*Mhario Lincoln
Anne Lamott: “os livros são uma maneira de nos salvar, de nos abrir para mundos que de outra forma nunca conheceríamos”.
Outro dia, bisbilhotando novas (ou velhas) publicações na "Livrarias Curitiba", vi uma sacola interessante com uma frase que me fez pensar e repensar sobre o verdadeiro sentido entre o Homem e os Livros.
Óbvio que, em tempos de redes sociais e relacionamentos rápidos, a frase “Em um relacionamento sério com os livros” surge como um oásis de constância e dedicação. Ao contrário dos aplicativos de encontros que prometem amor ao deslizar de um dedo, o vínculo com os livros requer tempo, paciência e, muitas vezes, um profundo mergulho intelectual.
Então pensei com meus botões: essa relação pode ser vista como uma fuga ao superficial ou uma busca por substância? Tá um mote ideal para começar esta minha crônica de hoje. Aliás, essa ideia me fez trazer para a minha mesa o filósofo Umberto Eco, que em “O Nome da Rosa”, foi claríssimo ao solfejar (sim isso é solfejo) “os livros não são feitos para serem cridos, mas para serem submetidos à investigação”.
Essa fase me foi o bastante para cair no “google acadêmico” e esmiuçar frases, parágrafos e autores que falaram sobre um possível relacionamento em o Homem e o Livro. Isso me fez ver que a leitura em um livro físico (tenho 70 anos) faz desvendar segredos, ir fundo no desconhecido, sem a desastrosa intromissão dos reflexos da tela, dos alertas de WhatsApp, sem aquelas chamadas insuportáveis da mídia eletrônica e sem aquela telinha ínfima com aquela letrinha pequena que mal dá para se ler os títulos. Concorda?
Por esse motivo que a psicóloga clínica Dra. Susan Smith, em entrevista à BBC, afirmou que ler livros físicos pode ser “(...) uma forma de construir mundos internos ricos, uma espécie de antídoto ao ritmo frenético da vida moderna”.
Na verdade, o impacto desse “relacionamento sério com livros”, na dinâmica familiar pode ser tão positivo quanto um grande desafio. Ler, quando os filhos estão gritando diante de uma transmissão de futebol. Ler, quando sua esposa quer ver uma novela com a irmã, cunhado, sobrinhos. Ler em paz, quando seus netos invadem a casa nas visitas de fim de semana e alvoroçam o silêncio e por vai.
Sobre isso, achei uma matéria publicada no “New York Times”, assinada por David Brooks, que dizia: “quando você se casa com os livros, é bom que a parceria seja a mesma. Caso contrário, a coisa pode desandar”. Aliás, alguns casos emblemáticos ilustram esses extremos. Em 2017, o jornal "The Guardian" contou a história de uma bibliotecária britânica que, após um esforço doloroso, encontrou consolo nos livros, a ponto de transformar sua casa numa minibiblioteca e fazer das leituras diárias um ritual sagrado.
Por outro lado, reportagens na "Folha de S.Paulo" mostram que o excesso de dedicação à leitura levou alguns a perder laços afetivos, como no caso de um professor que, ao priorizar seu acervo pessoal, acabou se distanciando da esposa e dos filhos e vivendo completamente isolado, saindo, apenas, para comprar novos livros e revistas.
Sobre esse exemplo acima, quem estiver lendo esta crônica vai dizer: “Mas Mhario, aí é problema psicológico”. Será? E se fosse, quais seriam as consequências psicológicas dessa paixão pelos livros? Segundo a psiquiatra Dra. Maria Helena Pereira Franco, em entrevista ao “El País”, “o excesso pode levar a uma forma de isolamento, onde o indivíduo se relaciona mais com as ideias dos autores do que com as pessoas ao seu redor”. Ela acrescenta que já atendeu pacientes que preferem a companhia dos livros ao convívio social, algo que, em casos extremos, pode exigir intervenções terapêuticas.
Para rir ou para chorar? Entretanto, a beleza desse relacionamento é inegável. O neurocientista Stanislas Dehaene, em seu livro “Les Neurones de la Lecture”, argumenta que a leitura ativa várias áreas do cérebro, promovendo a empatia, a imaginação e a capacidade crítica. Para muitos, como a escritora americana Anne Lamott, “os livros são uma maneira de nos salvar, de nos abrir para mundos que de outra forma nunca conheceríamos”.
No entanto, o equilíbrio é fundamental. A paixão desenfreada pelos livros pode, sim, causar desajustes, mas quando bem administrada, ela enriquece a vida de maneira inigualável. Afinal, como bem disse Jorge Luis Borges, “sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”.
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*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
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