitores e nossas leitoras?
RF - É uma pergunta impossível de ser respondida com exatidão, porque na verdade só o tempo responderá essa questão. Existem centenas e centenas, milhares até, de bons poetas, mas, a não ser que de repente pinte um gênio, o que nós temos são poesias previsíveis. Nada que inaugure uma nova estética, que rompa de forma radical com a linguagem, que mude ou altere substancialmente a essência do fazer poético. O que há são poetas em gestação e até onde chegarão só o tempo dirá. A propósito do que disseste sobre o João Cabral, já li o mesmo sobre Ferreira Gullar. Aliás é praxe dizer-se quando alguém morre: morreu o último grande poeta, músico, pintor, etc.
O esforço empregado e toda a inteligência despendida na criação do mundo digital enriqueceu-nos de tal modo que permite ao mesmo tempo o nosso empobrecimento moral, cultural e espiritual. É como se o avanço destas novas tecnologias fosse um salvo conduto que nos desobriga de repensar o mundo como o pensaram filósofos e pensadores como um Nietzsche, poetas da grandeza de Ezra Pound, geniais como William Blake ou Rimbaud. Não tenho dúvidas de que só podemos produzir essa arte e essa cultura quase indigente, que não faz outra coisa senão repetir-se.
Leituras: comece pelos clássicos. Poesia greco-latino, Ulysses de Joyce. John Donne. e.e. cummings. Drummond. Geração beat. A lista é imensa. Se você quer ser um grande escritor, leia os grandes. Quanto a mim, atualmente, estou mais relendo do que lendo. A Bíblia, principalmente.
6- LM - Para finalizar nossa entrevista gostaríamos de agradecer ao poeta e escritor Raimundo Fontenele pelo tempo e disposição. E agradecer igualmente ao poeta e escritor Mhario Lincoln pelo convite e parceria com o site Facetubes. Então, prezado Raimundo Fontenele, que mensagem você deixaria aos leitores e às leitoras da nova geração? Qual o mapa da mina para a boa leitura e --- quem sabe? -- uma possível escrita criativa? Agradecemos e até à próxima entrevista aqui no Facetubes. Valeu!
RF - Pois é. Também quero agradecer imensamente a vocês dois, Leonardo Magalhaens e Mhario Lincoln, exaltando o fato de que mesmo sendo poetas, criadores, não olham só para o próprio umbigo e fazem esse trabalho de divulgar seus semelhantes, nesta lida de semear cultura, saber, conhecimento, arte.
Quanto ao conselho às novas gerações não tem nenhum segredo ou mistério: apenas leiam e escrevam. Direto, direto, direto, como diz o Marquinhos, meu neto de quatro anos. Dicas, dou duas de nossos grandes mestres da poesia: “Ninguém é poeta só noite ou só dia” ( Nauro) e “Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto luto mal raia a manhã” (Drummond).
Vídeo-Bonus
Mín. 16° Máx. 19°