*Mhario Lincoln
Ontem, busquei uma leitura agradável para meu sábado. E acabei encontrando em alguns versos que me foram enviados pelo meu confrade de APB, Daniel Maurício, algumas coisas bem interessantes.
Mas, um deles, todavia, me chamou bastante atenção, mesmo porque, o poema "Talvez" acaba por explorar - a meu ver - a introspecção e o autoconhecimento através do 'contemplar de possibilidades futuras'. Veja-se: a repetição da palavra "Talvez" estabelece um tom de incerteza e reflexão, indicando o desejo do 'eu lírico' de romper com as limitações impostas pelo passado e de construir uma nova identidade.
No início, Daniel considera conceder a si mesmas "umas férias" para liberar suas "feras" — metáfora para emoções ou instintos reprimidos que o passado lhe "presenteou". Essa personificação do passado como um doador de presentes indesejados sugere (acredito eu, de forma lírica e com liberdade poética, é claro), um conflito interno e a necessidade de emancipação emocional.
A segunda estrofe continua essa exploração, agora externa para a possibilidade de encontrar um amor ou até mesmo inventar um, "só pelo prazer de usar o pronome / Meu". Aqui, o poema aborda a construção da identidade através das relações afetivas e da linguagem. O uso do pronome possessivo "Meu" simboliza a busca por pertencimento e individualidade.
Por outro lado, o poema de Daniel Maurício pode ser interpretado à luz do existencialismo, especialmente nas ideias de liberdade e de prejuízo propostas por Jean-Paul Sartre, por transmitir uma consciência de sua capacidade de escolher e definir seu próprio caminho, seja ao conceder a si mesmas "umas férias" ou ao considerar a criação de um amor imaginário. Essa autonomia reflete a noção sartreana de que o indivíduo está proposto a ser livre e, portanto, responsável por dar sentido à própria existência.
Além disso, a ideia de libertar as "feras" internas se alinha com a filosofia de Friedrich Nietzsche sobre a afirmação da vida e a transvaloração de valores. Daniel, nesse espasmo lírico, claro, busca transcender às limitações impostas pelo passado, semelhante ao conceito nietzschiano de superar a si mesmo para atingir um estado superior de existência.
A contemplação de inventar um amor para usar o pronome "Meu" também pode estar relacionada à filosofia de Ludwig Wittgenstein, que enfatiza, "como a linguagem molda nossa compreensão da realidade". Isto é, desejo de apropriação quase sempre indica a percepção de que a "identidade e as relações são, em parte, construções linguísticas".
Parabéns, pois, à imaginação e construção poética de Daniel Maurício, sem dúvida, um dos grandes poetas modernos, que dignificam o cenário lírico brasileiro.
Talvez
Talvez eu me dê umas férias
Para poder liberar minhas feras
Que o passado,
Me presenteou.
Talvez
Talvez eu encontre um amor
Ou se estiver de bom humor,
Talvez eu até invente um nome
Só pelo prazer de usar o pronome
Meu,
E poder falar pra mim mesmo:
Vem cá,
Vem cá meu amor.
Daniel Mauricio
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Referências
Sartre, J.-P. (2013). O Ser e o Nada . Petrópolis: Vozes.
Nietzsche, F. (2011). Assim Falou Zaratustra . São Paulo: Companhia das Letras.
Wittgenstein, L. (2009). Investigações Filosóficas . São Paulo: Editora da Unesp.
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