José Claudio Pavão Santana (*)
Já escrevi sobre Machado de Assis e uma de suas obras mais conhecidas: O Alienista. Volto ao tema porque parece que a obra (conto satírico na minha compreensão) torna-se cada vez mais contemporânea e factível, pelo que nos mostram os jornais e a mídia de hoje.
É fato que ontem ocorreu no Brasil a segunda independência. Sim, a segunda, porque foi uma vez mais em São Paulo, não mais às margens do Ipiranga, onde se constatou que Brasília nunca esteve tão independente do Brasil.
Peço calma aos estultos apressados e militantes reticentes. Não falo do povo de Brasília, mas dessa “brava gente” brasileira que compareceu e assistiu ao que se poderia chamar de marcha fúnebre. Há Brasis diferentes. Um sedento por liberdade de onde ecoam gritos e cantos; outro, apático e sem brilho, a deslustrar a democracia, como que se tivesse querendo que a maioria fosse internada na Casa Verde.
Dela recolhe-se imagem tão parecida com o cenário de ontem que é quase previsível o epílogo. Dizem os mais antigos que doidos não rasgam dinheiro, embora possam jogar pedra em avião.
Avião e Constituição são vocábulos que rimam (uma rima pobre é verdade) e que são objetos muito falados em dias como hoje. Aquele, pelas esbórnias tornadas secretas; esta, pela indiferença concreta.
Dr. Simão Bacamarte, personagem central da obra, de tanto elucubrar insanidades, contrapondo verdades a mentiras, omitiu que em si mesmo residia a enfermidade. Enquanto pode diagnosticou, aplicou os medicamentos, conduziu o tratamento com a clausura final, como se nesse quadro residisse a vida, metaforicamente substituindo realidade por delírio.
O tempo, dimensão inafastável do conhecimento verdadeiro, trouxe ao conto o epílogo mais justo e ajustado. Sem contenção crítica o paciente era o médico. Ele era a própria doença, embora trajado em bata alvejante, impecavelmente gomada, sem vincos ou dobras, mas com vícios.
A plenitude e autossuficiência do Dr. Bacamarte ainda hoje, por aí, se propaga em vozes que se põem a dar conselhos sem exemplos, avessos a contrariedades e imersos em delírios.
Em outro cenário auriverde, em cores vivas, ressalvadas algumas estultices, porque doidos não escolhem lados, ao menos se pode ouvir o grito da liberdade, o sol que nos dá vida, como está no hino.
Dr. Simão Bacamarte, ao final da obra de Machado de Assis, conclui que não eram os loucos que eram loucos, condenando-se a si próprio a permanecer internado no sanatório.
Claro que a Casa Verde hoje abriga estultos, loucos, analfabetos e quiméricos, com suas mazelas claras a sinalizar que só não atiram pedras em avião.
Teria Machado sido um visionário? Não sei. Mas que o instituto da interdição ainda está no direito, isto sim, sei que está. Só não pode agir sozinho, a menos que quem possa cumprir o dever seja mais um paciente da Casa Verde.
Somos um país de natureza rica e homens públicos pobres de espírito a permitir que Bacamartes continuem perambulando por aí, quando deveriam estar no divã.
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(*) Professor Titular do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Pós-Doutorado Universidade de Coimbra ("Ius Gentium Conimbrigae") Doutor em Direito do Estado (Constitucional) - PUCSP Mestre em Direito - FDR-UFPE Professor de Direito Constitucional do Curso de Direito da UFMA Membro da Associação de Ciência Política do Estado de Nova York (NYSOSA), New York State Political Science Association Associado da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional Membro do IBEC Membro da AMLJ Membro da ALL Membro IMADE Pesquisador junto a CAPES-CNPQ - Grupo de Estudos de Direito Constitucional Contemporâneo
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