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Bernardo Coelho de Almeida, quase 52 anos depois do lançamento de “O Bequimão”

Mhario Lincoln: “Alguns detalhes que escolhi para compartilhar com nossos caros leitores”.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario LIncoln
15/02/2025 às 09h55 Atualizada em 15/02/2025 às 12h17
Bernardo Coelho de Almeida, quase 52 anos depois do lançamento de “O Bequimão”
Bernardo Almeida. A quem sempre admirei. (Arte: MHL).

MARIO LINCOLN: Para quem não se lembra, dia 28 de junho de 2025, completar-se-á 52 anos do lançamento do romance “O Bequimão”, do poeta, jornalista e prosador Bernardo Coelho de Almeida (1927-1996). À obra e ao seu autor, a mais sincera homenagem.

 

Pouca gente sabe os pormenores da primeira edição do romance de Bernardo Coelho de Almeida - "O Bequimão", lançado pela editora ‘Artenova’, em julho de 1973. Primeiro, a belíssima capa, resultado de um entalhe original de Antonio Almeida, que estava na sede da Assembleia Legislativa do Maranhão, na rua do Egito. Segundo, por ter uma orelha com excertos do grande jornalista João Lisboa, constantes na obra "Apontamentos para a História do Maranhão", que, segundo o próprio Bernardo me confessou em uma entrevista que fiz com ele para o programa de D. Flor de Lys, na TV, "concedeu-me subsídios importantes para complementar meu romance...".

 

Outro detalhe: fugindo às características comuns das apresentações dos romances, é o próprio autor que escreve uma Carta de Agradecimento a Raimundo Bacelar, a quem dedica o livro. Raimundo é um dos fundadores da TV e Rádio Difusora, ao lado do irmão Magno e Afonso Bacelar. No texto, Bernardo diz:  "Este livro é dedicado a você, um amigo de longa data, cujo apoio e orientação têm sido inestimáveis. Sua influência é evidente em cada página deste romance, assim como sua paixão por Bequimão e seu espírito pioneiro. Lembro-me de quando você me convidou para ser o diretor artístico da Rádio Difusora em 1956. Naquela época, eu era gerente da Tipografia São José, onde recebia visitas diárias de Arnaldo Ferreira, um dos maiores maranhenses, que fazia questão de revisar pessoalmente as provas do Boletim da Associação Comercial. Sua sabedoria e habilidade para 'escrever certo por linhas tortas’ são notáveis. Sem dúvida, você seria um governador incomparável para nosso estado".

 

Como se vê, Bernardo Coelho de Almeida era uma figura incomparável. Certa vez, fui à casa dele com meus originais de "Ina-A Violação do Sagrado", e ele prontamente os leu de uma tacada só, naquela noite, ao meu lado; e ainda sugeriu algumas modificações geniais. O mesmo livro, hoje, tornado conhecido em várias partes do Mundo, graças, primeiro a Bernardo e, em segundo, ao meu padrinho Mario Flexa Ribeiro, aduaneiro que conseguiu incluir em suas cargas marítimas para o exterior, quase 20 mil exemplares desse livro, reeditado em 2024, em 3a. edição, patrocinado pela Sociedade Amigos da Marinha – SOAMAR-MA, dentro das comemorações aniversárias da entidade, da qual faço parte.

 

Uma capa histórica.

Veja como Bernardo Almeida era cheio de gratidão e apreço às pessoas que se mostraram verdadeiramente suas amigas. Abaixo, a íntegra das págs. (07 e 08), dessa primeira edição de "O Bequimão".

 

"Meu caro Raimundo Bacelar: 

Permita-me dedicar-lhe este livro, por diversas razões, inclusive de ordem sentimental de gratidão, de admiração, enfim pela amizade que nos liga, inseparavelmente, há muitos anos. Devo a você aquilo que um homem pode dever de melhor a outro: o estímulo, a confiança, a compreensão dos erros e a permanente solidariedade em tudo de bom que a gente faz, sabendo, vez por outra, dar um conselho, orientar, desejar o bem.  Este romance mesmo tem um pouco de você pelo que você tem de Bequimão, hoje em dia. Nosso herói foi um pioneiro do Maranhão na era colonial; você, em nossa época, é um desbravador, um bandeirante, um grande empresário, e seria, sem a menor dúvida, um incomparável governador de nosso Estado, você que (diz-se, proverbialmente, da divina providência) é sábio e capaz de escrever certo por linhas tortas. Lembro-me de que, em 1956, quando você me convidou para ser o diretor artístico de nossa Rádio Difusora, eu era gerente da Tipografia São José. E lá, em meio ao ruido metálico das linotipos e do cheiro forte das tintas de impressão, diariamente eu recebia a visita de certo cidadão que foi um dos maiores maranhenses - o Arnaldo Ferreira. Ele fazia questão de revisar, pessoalmente, as provas do Boletim da Associação Comercial do Maranhão, entidade de que foi presidente com invulgar dinamismo. Falei-lhe, naquela ocasião, de minha vontade de conhecer melhor a Revolta de Beckman, consultando as fontes mais autorizadas. Arnaldo Ferreira, que era um adorável sarcástico, disse-me, então: "Vai, menino, aos sábados e domingos, ou à noite, como quiseres, fazer tuas pesquisas na minha biblioteca; só te peço uma coisa, que não me enchas a paciência, que não me aporrinhes." Daí nasceu a ideia deste romance, que você, Raimundo Bacelar, acreditando em mim, me incentivou a escrever e a publicar. Ao Arnaldo Ferreira, quero prestar aqui uma homenagem póstuma. A você, porém, com muita honra, faço a dedicatória deste meu modesto BEQUIMÃO.

Afetuosamente, BERNARDO COELHO DE ALMEIDA

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Outro detalhe interessante dessa 1a. edição da ‘Artenova’: excertos do jornalista João Lisboa sobre "Apontamentos para a História do Maranhão". Abaixo:

"O BEQUIMÃO, deposta aquela coragem ativa, que brilha principalmente na luta e na resistência, conservava, todavia, a da firmeza e da resignação, que só uma fé viva e pura na bondade de sua causa pode dar ao homem traído pelo destino. No momento supremo cumpriu intrepidamente a promessa que havia feito em dias menos aziagos: e, na mesma ocasião em que, como verdadeiro cristão, pedia do alto do patíbulo o perdão de todas as ofensas ao próximo, declarou que pelo povo do Maranhão morria contente! Grito sublime e derradeiro de um coração altivo e generoso, admirável sobretudo naqueles tempos em que as revoluções, simples fato material, não constituíam doutrina nem direito. em que os condenados, ordinariamente humilhados diante da justiça, morriam protestando o seu arrependimento, e beijando a mão que os punia. A história, imparcial e severa, mas não dura e insensível, apraz-se em recordar tantos atos de desinteresse, lealdade e abnegação, a sua eloquência persuasiva e forte, e aquela coragem serena e firme que, sem nunca abandoná-lo durante a vida, brilhou com mais vivo fulgor em face da morte; raro conjunto de grandes qualidades que, acareando e subjugando o amor e o ódio dos contemporâneos, imprimiu à revolução um caráter de honestidade e moderação, que faria a glória dos primeiros tempos, e que mesmo então lhe permitiu atravessar as suas fases mais perigosas tão pacificamente como pode sê-lo uma comoção popular pura e estreme de quaisquer excessos, e tão respeitadora da vida e da fazenda, como de todos os outros interesses e direitos de seus adversários.

...Eis aqui certamente uma revolução, em que a acumulação das causas, a tempera dos caracteres, o estranho e variado dos incidentes, e o trágico e sanguinolento do desfecho dão à história o atrativo pungente e sedutor do drama e do romance. ...Eis aí matéria de sobra para despertar magníficas inspirações com que, sem afastar-se muito da realidade, um talento feliz, como os há tantos nos dois povos que falam a língua portuguesa, poderia compor um poema sem igual. Só ao enfado que gera a leitura de velhas crônicas, sobretudo manuscritas, atribuímos nós, o abandono em que até agora tem ficado uma veia tão abundante. Oxalá que o nosso humilde trabalho, assim imperfeito como o é, pudesse chamar a atenção sobre ela, que com essa só recompensa nos daríamos por bem pagos de todas as nossas fadigas. JOÃO LISBOA".

 

A biografia constante na 4a capa do livro já citado.

E quem é BERNARDO COELHO DE ALMEIDA. "É maranhense e residente em São Luís. Na mocidade foi um grande boêmio e viveu de cidade em cidade, transferindo-se de um colégio para outro. Nunca concluiu o curso de Filosofia. Mas nunca abandonou a literatura, mesmo quando, decidindo-se a levar a vida a sério, se transformou em homem de sete instrumentos. Houve um tempo em que ele era simultaneamente diretor de uma estação de rádio, secretário de um jornal diário, gerente de uma tipografia e funcionário do antigo D.C.T. Hoje em dia é deputado estadual (desde 1962), Diretor Artístico da Rádio e TV Difusora do Maranhão e sócio atuante de nada menos que três grandes empresas agropecuárias e industriais. Nas horas vagas, escreve e cria galinhas no pequeno sítio que possui no interior da Ilha de São Luís. Calmo, otimista, reservado, sonha, diz ele, com o dia em que, livre de seus inúmeros afazeres, possa viver somente para escrever. É membro da Academia Maranhense de Letras.".

 

Um detalhe: não fui ao lançamento desse livro. Anos depois, já em Curitiba, surfando nas ondas do Sebo “Releituras”, na rua Barão do Serro Azul, em Curitiba, deparei-me com essa obra-prima. Desta forma, paguei uma dívida e resgatei minha autoestima de gratidão.

 

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JaimeHá 4 semanas BSB/DFTambém muito merecedor dessa magnífica homenagem. Presidente o senhor dá mais um show, ao pinçar detalhes, com sua ótica bastante acurada. PARABÉNS por mais um show publicado. Aplausos de pé!!!
Joizacawpy Há 4 semanas São luís Obrigada Mhario por mais um resgate histórico de nossa literatura da imprensa maranhense e da cultura como um todo. Considero extremamente importante expor para novas gerações os pioneiros, os que vieram antes de nós e nós presentearam com um belo e rico legado. Gratidão.
Leudinor da SilvaHá 4 semanas São Luis do MaranhãoMhario Lincoln, home tu és fera.
Lenita Chaves de AguiarHá 4 semanas São Paulo SPMhario você teve sorte de conviver com grandes nomes da intelectualidade do Maranhão. Quando tu escrevias as colunas sociais toda a gente já sentia que tu eras diferenciado. Não era colunista social propriamente dito. Era um intelectual que escrevia uma coluna forte, saudável e informativa sobre todos os temas. Te admiro desde essa época. Principalmente pela cronica que você fez para a minha mãe, hoje, emoldurada e presa ao túmulo dela, no Cemitério do Gavião, como última homenagem. Gratidão.
ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA Há 4 semanas São LuísBernardo Coelho de Almeida, foi um dos maiores intelectuais do Maranhão, foi meu vizinho, conversarmos muito. Tenho maioria de seus livros autografados. Grande ser humano.
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