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Exclusivo: do livro "Soco no Muro" do poeta Raimundo Fontenele

Raimundo Fontenele é colaborador da Plataforma do Facetubes, poeta, escritor com vários livros publicados.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Raimundo Fontenele
15/05/2024 às 16h36
Exclusivo: do livro "Soco no Muro" do poeta Raimundo Fontenele
Raimundo Fontenele

Ilustrações: Mhario LIncolm comAI.

 

       "Estes escritos pertencem a um livro em gestação com o título SOCO NO MURO e subtítulo Ensaios de Filosofia e Arte. Os textos ora publicados aqui no Facetubes, graças à generosidade do espaço que me é cedido pelo ilustre amigo Mhario Lincoln, são partes do Capítulo Um - Pequenas Fábulas Fontenelianas", poeta e escritor Raimundo Fontenele.

 

O Rei.

AS SECRETAS RAZÕES DA LOUCURA

Havia um Reino Encantado, num lugar de todos desconhecido, cujo Rei era um louco.

Seus editos, determinações e leis eram frutos de pequenos e esparsos momentos em que lhe sobrevinha a sanidade – diziam.

Nenhuma lei era injusta. Nenhuma determinação era contrária a qualquer lei da natureza ou dos homens. E os editos agradavam a súditos e vassalos, religiosos e militares, artesãos e comerciantes, nobres e plebeus, ricos e pobres.

Era um Reino feliz onde todos eram felizes.

O que ninguém sabia, e jamais poderia sequer imaginar, era que leis, editos, decretos e determinações, embora fossem promulgados naqueles instantes em que a razão dominava, eram todos concebidos, pensados, criados exatamente durante os momentos de total insanidade e loucura.  

 

 

O Peregrino.

NUVENS ESCURAS TOLDARAM O CÉU

Numa radiante manhã de sol, o viajante e peregrino seguia por uma estrada florida e perfumada.

Podia ouvir, mesmo que fosse ao longe, o cantar mavioso de algum pássaro, o sussurrar das águas de um riacho, pelo qual passou com o coração cheio de doçura e encantamento, e os silvos de folhas nas árvores trazidos pelo vento.

Caminhava contrito e alegre: seu cajado era sua única arma, com a qual enfrentaria alguma fera que aparecesse repentinamente a sua frente, e levava também seu farnel composto de algumas frutas, mel e fatias de pão integral.

 Enquanto andava, seu passado, em forma de lembranças, emergiu de dentro de si trazendo-lhe preocupação e desassossego. A estrada ficava cada vez mais estreita, parecia-lhe que o céu escurecia e que logo uma tempestade o alcançaria. E até murmurou em voz baixa para si mesmo:

          – Nuvens escuras toldam o meu céu...

Mas não havia nuvens, muito menos escuras. Ao olhar novamente para o céu, e para fora de si, a manhã continuava radiante e alegre e o sol brilhava em todo o seu esplendor.

E soube: aquelas nuvens escuras eram apenas os seus pensamentos.

 

O 'eu" dos 'eus".

OLHANDO ALÉM DAS APARÊNCIAS

Ao sentir que o peso dos anos lhe curvava a espinha e que o seu tempo de provações na terra se esgotava, o homem subiu a montanha.

Procurava no alto daquele monte uma espécie de sábio e vidente que ali habitava. Era, como se diz, um perito, um especialista em desvendar o ser humano, mesmo que este procurasse guardar, da forma mais secreta, certo segredos.

Procuravam-no todo tipo de pessoas: ricos, pobres, gordos, magricelas, angustiados, confiantes, humildes, orgulhosos, desesperados e esperançosos. Mas todos com um único objetivo: ouvirem o veredito a respeito de si mesmos e qual destino teriam, após serem carregados pelos braços da morte, para o lado invisível do mundo e das coisas.

Seu método era simples e seguro. Não fazia perguntas. Apenas olhava fixamente, por alguns segundos, o visitante para ver se este baixava ou desviava o olhar do seu, ou se permanecia também olhando-o firmemente.

O dom especial do vidente é que aquele que o consultava via-se a si mesmo no olhar do sábio, e passava a se reconhecer como realmente era por dentro, sem máscaras ou fingimento.

Pois, sentenciava o eremita do alto da montanha: “nem todos se reconhecem ao olharem-se no seu espelho interior”.

 

O bom.

O HOMEM QUE QUERIA SER BOM

Quando Malencastro atingiu setenta anos abandonou tudo que tivera até então, esposa, filhos, emprego, teres e haveres, e com o único objetivo de tornar-se um homem ou bom, ou sábio, ou seja reles peregrino, caiu na estrada.

Vagava de cidade em cidade e de vilarejo em vilarejo numa espécie de peregrinação quase religiosa, efetuando pequenos trabalhos para custear o seu minguado pão de cada dia, suficiente para manter-se vivo e alimentar seu sonho e sua procura.

As palavras de um certo profeta ecoavam no seu cérebro e em todo o seu ser, quando recolhia-se em um abrigo para uma noite de sono: "O meu reino não é deste mundo".

         Quanto mais meditava nessas e em outras palavras do profeta, mais sentia que a sua natureza humana se transformava, como se sua alma ganhasse uma nova pele.

Pelo meio dia de um dia abafado e úmido deitou-se à sombra de uma frondosa jabuticabeira para descansar e mergulhou num sono profundo.

Ao acordar, no meio da tarde, suado e aflito com pedaços de um sonho agourento martelando-lhe a memória, de repente observou algo escrito no chão, um pouco abaixo dos seus pés.

"Algum transeunte rabiscou com um graveto qualquer", pensou e leu o que estava escrito:

      – Ninguém é bom quando abandona o seu próprio eu.

 

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JaimeHá 11 meses BSB/DFPPublicaçãomito enriquecedora !!!
Raimundo FonteneleHá 11 meses Barra do Corda Maranhão Todos os comentários tem algum ponto em comum e juntando-se os fios está tecido um pano de fundo do que é o meu trabalho e a incessante busca pela originalidade. Um soco contra o muro, é este mesmo que renomeei para Soco no Muro. E esses textos iniciam o livro. Esopo? Quem me dera poder amarrar-lhe os sapatos. kkkk Agradeço a leitura e os comentários, meus amigos.
Lilian FragaHá 11 meses RioMuito bom poeta.
Poeta Marcio BritoHá 11 meses Brasília DF Fontenele. Eu li na coluna de Carvalho Junior uma matéria sobre Soco no Muro, entre suas obras. Chegada Temporal, Pelos Caminhos Pelos Cabelos, Venenos, A Colheita do Mundo, O Troglodita, De Cara Suja, Crônicas do Pucumã e A Via Crucis de um Poeta sem Nome. Tem inéditos Pedaços de Alberto Caronte (contos), Diurnidade (poesia), Caixa de Sonetos, São Domingos Revisitada e Um Soco Contra o Muro (ensaios de filosofia e arte).É essa matéria publicada?
Salarial Fontenele Há 11 meses Açailandia MaSe não estou enganado, Fontenele, Fernando Braga no artigo DEZ POETAS O SIMBOLISMO E O POETA MARANHÃO SOBRINHO, fala nesse Soco no Muro. Esclareça Fontenele.
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