Terça, 05 de Novembro de 2024
25°

Tempo nublado

Curitiba, PR

Cultura Textos Memoráveis

ATENAS, PANTHEON MARANHENSE E OUTROS BICHOS

O texto é de Raimundo Fontenele, um dos fundadores do movimento “Antroponautas”, que mudou a história da poesia maranhense.

13/10/2024 às 15h57
Por: Mhario Lincoln Fonte: Raimundo Fontenele
Compartilhe:
arte: mhl
arte: mhl

Raimundo Fontenele
 
Como é bom a gente poder redimir-se enquanto é tempo! E é isso que faço agora, quando já estou traçando as linhas finais desses meus escritos.

É próprio da existência esse embate entre o velho e o novo, e, no entanto,é essa mola mestra que nos impulsiona para a frente, para as grandes descobertas do futuro, mas também para a revelação dos imensos engodos do passado dos quais sempre fomos e seremos vítimas.
Como eu e a minha geração viveu isso, se pudéssemos, qual um faraó enlouquecido, também tocaríamos fogo na biblioteca da nossa alexandria maranhense, e toda a literatura passaria a existir apenas a partir de nós mesmos.


Assim é a maioria dos homens, e é em torno do seu enorme umbigo que tudo começa e tudo termina. Em todos os ramos, setores, áreas e atividades humanas. Na maioria das vezes as grandes quedas advêm desse sonhar impossível com torres de Babel.
Por isso, aproveito, para feito o meu mea culpa, destacar aqui o valor imensurável de homens que plantaram a semente do saber em nossa terra, com tal profundidade e a adubaram com tanto amor e tanto zelo que ao Maranhão sempre foi possível ufanar-se da sua glória e fazer literário.


E daqui surgiram e surgem nomes da mesma grandeza dos maiores da terra, em qualquer um dos continentes. Gonçalves Dias, Souzândrade, Ferreira Gullar estão aí para provar. É só lê-los. E mais Nauro Machado, Bandeira Tribuzi e José Chagas. São esses meus poetas prediletos da literatura maranhense.  
 
O PANTHEON
 
Antônio Henriques Leal, ilustre maranhense do século XIX, é um dos autores do passado por quem nutro profunda admiração, pois nos legou uma obra de fundamental importância para a história da nossa literatura. Seu Pantheon Maranhense é a primeira grande síntese historiográfica da nossa literatura, fixando os nomes daqueles autores e de suas obras, que se tornaram os fundadores do pensamento e do fazer literário em nosso meio.


Filho de Alexandre Henriques Leal e Ana Rosa de Carvalho Reis, ricos proprietários rurais, Antônio  Henriques Leal nasceu em 24 de julho de 1828, no povoado de Cantanhende, região do Itapecuru. Como era de praxe em terras maranhenses, bem cedo rumou para São Luís para o início das primeiras letras e depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde concluiu o Curso de Medicina.


Regressando ao Maranhão exerceu intensa atividade em defesa da educação e da culrtura, fundando e participando de diversas instituições de alcance social, como círculos literários, o Liceu Maranhense, o Instituto Literário Maranhense, o Gabinete Português de Leitura, onde era sócio honorário, o Ateneu Maranhense e a Associação Tipográfica Maranhense. No Rio de Janeiro, capital do império foi sócio correspondente do IHGB e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e, em Portugal, da Sociedade Médica de Lisboa.


Inúmeros trabalhos produziu  Henriques Leal, entre os quais destacamos: Escreveu, em 1860 os Apontamentos da Província do Maranhão, o Calendário Agrícola, História da Província do Maranhão, a introdução da História da Independência da Província do Maranhão, notas biográficas das Obras de João Francisco Lisboa. Em 1867, escreveu o prólogo das Obras Póstumas de Gonçalves Dias, os quatro volumes do Pantheon Maranhense: Ensaios biográficos dos Maranhenses ilustres já falecidos, São Luis, 1873. Tomo I e Tomo II, 1875, os dois volumes dos Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil e a biografia de Antônio Marques Rodrigues, em 1875. Faleceu em 29 de outubro de 1885, depois de retornar de Lisboa para o Rio de Janeiro, onde residia.


Jornalista, político e literato, fundador e editor de jornais e periódicos, vereador e deputado provincial, autor dessa obra capital da intelectualidade maranhense que é o Pantheon Maranhense, Antônio Henriques Leal deixou um imenso legado cultural que precisa ser conhecido pelas novas gerações e, para tanto, reeditados e difundidos através dos meios acadêmicos, universitários, e dos órgãos responsáveis pela cultura do nosso Estado.
 
O EDUCADOR
 
Sotero dos Reis, ou melhor, Francisco Sotero do Reis, outro ilustre maranhense, nasceu em 1800 e faleceu em 1871. Autodidata, não frequentou colégio, a não ser o de primeiras letras. Ele pretendia frequentar uma das faculdades de medicina, na França, assim que completasse os estudos preparatórios, todavia foi impedido em virtude do falecimento de seu pai.


Nessa época, o gramático ministrava aulas particulares de latim e francês em sua própria residência. Henriques Leal ressalta que Sotero do Reis “foi mestre de si mesmo, estudou e acrescentou-se em saber, guiado unicamente por sua clara e robusta inteligência: nunca frequentou cursos superiores, [...]”.


Aos vinte e um anos de idade, Sotero dos Reis já lecionava gramática latina, no Collegio D’instrucção, e dois anos depois foi aprovado em concurso público, assumindo a cadeira de Latim, tornando-se o primeiro professor público do Maranhão, após a Independência. Desde o início do seu magistério, Sotero dos Reis exerceu as tarefas de jornalista em periódicos políticos.


Ele produziu outras obras, além da gramática, tais como, Apostilas de Gramática Geral, aplicada à Lingua Portuguesa pela análise dos clássicos, 1862; Comentários de Caio Júlio César, traduzidos em português, de 1863-69, com 6 fascículos; Curso de literatura portuguesa e brasileira, de 1866-73, com 5 volumes, entre outros. Nas aulas de latim, Sotero dos Reis juntava à explicação das regras da gramática latina aquilo em que as da gramática portuguesa divergiam.


Sotero percebeu que faltava uma gramática, principalmente na parte da sintaxe, no que dizia respeito à análise e construção. A elaboração dessa obra adveio do exercício do magistério, com o propósito de uma concepção de ensino de língua simples, apenas com regras necessárias e definições de fácil entendimento. As obras de Sotero dos Reis são destinadas especificamente ao público discente e escritas como se fosse um diálogo com os seus alunos.


O autor é considerado um dos célebres gramáticos maranhenses que, na redação de periódicos e gramáticas, solidificou o conceito de filólogo profundo, gramático abalizado, exímio conhecedor da língua e familiar dos clássicos. Os filhos de Francisco Sotero Reis revelam que a gramática foi considerada “por todos como perfeição do estilo, na perspicuidade e precisão das definições e regras doutrinais, por isso, acha-se ela com justiça adotada nas aulas públicas das principais províncias do Império”.


Sotero dos Reis foi sobretudo um homem que destinou todo o trabalho e tempo de sua vida profissional à causa da educação. Como professor, exercendo o magistério incansavelmente, que fez das salas de aula o seu segundo lar.


E como educador, voltado à produção de sua Gramática em que destina doze páginas à Ortografia com as seguintes subdivisões: 1º os caracteres alfabéticos, ou letras, com que se escrevem as palavras. 2º, os signais ortográficos, ou de pontuação, que marcam as pausas do discurso, e as inflexões da voz em cada uma.


Sotero dos Reis critica os sistemas ortográficos, que não dão conta da variação da pronúncia. Ele afirma: “Os systemas exclusivos de orthographia somente segundo a pronúncia, ou de orthographia puramente etymologica, são irrealisaveis; o primeiro, porque a pronúncia varía, para bem dizer, em cada provincia, e em cada século[...] E acrescenta: “o segundo, porque seria mister escrever as palavras como se achão na lingua d’onde são derivadas, ao que se oppõe a forma e a pronúncia dos termos variados”


Autor da primeira gramática portuguesa, sua contribuição aos fundamentos da Educação no nosso Estado foi vital para que elementos científicos, etimológicos, filológicos fossem incorporados pelo poder público no planejamento e desenvolvimento educacional maranhense.


Valendo-me do trabalho acadêmico da estudiosa e professora Sônia Maria Nogueira (PUC-SP, UEMA), ESTUDOS HISTORIOGRÁFICOS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA, apresentei-lhes alguns tópicos que revelam a importância do mestre Sotero dos Reis que dedicou-se a vida inteira a construir, edificar e criar condições para que os jovens, estudantes e demais interessados não percam o liame que nos une ao passado.


Lembro que o passado também tem suas glórias e conquistas imorredouras, das quais não podemos prescindir em nome de uma modernidade muitas vezes oca de mensagem e vazia de sentido. E é esta a lição que nos deixou o grande maranhense Sotero dos Reis, que espero seja um exemplo a ser seguido pelos jovens de hoje e do futuro.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Maria Eliane Moraes Dias Há 3 semanas São Luís Amigo FONTEnele, tenho em minha humilde biblioteca a 2 Edição do TOMO II,Ed Alhambra 1987. Cita G.Dias, Francisco Lisboa, Antônio Marques Rodrigues, Frei Custódio Alves Serra e notas adicionais. Continue nos regando com sua sabedoria querido Amigo.
Carmen Regina DiasHá 3 semanas CascavelDr.Henriques Leal!!! Que ser maravilhoso! Que obra magnífica!!! O Facetubes é uma fonte de conhecimentos e prazer. Sorte nossa termos nosso mestre Mhario Lincoln, incansável na busca e transmissão do conhecimento. Gratidão.
Carmen Regina DiasHá 3 semanas Cascavel"Sotero do Reis “foi mestre de si mesmo, estudou e acrescentou-se em saber, guiado unicamente por sua clara e robusta inteligência: nunca frequentou cursos superiores, [...]”. E que grande obra construiu em sua existência!!!
Mostrar mais comentários
Ele1 - Criar site de notícias