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Renata Barcellos: "A animalização da humanidade: um retrocesso do ser humano"

Renata Barcellos é convidada da Academia Poética Brasileira.

30/07/2024 às 23h04
Por: Mhario Lincoln Fonte: Renata Barcellos
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Renata Barcellos
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Renata Barcellos (BarcellArtes)

Animalização tem o sentido de «ato ou efeito de animalizar(-se), de tornar-se animal», «processo de deslocar ou fazer deslocar alguém ao nível do animal irracional», «bestialização, embrutecimento». Este termo — associado ao francês animalisation (de meados do séc. XVIII), segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) — está registado no Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa (1963), de Silveira Bueno, como um dos derivados do verbo animalizar («animalizar + -ção»). Dessa forma, trata-se de um aportuguesamento da palavra francesa “animalisation”, de meados do séc. XVIII.

Com a Covid, todos prenunciavam que, apesar de todas as perdas, haveria a “humanização” do ser humano. Humanizou? Com todo o isolamento, o convívio obrigatório, passaríamos a nos VER e a nos OUVIR. Consequentemente, nos RESPEITAR. Mas para surpresa: o que vivemos foi o isolamento. O celular foi nosso companheiro inseparável. As interações foram online. De lá para cá, atos de falta de solidariedade, de “violência gratuita” estão cada vez mais recorrente. Serão consequências do uso excessivo da internet? Será a ANIMALIZAÇÃO da humanidade?

Basta assistir aos noticiários, navegar pelas redes sociais, ler matérias... Exemplos: aumento dos casos de estupro e de feminicídio. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) o número estimado de casos de estupro no país por ano é de 822 mil, o equivalente a dois por minuto. Dos 822 mil casos por ano, apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. Já o de feminicídio, segundo o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram 1.463 vítimas de feminicídio no ano de 2023, ou seja, 1,4 mulheres mortas para cada grupo de 100 mil. O número é 1,6% maior que o registrado em 2022, quando foram 1.440 vítimas. Como isso uma vez que há legislação desde 2006?

A Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, chamada Lei Maria da Penha em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes. Devido a isso, dedica-se à causa do combate à violência contra as mulheres. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Vale dizer que, até 2006, o Brasil não tinha nenhuma lei para tratar especificamente a violência doméstica. Por isso, esses casos eram enquadrados na lei 9099, a dos Juizados Especiais Cíveis, conhecidos como “pequenas causas”.

Como os índices só aumentaram mesmo com a Lei Maria da Penha; em 2016, entra em vigor a do feminicídio: Lei 13.104/2015. Esta determina que fica configurado feminicídio quando há morte de mulher "por razões da condição de sexo feminino". Esta inclui casos de crimes que envolvam violência doméstica e familiar, bem como menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Um absurdo. Mesmo criando leis, os casos só aumentam independente de cor, idade e classe social. O Ligue 180 funciona diariamente durante 24h, incluindo sábados, domingos e feriados. Em todas as plataformas, as denúncias são gratuitas, anônimas e recebem um número de protocolo para que o denunciante possa acompanhar o andamento.

Outra forma de violência com alto índice nos últimos anos: agressões em voos. Em 2021, houve aumento de violência envolvendo os trabalhadores do setor tem dados sinais de alerta. Segundo relatório da Agencia Nacional de Aviacao Civil ( ANAC), com dados somente até o 3º trimestre de 2021, foram registrados seis casos de passageiros indisciplinados em voos de empresas aéreas brasileiras. Devido a isso, preocupados com a integridade física e saúde mental dos aeroviários, o SNA lançou em dezembro/21 a campanha “Chega de agressões nos aeroportos!”. De acordo com o SNA, há inúmeros relatos de agressões físicas e/ou verbais sofridas pelos aeroviários por situações diversas como o mais recorrente: atraso de um voo. De acordo com o levantamento feito pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), foram registrados 585 casos de indisciplina de passageiros em 2022. Este ano de 2024, já foram divulgados inúmeros casos.              O que está acontecendo com o “SER HUMANO”?

Qual tipo de orientação as crianças e adolescentes estão recebendo? Quais ações estão presenciando seus responsáveis praticarem? Quais serão os efeitos sobre a formação deles? As crianças estão sendo criadas pelas telas, não brincam presencial com outras da sua idade, não interagem presencialmente. O entendimento e estrutura da FAMÍLIA mudaram radicalmente.

A sociedade luta “por igualdade de direitos”, mas “vira as costas” para seus semelhantes. Não acode, não pratica um gesto de solidariedade, muitas vezes. Até por temor de sofrer alguma violência. Não há mais confiança. No "Prefácio" do livro Ética social e governamental, de 1997, Lauand comenta: "Esse drama fundamental ético-existencial do homem transcende o âmbito da filosofia acadêmica e atinge a arte popular ... Milton Nascimento, ‘Yauaretê’, música esta inspirada no conto de mesmo nome de autoria de João Guimarães Rosa”.

Isso nos reporta ao problema ético. De Platão a Sartre houve a seguinte indagação: o que é verdadeiramente ser homem? Em a "Alegoria da Caverna", de Platão, ilustra a jornada do conhecimento humano, enfatizando a transição da ignorância para a iluminação. Representa como as percepções limitadas e ilusórias podem ser superadas através da busca pela verdade e pelo entendimento profundo, simbolizados pela ascensão da caverna para a luz do sol. Platão sugere que o verdadeiro conhecimento só é alcançado ao transcender o mundo sensorial e compreender as realidades fundamentais, defendendo a importância da educação e da filosofia como meios de libertação e esclarecimento. Mas e hoje? Voltamos à “Caverna” de Platão?

Nas literaturas, este tema é tratado com o nome de “Zoomorfização”, é uma concepção do Naturalismo. Com o darwinismo e o cientificismo, o ser humano passou a ser visto como uma máquina, sem livre arbítrio, e influenciado pelo meio social e físico no qual está inserido. Influenciado pelo darwinismo, nesta escola literária, as personagens apresentam características animalescas e instintivas, através de uma perspectiva biológica. Assim, os comportamentos humanos se aproximam dos animais, mostrando que o homem é condicionado pelo meio onde  vive. Dessa forma, surge uma literatura de denúncia social, focada nos temas da pobreza, das desigualdades, da disputa de poder e das patologias sociais. No Brasil, o Naturalismo começa em 1881 com a publicação da obra “O Mulato”, de Aluísio de Azevedo. Já, em Portugal, o movimento surge em 1875 com o romance “O crime do padre Amaro”, do escritor Eça de Queiroz.

Já, na década de 30, na Segunda Fase do Modernismo Brasileiro. Nesse momento, surge o romance regionalista nordestino, caracterizado como uma literatura social, pois discute as realidades socioculturais de determinadas localidades, sem perder o caráter ficcional universal. Por exemplo, “Vidas Secas, de Graciliano Ramos (um dos romances inaugurais desse moderno estilo brasileiro regionalista) é notório, principalmente, no personagem Fabiano e na humanização do animal (antropomorfização) da cachorra Baleia que, embora sendo um animal, é como um membro da família e apresenta as sensações mais humanas de toda a narrativa.

No romance “Perto do coração selvagem” (1998), de Clarice Lispector, a personagem Joana sentia, dentro de seu corpo, um animal perfeito, uma fera, na qual pulsavam múltiplos instintos e afetos. Mas eram mantidos presos dentro de si. Ela acreditava inicialmente que, por deixar habitar essa fera dentro de seu corpo, algo de ruim criava-se em seu íntimo. Teme a fera que a habita, esse lado animal onde pulsam sentidos e afetos. E, ao mesmo tempo, deseja-a e sente-se atraída por ela. A partir disso, para Djalma Augusto dos Santos Mello (Guto Mello: escritor, historiador e membro da Academia Fluminense de Letras) a literatura “faz com que possamos enxergar a nós mesmos; é a percepção socrática ao dizer para si mesmo “Conhece a ti mesmo?” A literatura forma camadas intrínsecas, uma hermenêutica resiliente e um empirismo com uma outra ótica.  A restauração do humanismo e a cultura da civilização só será possível através de uma Educação de qualidade, políticas públicas com transparência e o conhecimento literário, seja através da produção científica,  seja através da literatura verossímil. Só assim o homem sairá de uma cegueira, da ignorância, uma consequência da colonização do outro e muito bem falado por José Saramago”. Quanto ao autor português, a presença de animais é recorrente em sua obra como no romance Memorial do Convento e no conto Embargo, Aproveitamos para finalizar esta reflexão com uma passagem de Saramago em Ensaio sobre a cegueira: “Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos façamos tudo para não viver inteiramente como animais”.

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Ana cunhaHá 4 meses Barra mansaAmei!!
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