A BIOLÍRICA DE JOEMA CARVALHO, DA FORMA COMO EU CONCEBO
*Mhario Lincoln
Há algum tempo venho tentando juntar a poética de Joema Carvalho, imortal APB, seccional Paraná, com a experiência didática de sua profissão: engenheira florestal.
Joema Carvalho, tem traduzido sua lírica de forma diferenciada quando envolve, de certa forma, elementos intrínsecos da ecologia e da botânica, à linhagem poética pessoal, refletindo a profunda conexão entre a arte literária e as ciências naturais.
Aliás, isso me fez voar, neste meu atual repouso obrigatório de saúde. Então tentei entender, por exemplo, os meandros do conhecimento – da menor partícula ao imenso cosmo, onde a poética parece ser a única solução possível para descrever o (quase) indescritível.
Dois milênios antes, Antoine de Lavoisier fez de sua máxima, uma frase poética imensamente conhecida e admirada:
“Na Natureza, nada se cria e nada se perde. Tudo se transforma”.
Agora, alguns séculos depois de Lavoisier, vem Joema Carvalho e segue a mesma linha. Seus poemas, abaixo reproduzidos, "Restinga" e "Feixe de Óbvio" evidenciam essa intersecção, utilizando terminologias e conceitos próprios da engenharia florestal para enriquecer a experiência literária.
Aliás, profissionais de áreas técnicas, como matemáticos e engenheiros, frequentemente encontram na poesia uma forma de expressar suas reflexões e insights, muitas vezes incorporando elementos de suas áreas de expertise em suas obras líricas.
Exemplo brasileiro rápido: Millôr Fernandes conseguiu somar ciência e poesia. Vide “Poesia Matemática”:
“Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base.
Uma Figura Ímpar;
Olhos romboides, boca trapezoide,
Corpo octogonal, seios esferoides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela / Até que se encontrem no infinito (...)”.
Na verdade, no caso joemico, seus versos frequentemente exploram paradoxos e reflexões abstratas, traduzindo ideias complexas em linguagem poética acessível, mas sem fugir à tecnicidade envolvida nas sublinhas da arcádia aédica.
Portanto, como venho lendo Joema Carvalho constantemente, obtenho-me oportunidade de buscar nuances dentro da literatura nacional e fora dela, para tentar compreender melhor essa substância ‘biolírica’, como qualifiquei, de forma original, essa espécie poética de Joema, que serve de poderosa combustão para espraiar suas virtudes líricas.
Exemplo é o poema "Restinga" que explora o ecossistema litorâneo característico das costas, conhecido por seu cenário adaptado às condições edáficas e climáticas extremas:
"morros que se movimentam
sob plantas das dunas
grão de areia de
maresia alimenta"
Joema inicia o poema destacando a mobilidade das dunas, resultando da ação eólica que constantemente redefine a topografia costeira. Uma referência aos "grãos de areia" e à "maresia" aponta para os processos de sedimentação e a influência dos aerossóis marinhos na composição química do solo, fatores que afetam diretamente a colonização vegetal.
"ipomea premeia
substrato estéreo
clitoria e epidendro"
A menção às espécies Ipomoea, Clitoria e Epidendrum demonstram conhecimento taxonômico, evidenciando plantas que possuem adaptações morfofisiológicas para sobreviver em substratos pobres em nutrientes ("substrato estéreo"). Essas espécies são pioneiras em processos de sucessão ecológica, contribuindo para a estabilização do solo e permitindo o estabelecimento de comunidades vegetais mais complexas.
E mais:
"no balanço do mar
s'embalam
e transformam."
Aqui, a autora, APB-PR, enfatiza a influência das marés e das correntes marítimas na modelagem do ambiente costeiro. O movimento do mar atua como agente modelador, e as plantas "se embalam e transformam", diminuindo a resiliência das espécies frente às perturbações ambientais e à contínua adaptação evolutiva.
Sim é quase técnico. Mas aos meus olhos de poeta, há algo, lá no fundo, que me faz refletir, também, sobre a condição humana da poeta. Isto é, será que não é um convite o poema não nos convida a refletir sobre a interação entre forças incontroláveis e a capacidade limitada de adaptação da própria autora ao meio ambiente renovado? Ou levanta questões sobre o determinismo natural, a fragilidade da existência, a dialética entre mudança, permanência e a responsabilidade ética em face das transformações "ambientais/pessoais"?
No segundo poema, há algo que me excita, diante das luzes, feixes de óbvio. Isso porque qualquer que seja a dinâmica da luz, ela incide em algum momento em alguma excitação, seja karmática ou ilusória, através da ‘cromocidade’ do corpo e da alma.
Sim, esse poema aborda essa dinâmica da luz no ecossistema florestal (ou pessoal) e sua importância para os processos ecológicos (ou do desenvolvimento intrínseco ao poder da superação dos movimentos atuais e anteriores.
"luz que ultrapassa
folhas das árvores
energia que chega
em feixe
no sub-bosque"
Joema descreveu a interceptação da luz solar pelas copas das árvores e a subsequente transmissão de feixes luminosos ao sub-bosque. Estas características são cruciais na ecologia florestal, afetando a fotossíntese das plantas inferiores e a biodiversidade do ecossistema.
"espalha-se diante do óbvio
no reflexo dos olhos
que se busca
através do espelho"
A imortal da APB-PR utiliza metáforas para explorar a interação entre o observador e o ambiente natural. O "reflexo dos olhos" pode ser interpretado como a percepção humana da natureza, onde o "espelho" representa tanto a superfície reflexiva quanto a introspecção.
Porém, lá no fundo, vendo-se por uma outra concepção prismática, conclui que os "olhos" ou - janelas para a alma e o "reflexo" - pode implicar numa imagem refletida, não a realidade em si. A busca "através do espelho" pode também indicar uma jornada introspectiva em direção ao autoconhecimento.
Digo isso, em uma análise diferenciada, com base no conceito do "espelho" de Jacques Lacan, o qual descreve o estágio do espelho no desenvolvimento infantil como o momento em que a criança reconhece sua imagem refletida, formando a base da identidade do ego.
Então, poeticamente, essa busca através do espelho sugere uma tentativa de transcender a imagem superficial e alcançar uma compreensão mais profunda de si mesmo.
Em tempo:
É isso que posso dizer sobre esses dois belos espécimes líricos de sua lavra, cara confreira Joema Carvalho. Só agradecer quando você me envia suas criações. Forçam-me a estudar mais. Obrigado!
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Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.