Eloy Melonio
Em tempos de olimpíadas (Paris/2024), algumas palavras se revestem de profunda relevância ou insignificância. No pódio da glória: sucesso, alegria, sorriso. No muro das decepções: fracasso, tristeza, choro. E isso tudo girando em torno do binômio “vencer e perder”.
Definitivamente, olimpíadas têm tudo a ver com “ganhar” e “perder”. Os vencedores são aclamados e viram celebridades. Os perdedores, facilmente esquecidos. Nenhum atleta volta pra casa com a medalha da derrota no peito.
E, assim, a ideia de escrever sobre esse tema veio-me umedecida pelas lágrimas da judoca Rafaela Silva, após sua luta com a japonesa Haruka Funakubo. Seu choro era por conta de uma "vacilada" numa nova regra da luta, que ela se esqueceu de levar para o tatame. Fosse no futebol, diriam que ela “pisou na bola”. Se quem perde sente a dor da derrota, imagine quem sofre inesperada e sumária desclassificação.
No pódio da glória, Beatriz Souza (a Bia) — também do judô — enroscou riso e choro, ao conquistar uma medalha de ouro em sua primeira olimpíada. E, empática, traduziu numa só frase a sua alegria e a frustração de sua colega: “Olimpíada é a vida por um dia”.
Na mesma sintonia, a famosa nadadora Ana Marcela Cunha, campeã olímpica, logo após sua desclassificação na maratona náutica, confessou: "O quarto lugar é pior do que o quinto".
E aqui vai mais um pouco da arena olímpica para realçar as cores da vitória e as dores da derrota. A skatista maranhense Rayssa Leal era a cara da felicidade. E não é pra menos, pois é a nossa mais jovem medalhista olímpica. Em sua segunda participação, aos 16 anos, já coleciona prata e bronze. E sonha com o ouro em Los Angeles (2028). Seu faro do sucesso se manifestou muito cedo, aos 7 anos, com as manobras da "Fadinha" pelas praças de Imperatriz (MA). Marta, do futebol, expulsa e suspensa por dois jogos após uma falta grave, voltou aos 19 minutos do segundo tempo na partida final contra os Estados Unidos. E adiou definitivamente o sonho de uma inédita medalha de ouro. Igualmente, o sonho de Hugo Calderano foi adiado pela terceira vez, apesar de ser o brasileiro com a melhor posição no tênis de mesa. Sem medalha, era o choro em pessoa. Sua torcida tentou esnobar com um "GO HUGO!". Quem sabe se preferissem Machado de Assis a Shakespeare, sua sorte não teria sido outra?
Sem perda de tempo, um parágrafo obrigatório para reverenciar Rebeca Andrade, 25 anos, a maior medalhista olímpica da história do Brasil. Essa garota é “tudo e muito mais”. Que o diga Simone Biles! Quatro medalhas em Paris (ouro, prata, prata, bronze) e seis na prateleira. Hoje é só alegria, só risos. Com seu jeito adolescente, já tem lugar garantido no panteão dos nossos maiores atletas.
Na linguagem olímpica, a arena do perde-ganha é realidade nua e crua. Porque é lá que convivem tristeza e alegria, decepção e glória, fracasso e sucesso. E uma verdade irrebatível: ninguém gosta de "perder"; todo mundo só quer "ganhar". Com a chama do espírito olímpico, um anúncio da Rede Globo enfatiza: “Copa do Brasil não é pra jogar, é pra vencer”. Sei não, mas essa euforia toda parece ressoar o hino do Flamengo.
Tudo isso também se nos apresenta nas ruas da vida normal. Nelas, — diferentemente das arenas esportivas — as regras são mais imperativas: siga em frente, vire à direita; pare, vire à esquerda. Não se pode negar que vencer exige preparo, esforço, foco. Perder já não é assim tão categórico. Basta desprezar a cartilha dos vencedores.
Se a arte nos inspira, então aqui vão algumas palhinhas musicais. Primeiro, do grupo Fundo de Quintal: “A vida é pra quem sabe viver/ Procure aprender a arte/ Pra quando apanhar não se abater/ Ganhar e perder faz parte”. Eis aí um samba-mantra que devia tocar todo dia no radinho dos candidatos ao fracasso.
Nessa mesma “vibe”, um recado positivo de Ivan Lins: “Nada de correr da raia/ Nada de morrer na praia”. E sua receita da persistência: “Afinal de contas não tem cabimento/ Entregar o jogo no primeiro tempo”. Na cama inquieta do tempo, Caetano Veloso ensaia uma jogada analítico-reflexiva: “Eu fico ali sonhando acordado/ Juntando o antes, o agora e o depois”.
E para fechar esta pauta poético-musical, ninguém melhor que Paulo Vanzolini (1924/2013): “Reconhece a queda e não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima”. Será que o compositor paulista já conhecia o provérbio japonês: "Caia sete vezes, levante-se oito"?
Que tal perguntar a Rebeca Andrade como ela consegue se apresentar com tanto equilíbrio, leveza e elegância. “Treino, muito treino; suor, muito suor” — imagino-me ouvindo a sua resposta. E, ironicamente, pergunto a mim mesmo: Só isso?!
E assim como a Estrela-d’alva ilumina o céu, sucesso é brilho nos olhos, "transpiração e inspiração". Se contabilizarmos as “perdas e ganhos”, muitos de nós certamente têm mais a comemorar do que a lamentar.
E, enfim, Gonzaguinha e seus questionamentos sobre a vida. Mas, espetacular mesmo, é a resposta do poeta: “Sopro do criador numa atitude repleta de amor”. E não deixa por menos seu apreço pela vida: “Eu sei, eu sei/ Que a vida devia ser bem melhor/ E será/ Mas isso não impede/ Que eu repita/ É bonita, é bonita/ E é bonita”.
Se um dia você quiser “voar”, não se deixe levar por promessas avoadas, mesmo que sejam do Redbull. Voo certo é pegar uma carona no skate da Rayssa Leal ou na prancha do Gabriel Medina.
Com os pés no chão, nossa vitória acontece sempre que criamos o nosso próprio título: ganham-se muitas, perdem-se algumas.
Eloy Melonio é professor, escritor, letrista e poeta
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