VERSOS, UNIVERSOS E O MULTIVERSO
“(palavras) que são nada versus nada”
E se você fosse desafiado a visualizar “versos” voando de um lado para o outro num universo de natureza poética?
Antes de sua resposta, o que importa aqui é “imaginar” esse cenário fictício. Isso porque a imaginação faz sucesso desde o começo do mundo: “Então Deus contemplou toda a sua criação, e eis que tudo era muito bom” (Gn 1.31). Em nossos dias, Rita Lee se veste de imaginação e revela que “faz amor por telepatia” (“Mania de você”).
Nesse universo da imaginação, versos há que rejeitam o rótulo de verso e que driblam o pendor literário, desafiando os preceitos estéticos da "arte da palavra escrita". Numa rota contrária, aqueles que cantam o amor, exaltam a vida, choram a dor. Também não posso esquecer daqueles que trazem a arte para o palco da imaginação, como o da epígrafe desta crônica (“Cover the blues” – Chico Saldanha, CD “emaranhado”/2010).
Essa concepção nasceu de uma imersão no poema "Vice-verso", do meu primeiro livro (Dentro de Mim - abril/2015). Foi só então que percebi que — numa leitura posterior — não via esse poema com o mesmo olhar da leitura original. Sabe por quê? Porque também eu não era mais o mesmo. Os versos estavam lá, mas eu sentia algo novo no ar.
Assim como o vento, o verso é obra de um criador. Não vem do nada e nem sai por aí assobiando um jingle de cerveja. Porque leva consigo uma carga de sentimento artístico. Compartilho, aqui, os dois últimos versos do referido poema para você decifrar as possibilidades de uma relação amorosa:
“Em cada verso, você.
Em você, cada um dos meus versos.”
Não é fácil perceber um verso viajando o espaço da nossa imaginação. Porque o verso só é verso quando — com outros versos — é parte de um todo chamado poema. Os poetas escrevem um poema, não versos. As pessoas leem um livro de poemas, não de versos. Fora de seu universo, o verso mais parece um aforismo ou um pensamento avulso.
Antes, preciso antecipar a ideia do “multiverso” — um conceito pseudocientífico para descrever o conjunto dos universos possíveis. Imagine uma sala fechada em cujo interior flutuam balões, sendo isso tudo o que existe. Essa imagem reflete o "multiverso" (sala) e seus "universos" (balões).
Essa percepção me afetou depois que assisti ao filme “Homem Aranha Sem Volta para Casa" (Sony), em 2021. No filme, Parker corre perigo, pois a identidade do Homem-Aranha não é mais segredo. Então, pede ajuda ao Dr. Stephen Strange e seus poderes mágicos, o que permite que supervilões de realidades alternativas entrem em seu universo.
É nesse sentido que percebo a questão dos versos. Parece estranho, mas, tal qual a inquietação do herói do filme, o verso é uma experiência que se nos apresenta em diferentes instantes e contextos. E que pode se ressignificar e ganhar contornos inimagináveis. Em outras palavras, o verso circula por aí com numa indumentária pitoresca. Se trocar de roupa, terá de mudar de festa.
E, assim, ser e parecer são dois lados de um mesmo verso. E, na vida, somos tão diferentes quanto nossos nomes e papéis. O Vini Jr. (Real Madrid, Espanha) é jogador de futebol numa pelada em Copacabana ou num jogo contra o Barcelona?
Nesta viagem poético-contemplativa, o universo dos versos é apenas mais um. E, entre tantas possibilidades, é fácil perder-se do eixo conceitual do verso como “unidade rítmica do poema”. Porque sob o calor do Sol, ele se abriga à sombra do invisível. À noite, canta baixinho que “nem todos os versos são cálidos”.
Há quem diga que o verso é mera imaginação de quem se embriaga com absinto poético. Outros, que o verso só existe no universo da poesia. O poeta, ao contrário, aposta que ele voa solto por aí. E que, abraçados, saem para um passeio pagodeado: “deixa o verso me levar, verso leva eu".
Se Fernando Pessoa defende que fingir é arte, e que — entre os fingidores da mais fina estirpe — o poeta é o “cara”, fica explícito que ele inaugurou um universo que se parece com uma penitenciária lotada de mentirosos.
No universo dos versos, pode-se experimentar de tudo um pouco. Talvez isso justifique uma adaptação da citação de Ferreira Gullar (1930-2016): “O verso existe porque a vida não basta”. Na literatura universal, versículos estão para o Cântico dos Cânticos (ou Cantares) assim como testículos estão para o Kama Sutra.
Que tal, então, passearmos por alguns universos e curtir as possibilidades dos versos?
“Dizem que um fake verso vive infernizando o universo social dos versos”;
“Two beers or not two beers ― nem todo verso é o que parece ser”;
“Um verso no meio do caminho não é merda nenhuma”;
“Versos insensíveis adoram olhos e ouvidos fechados”;
“Mais vale um verso voando do que dez dormindo num livro fechado”;
“Se o verso fala, converso; se se cala, desconverso”;
“Verso que é verso não se joga na cama de qualquer poesia”;
“De verso para verso: você é o verso que quiser ser”.
Verso seja dito: se a vida não para, por que parariam os versos? Sem precisar imaginar versos voando em todas as direções, simplesmente entenda que eles vão e vêm e, “pés no chão”, — dão volta e meia no quarteirão. Se encontrar um passeando por aí, não deixe de perguntar de que universo está vindo ou para qual universo está indo. Aproveite para sugerir-lhe que entre numa “antologia”, o universo mais acessível destes nossos tempos.
E, se imaginar é preciso, deixo-lhe o verso por não-verso. E verso final.
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Eloy Melonio é professor, escritor e letrista.