Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
“Filosofia para Bufones”, de Pedro González Calero, é uma obra que busca destacar o humor na história da filosofia e nas vidas dos filósofos. O autor argumenta que a filosofia surge tanto da admiração pelo mundo quanto do riso provocado pelo absurdo e pelo enigmático da realidade. Ele revisita a filosofia antiga, desde os mitos até os sofistas, passando pelos presocráticos e Sócrates, e compartilha anedotas e curiosidades sobre os pensamentos e as personalidades dos filósofos.
O livro destaca o papel dos cínicos e dos cirenaicos como os primeiros humoristas da filosofia, mencionando figuras como Diógenes, Crisipo, Aristipo e Platão. Além disso, o autor aborda alguns dos paradoxos e aporias (*) que a filosofia antiga gerou, como os de Zenón, Protágoras e Heráclito, e as tentativas de resolvê-los ou ridicularizá-los. Embora o livro não seja uma 'obra séria de filosofia', (como alguns críticos mais radicais afirmam), ele oferece uma visão única e humorística da história da filosofia.
(*) Paradoxo é um conceito que parece contrário ao senso comum, um contra-senso, absurdo ou disparate. Por outro lado, Aporia vem do grego e quer dizer incerteza ou dúvida. É um estado de perplexidade intelectual, em que as respostas parecem escapar ao alcance do pensamento racional. "Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha". É um bom exemplo de Aporia.
Alguns trechos eu destaque pela originalidade. em um deles, conta a história de Crisipo, um filósofo estoico antigo, que morreu de riso ao ver um burro comer figos e beber vinho, e então cambalear como um bêbado. Vale dizer que o autor não inventa nada e se limita a fornecer um contexto filosófico para as piadas selecionadas.
Veja a história de Sócrates: (...) quando um oleiro perguntou a Sócrates se deveria se casar ou permanecer solteiro, este respondeu
- Faça o que fizer, você se arrependerá.
Quando Diógenes foi capturado e colocado à venda como escravo, o vendedor lhe perguntou o que sabia fazer, e ele respondeu:
- Eu sei comandar. Veja se alguém quer comprar um mestre.
Em sua juventude, Santo Agostinho recitava esta prece: 'Senhor, concede-me castidade e continência, mas espera alguns anos'.
Quando perguntaram a Madame de Staël (*) por que as mulheres bonitas tinham mais sucesso entre os homens do que as inteligentes, ela respondeu:
- Porque há poucos homens cegos, mas muitos homens tolos.
(*) Anne-Louise Germaine de Staël-Holstein, mais conhecida como Madame de Staël, foi uma intelectual, ensaísta e romancista francesa, que presenciou em primeira mão a Revolução Francesa, a Era Napoleônica e a Restauração.
Quando alguém perguntou a Bertrand Russell por que ele nunca havia escrito sobre estética, ele respondeu:
- Porque não sei nada sobre estética... embora reconheça que não é uma desculpa convincente, pois meus amigos dizem que minha ignorância nunca me impediu de escrever sobre outros assuntos.
A filosofia é compatível com o humor? É possível aprender filosofia com risadas? Possivelmente sim, caso a gente leia com afinco esta obra de Pedro González Calero. Espantei-me, por exemplo, com o mau humor da esposa de Sócrates, os sonhos de Maquiavel, as opiniões de Kant sobre o casamento, as mordacidades impiedosas de Nietzsche, a dedução lógica de Russell de que ele e o Papa são a mesma pessoa, a agressividade de Wittgenstein como agitador da razão. Espantei-me de rir? E isso pode?
Acredito que esse livro (em espanhol, o original), tenha sido elaborado para incitar reflexão e debate, e são comuns na filosofia e em outros campos do conhecimento. Destaquei também, três tópicos principais:
1 - Fecunda Perplejidad: Javier Muguerza, ao apresentar seu livro “Desde la perplejidad”, compartilha uma anedota sobre um amigo que, ao ver o tamanho do livro, questiona se todo o conteúdo foi escrito a partir de um estado de perplexidade.
2 - La Moral de los Puritanos: este trecho discute a moral puritana, caracterizada pela reprovação de certos comportamentos considerados indecentes, mas que não prejudicam ninguém. Os puritanos se veem como guardiões das boas maneiras e pregam um código moral rigoroso que, na verdade, esconde preconceitos socialmente enraizados e um repúdio perverso aos prazeres do corpo.
3 - Cioran No Existe: Fernando Savater, em seu “Ensayo sobre Cioran”, conta que uma vez considerou escrever sua tese de doutorado sobre um filósofo inexistente, imaginado como um discípulo de Heráclito vivendo na Atenas do período helenístico. No entanto, ele abandonou a ideia e acabou escrevendo sua tesis sobre Cioran.
Algo um pouco mais discutível, que eleva a exarcebação emocional, encontrei nesses dois segmentos:
a) Todo es Dios: este segmento explora a doutrina do panteísmo, que afirma que tudo que existe é Deus. Aqui, é levantada a questões sobre como explicar a luta e a destruição entre seres se todos são Deus. Além disso, é discutida a ideia de que, embora tudo seja Deus, isso não significa que tudo seja o mesmo ou que devamos renunciar a discernir uma coisa da outra. O texto usa uma história de um homem que mal interpretou o ensinamento panteísta de seu mestre espiritual para ilustrar esse ponto.
b) Filosofia Chinesa: aqui, o texto também menciona a filosofia chinesa, destacando que, embora não seja monolítica e apresente várias variantes e escolas, é possível encontrar algumas coordenadas comuns a todas elas. Estas incluem a busca pela harmonia, equilíbrio e paz da alma; a crença de que o homem é parte da natureza e da sociedade em que vive; e a afirmação de dois grandes princípios opostos que não se excluem, mas se complementam. Confúcio é mencionado como um dos pensadores que mais deixou sua marca na cultura chinesa.
Se gostou dessas observações e quer ler, em espanhol, o livro, pode fazer dowload do PDF gratuitamente: aqui está o link. Use-o e divirta-se:
https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:va6c2:78c07106-a5cc-475e-88df-f51b8aec7b7c
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