*Mhario Lincoln é editor-sênior da Plataforma do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira.
Agora pela manhã me pus a analisar os versos de Socorro Guterres, enviado ao Facetubes. Antes do café comecei a fazer algumas anotações que, por sorte minha, acabaram se tornando o texto abaixo, após ler e reler esse poema épico dessa maranhense brilhante que saiu de São Luís para tornar-se ícone das palavras no sudeste brasileiro, através do seu livro de muito sucesso, "Nos Domínios da Linguagem (Veredas)", onde, quando li, também observei passagens plurinteressantes, raríssimas 'células-mater' da linguagem interpretativa, a partir de Roland Barthes e Ítalo Calvino. Aliás, é ótimo ter esses dois pensadores como referência. Isso porque, ao ler, o livro da professora Socorro, fica evidente essa fricção emotiva da vontade dela com o prazer do texto. De desnudá-lo, de buscar essências, de retirar as letras do sonambulismo.
Então foi fácil analisar os versos (mais) abaixo, somando-o às sensações que havia vivido ao ler a obra citada. E deles, acabei acolhendo alguns mais significativos do poema, como "Houve um amor sem igual. E sobre ele muita história se fez", cuja essência destaca a intensidade e a singularidade do amor entre o Infante Pedro e a dama Inês de Castro, sentimento esse que desafiou as convenções sociais e políticas de sua época.
E como sempre trago para a mesma mesa, excertos filosóficos, esse verso escolhido representa o ideal do amor verdadeiro, transcendendo barreiras impostas pela sociedade. Historicamente, este amor proibido tornou-se uma lenda que marcou profundamente a cultura portuguesa. Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, afirmou: "O homem nasceu livre, e por toda parte se encontra acorrentado." Esta citação reflete o conflito entre a liberdade dos sentimentos e as restrições sociais que os aprisionam.
Outro verso crucial é: "Determinou aos seus ministros Que fossem em busca de Inês Para libertar Pedro Primeiro Do seu amor verdadeiro." Aqui, o rei Afonso IV toma medidas drásticas para separar os amantes, temendo ameaças à estabilidade do reino. Filosoficamente, este ato simboliza o embate entre o poder autoritário e os desejos individuais. Assim, a execução de Inês de Castro demonstra como a política pode interferir tragicamente na vida pessoal. Voltaire, pensador iluminista, escreveu: "A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar." Esta reflexão enfatiza as consequências nefastas de ações tirânicas.
O verso "Assim, tão de repente, Vê-se com seu algoz frente a frente," retrata o momento fatídico em que Inês confronta seus executores e ilustra a fragilidade da vida e a impotência diante da opressão. Esse encontro culmina em sua morte injusta, tornando-se um símbolo da arbitrariedade do poder. Edmund Burke, filósofo do período, afirmou: "Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada." Esta citação ressalta a responsabilidade coletiva em face da injustiça.
Na sequência, "Trouxe para a corte o cadáver da agora rainha Para lendária cerimônia De inusitado beija-mão" ilustra a resposta de Pedro à morte de Inês. Representa a busca por justiça e a tentativa de eternizar o amor além da morte. Um ato singular de coroar Inês postumamente demonstra a profundidade do sentimento de Pedro e sua revolta contra as injustiças sofridas. Immanuel Kant, que também o trago à mesa, afirmou: "Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre como um fim e nunca apenas como um meio." Pedro, ao honrar Inês desta forma, reconhece seu valor intrínseco e sua dignidade.
Finalmente, o verso que me emocionou bastante: "Portanto, é melhor que se diga: Inês continua viva, Enquanto Amor existir," encerra o poema. E por que dessa emoção? Por ratificar a imortalidade do verdadeiro amor e sugerir que sentimentos profundos transcendem a existência física, ressaltando como a história de Pedro e Inês permanece viva na memória coletiva, sem se ter certeza absoluta se é apenas uma lenda.
Denis Diderot afirmou: "O amor é uma espécie de preconceito. Amamos o que precisamos, o que nos faz sentir bem, o que nos é conveniente." No entanto, a paixão entre Pedro e Inês desafia esta visão, representando um amor que ultrapassa conveniências e permanece constante através dos séculos e transcende a velha máxima usado por muitos, sem a percepção real do que ela possa representar: "Agora Inês é morta" é uma expressão idiomática portuguesa que simboliza a irreversibilidade de uma situação ou a inutilidade de lamentar algo que já aconteceu e não pode ser alterado. A origem dessa expressão está enraizada na trágica história de amor entre o infante Dom Pedro (futuro Pedro I de Portugal) e Inês de Castro, ocorrida no século XIV e desnuda o amor como 'indestrutível e imortal'.
A LENDA OU HISTÓRIA
Inês de Castro era uma dama de companhia da esposa de Dom Pedro, Dona Constança Manuel. Após a morte de Constança, Pedro e Inês viveram um intenso romance, mas seu relacionamento foi desaprovado pelo rei Afonso IV, pai de Pedro, devido a questões políticas e dinásticas. Temendo a influência da família de Inês e a possibilidade de instabilidade no reino, o rei ordenou a execução de Inês em 1355.
A morte de Inês de Castro provocou profunda dor e revolta em Dom Pedro. Segundo a lenda, quando ele assumiu o trono, mandou desenterrar o corpo de Inês e coroou-a rainha postumamente, obrigando a corte a prestar-lhe homenagens em uma macabra cerimônia de beija-mão. Embora haja controvérsias históricas sobre a veracidade desse evento, a história se perpetuou na cultura portuguesa como um símbolo de amor e tragédia.
Um dos versos mais impactantes do poema é: "Houve um amor sem igual. E sobre ele muita história se fez." Este verso introduz a magnitude do amor entre Pedro e Inês, um sentimento que transcende o tempo e se tornou lendário na história portuguesa. Filosoficamente, representa o ideal romântico de um amor que desafia convenções sociais e políticas. Historicamente, este amor proibido culminou em tragédia, mas também em uma narrativa que influenciou profundamente a cultura lusitana. Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, afirmou: "O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado." Esta frase reflete a luta dos amantes contra as correntes impostas pela sociedade e pelo poder real.
A RELEITURA POÉTICA DE SOCORRO GUTERRES
INÊS É MORTA?
No reino de Portugal,
Em tempo medieval,
Houve um amor sem igual.
E sobre ele muita história se fez.
Era o amor do infante Pedro
Pela linda dama Inês.
Foi um amor conturbado,
Pois o príncipe era casado
E Afonso, o rei pai,
Não atentou ao clamor
Do filho enamorado.
Dona Constança Manuel
Consorte real, ratificada em papel,
De coração partido
Acabou por falecer
Ao sentir que o belo Pedro
Não podia lhe pertencer.
Contudo, deixou herdeiros
Consumando o trato estipulado
Para a sucessão futura
Que viesse a ocorrer.
Estando livre do compromisso,
Muitas jovens Dom Pedro recusou,
Alegando firmemente que seu coração
Ainda sangrava em dor.
Não se conformando o pai,
Com esses tais argumentos,
Sabendo que com Inês
Já havia rebentos,
Temendo estes filhos bastardos
Do poder se apoderarem
Determinou aos seus ministros
Que fossem em busca de Inês
Para libertar Pedro Primeiro
Do seu amor verdadeiro,
No momento em que sozinha
se encontrava a amada (e futura Rainha),
Com os longos cabelos loiros,
Caídos no colo aclamado
De Garça denominado.
Assim, tão de repente,
Vê-se com seu algoz frente a frente.
Mas antes da vil espada
Seu delicado corpo
Vir a transpassar
Inês faz sua súplica
Buscando na compaixão
Evitar aos seus filhinhos
Dantesca e atroz visão.
Mas tudo que clamou
Em inocente discurso
Só antecedeu do sepulcro uns míseros minutos.
Restaria ao amado,
Em caçada tão distante,
No retorno encontrar
O cadáver da amante.
Essa história retratada
Na arte da escritura como também na pintura,
Tem nos Lusíadas, talvez,
A voz mais marcante
Relatando da linda Inês o sossego,
Em saudosos cantos do Mondego,
Até a chegada do pai impaciente,
Tirando do filho Pedro a fantasia
Que o Amor Ardente construía.
Nem a piedosa voz,
Já embargada na saudade iminente
Do príncipe e dos filhinhos,
Impediu a orfandade carregada em mãos do avô inclemente.
Conta o poeta que as lágrimas choradas
Em fresca fonte se transformaram
E um nome adequado ao local foi colocado:
Fonte de Amores foi intitulado.
Mais tarde, em sua vingança,
Os homicidas Pedro alcança
E com as mãos em lança
Seus corações extirpa
Em cruel intemperança.
Mais tarde ainda,
Trouxe para a corte o cadáver da agora rainha
Para lendária cerimônia
De inusitado beija-mão,
A morte assim exalando
A dor em sua exaustão.
E sempre há de surgir
Algum trovador errante
Para falar dessa paixão distante,
E ainda assim constante.
Portanto, é melhor que se diga: Inês continua viva,
Enquanto Amor existir.
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